Lição de sala de aula: o que a pandemia mudou no dia a dia da sua vida

O professor Genivaldo leciona para meninas e meninos  de 9 a 11 anos, numa acanhada escola no bairro operário Guadalupe, no subúrbio do Rio de Janeiro. Ele quis saber como seus alunos viviam nesses atuais dias, longe da escola, fechada pela pandemia. Sem aulas presenciais, ele foi de casa em casa, a maioria dentro das favelas da região, sem nenhum acesso à internet. Deixou para cada aluno uma folha em branco só com o título da redação: “O que a pandemia mudou no dia a dia da sua vida”. Com essa redação, o professor saberia como estava a escrita de cada um e já saberia também como cada um percebia e sentia as mudanças causadas pela pandemia.

Depois de uma semana, o professor voltou a cada casa para recolher a redação. Na sua casa, dedicou uma manhã inteira para ler, reler e corrigir as 15 redações que recolheu no bairro. Percebeu que em todas redações eram citadas as mesmas palavras, os “amiguinhos”, o “carinho e a dedicação do professor”, a “partida de futebol no campinho de barro” e principalmente a “hora da merenda”.

A redação de uma menina, no entanto, chamou a atenção do professor que considerou a mais bem escrita. A menina contou a sua  alegria de  ouvir do seu pai falar que estudou no CIEP (Centro Integrado de Educação Popular) do Rio de Janeiro. Ela contou que o pai  depois do CIEP  estudou no Senai e se formou como torneiro mecânico. “Hoje meu pai trabalha na fábrica, montou uma casa confortável e não falta comida para mim, para minha mãe e para os seus dois irmãos. Eu e meus irmãos estamos na escola e queremos estudar, ser alguém na vida”, escreveu a menina.

O professor Genivaldo não estudou num CIEP, mas conhece toda a história desse revolucionário projeto educacional. O primeiro CIEP foi inaugurado em 8 de maio de 1985. Nasceu pelas mãos do educador e historiador Darcy Ribeiro que na época era vice-governador na gestão de Leonel Brizola. Esse primeiro CIEP foi erguido no bairro Catete, perto do centro do Rio de Janeiro, e recebeu o nome do presidente da República Tancredo Neves que morreu dias antes (21 de abril).

Amplos edifícios de concreto, com grandes janelas retangulares e bordas arredondadas, os cerca de 500  CIEPs construídos nas cidades do estado do Rio, que representaram um marco divisor da educação no Brasil,  tiveram a assinatura do renomado arquiteto Oscar Niemeyer. O principal diferencial do CIEP era o ensino integral. A criança entrava às 8 horas da manhã e saía às 17 horas. Ao chegar, já tomava o café da manhã. Depois, até o almoço era o ensino normal. Depois do almoço, atividades culturais e artísticas. No próprio prédio, tinha um ginásio coberto para esportes, sala de computadores, salas de apresentações e uma biblioteca, além de gabinetes de consultas médicas e de tratamentos odontológicos. Cada criança voltava para casa depois do jantar.

Acabou o governo estadual de Leonel Brizola. Entrou o desastrado presidente da República, Fernando Collor, que trocou o nome de CIEP por CAIC e sumiu com todo esse projeto, antes de ser cassado. Nenhum outro governo até agora recuperou esse projeto. Se tivesse continuação, hoje certamente a educação brasileira teria melhores notas.

A lição permanente de sala de aula é que a Educação precisa estar muito além da política e de interesses de partidos, assim como essa atual pandemia que no último final de semana recebeu a trágica nota de 500 mil mortes de brasileiros. Uma boa educação muda a vida, não apenas do pai e da menina do bairro operário de Guadalupe, mas de muitas gerações futuras.

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