Longe do glamour das startups, das incubadoras para jovens empresas de tecnologia e dos investidores-anjo que buscam o próximo unicórnio (uma startup com valor de mercado de US$ 1 bilhão ou mais), existem milhões de profissionais autônomos, microempreendedores e pequenos negócios Brasil afora que, muitas vezes, não têm a mesma facilidade para buscar orientações e ajudar a impulsionar os negócios.
São categorias tradicionais, como cabeleireiros, mecânicos, comerciantes, produtores rurais e pequenas fábricas de produtos artesanais (massas, cervejas, doces e cosméticos entre outros), que não encontram hoje um ecossistema em ebulição para dar um empurrão nesse segmento. Diante da falta de alternativa, muitos se arriscam ao acreditarem em orientações compartilhadas na internet por pessoas que se apresentam como especialistas e até cobram caro por esse serviço. Apesar de prometerem soluções, a maioria delas não gera resultados práticos.
Segundo o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), o país possui hoje 17,2 milhões de empreendedores, micro e pequenas empresas, o que corresponde a 90% do total de empresas registradas no país. Esse grupo é responsável por 27% do PIB nacional (ou 53,4% do PIB do comércio e 36,3% do PIB do setor de serviços) e emprega formalmente 52% da força de trabalho disponível no Brasil.
Apesar desses números tão expressivos, essa categoria não só enfrenta dificuldades para conseguir apoio – seja do setor público ou da iniciativa privada – como também foi a que mais sofreu os impactos da crise provocada pela pandemia da COVID-19. Segundo a pesquisa “Pulso Empresa” divulgada em agosto pelo IBGE, 45% dos pequenos negócios com até 49 funcionários sofreram perdas severas durante o isolamento social, o que causou demissões de funcionários e dificuldades para manter em dia os pagamentos de rotina.
Além disso, 10,1 milhões de pequenas empresas, ou 58,9% desse segmento no Brasil, tiveram que interromper as atividades temporariamente. É o que indica o estudo “O impacto da pandemia de coronavírus nos pequenos negócios”, realizado pelo Sebrae em abril de 2020. Mas a pesquisa também traz um dado ainda mais alarmante: para a maioria absoluta das pequenas empresas (73,4%), a situação financeira já não estava boa antes mesmo da pandemia.
Enquanto o ecossistema brasileiro de cerca de 12 mil startups atraiu investimentos de US$ 2,7 bilhões somente em 2019, o segmento formado por autônomos, microempreendedores e pequenos negócios segue enfrentando gargalos que dificultam a retomada da economia.
Mentoria voluntária
A boa notícia é que surgem algumas iniciativas para preencher essa lacuna. Um grupo hoje formado por aproximadamente 85 mentores, entre empresários experientes e profissionais altamente qualificados, foram reunidos pela plataforma Canguru Expert para oferecer uma hora de mentoria individual online a cada 15 dias, por um custo bem acessível.
“A Canguru Expert promove a conexão entre pequenos empreendedores que possuem dores na gestão do negócio e mentores dispostos a compartilhar conhecimento, ajudando-os a superar suas dificuldades de forma voluntária, movidos pela realização pessoal”, explica a paranaense Ana Paula Pezzotto Lima, fundadora da plataforma. “É uma iniciativa muito importante para fazer chegar a categorias como a dos profissionais autônomos e dos microempreendedores individuais as orientações que muitos deles precisam para ampliar as receitas ou até mesmo recuperar o negócio”, afirma.
Até agora, a plataforma tem dado bons resultados. Já foram 138 empreendedores apoiados por esses mentores, em um total de mais de 400 horas de interações. No auge da pandemia no Brasil, as sessões foram realizadas gratuitamente para cerca de 80 micro e pequenos empresários que buscaram a ajuda do serviço, sempre via internet.
O objetivo é chegar aos 1.000 empreendedores apoiados até 2021 e em 10.000 nos próximos cinco anos. Para levar o propósito da plataforma ao conhecimento do maior número possível de empreendedores, a Canguru Expert realiza lives no Instagram – denominadas “Impulso Expert” – duas vezes por semana.
Às terças-feiras, as transmissões contam com a participação dos chamados “mentores cangurus”, que compartilham dicas gerais sobre gestão para pequenos negócios. Já às quintas-feiras as conversas são com os “empreendedores cangurus”, que foram ajudados pela plataforma e sempre têm histórias inspiradoras para dividir com os seguidores, que ficam livres para interagir com os entrevistados e postar perguntas.
Empreendedoras impulsionadas
As boas histórias de superação, aos poucos, se acumulam. Três mulheres empreendedoras que já foram impulsionadas com a ajuda da Canguru Expert não só conquistaram resultados importantes como também buscam inspirar outras mulheres que também estão à frente do próprio negócio.
A Saboaria Rondônia provou que é possível fazer um negócio sustentável acelerar e crescer, mantendo o propósito de impacto social, preservando os recursos naturais e ainda defendendo o empoderamento feminino.
A empresa de cosméticos naturais liderada por Mareilde Freire de Almeida, que vive na cidade de Ouro Preto do Oeste, no Estado de Rondônia, utiliza plantas da floresta amazônica como matéria-prima. Na saboaria, Mareilde também apoia outras mulheres catadoras dos frutos das palmeiras de babaçu e buriti, fomentando a geração de renda e de valor para a produção das mulheres do campo, com foco na sustentabilidade econômica e ecológica, apoiando a preservação da Floresta Amazônica.
Esses valores também são colocados em prática pela empreendedora Eliane Marques, idealizadora e fundadora do Mulheres Bordando Minas – um grupo de mulheres agricultoras e bordadeiras que produzem artesanato, disseminam a cultura do café e promovem o resgate cultural das comunidades que vivem nos arredores do município de Pedralva, no sul do Estado de Minas Gerais.
O principal propósito é promover a capacitação de mulheres da zona rural e também em associações, comunidades carentes e quilombolas. Segundo Eliane, trabalhar com o artesanato como fonte de renda é um desafio. Por isso, diz, é tão importante procurar apoio e participar de mentorias, buscando aprendizado para evoluir e gerar melhores resultados.
Já a empreendedora mineira Patrícia Kelly Resende da Mata, que ao lado do marido é sócia da empresa Doce de Leite Dom, localizada na cidade mineira de São Tiago, a cerca de 200 quilômetros da capital Belo Horizonte, começou a participar das mentorias com o mesmo dilema da maior parte dos empreendedores: amam seus produtos, mas não sabem como vender.
Em 2019, após seis sessões de mentorias focadas em vendas, seu faturamento saltou o equivalente a dez vezes o valor inicial. Em janeiro de 2020, Patricia voltou a procurar pela plataforma, desta vez para aprender a gerenciar operacionalmente seu crescimento. Foram mais dez sessões com um mentor especialista na área até duplicar o negócio – e em plena pandemia. A empreendedora afirma ter aprendido a resolver problemas sem sofrer. Sua ideia é continuar contando com o apoio da mentoria para seguir expandindo.