Pouco capital, muito conhecimento e uma dose reforçada de empreendedorismo. Esta é a fórmula para ser bem-sucedido no contexto da chamada “era de destruição criativa”. Mais do que definir um período muito específico da história do capitalismo, o termo também é reflexo das constantes mudanças tecnológicas que determinam o nascimento, evolução e morte cada vez mais constantes das ideias e negócios.
Para falar mais sobre o assunto, conversamos com o economista Marcos Troyjo, diretor do BRICLab na Universidade Columbia, em Nova York, um centro de estudos sobre Brasil, Rússia, Índia e China. Ele também é professor na Columbia-SIPAe consultor da rede Empreendemia. “Adestruição criativa faz com que a economia esteja sempre numa espécie de ‘caos evolutivo’”, explica.
Na entrevista a seguir, Marcos fala mais sobre a origem do conceito de destruição criativa e apresenta os desafios e oportunidades que ela traz aos empreendedores, além de dar conselhos para quem está planejando iniciar o primeiro negócio.
O que significa o conceito de “destruição criativa” e quando ele surgiu?
Marcos Troyjo – O conceito surgiu pela primeira vez em diversas obras de Karl Marx, mas ganhou notoriedade a partir da obra Capitalismo, Socialismo e Democracia, do grande economista austríaco Joseph Schumpeter, publicada pela primeira vez na década de 1940. Essencialmente, “destruição criativa” é o processo de contínua inovação que funciona como motor da economia de mercado. A substituição da máquina de escrever pelo computador é um típico exemplo de destruição criativa. As empresas que permaneceram atreladas ao mundo da datilografia desapareceram. Aquelas que promoveram a revolução das tecnologias da informação (TIs) floresceram. Como bem aponta Schumpeter, a destruição criativa faz com que a economia esteja sempre numa espécie de “caos evolutivo”. Nele, os vencedores são os que conseguem liderar essa dinâmica de constante inovação. De acordo com a lógica da destruição criativa, apenas os inovadores sobrevivem.
Cite algum exemplo de case/empresa que seja marcante nessa era de destruição criativa?
Troyjo – As empresas que estão gerando novas patentes no chamado “setor quaternário” (em áreas como biotecnologia, nanotecnologia, novos materiais, TIs) são bons exemplos de destruição criativa. Globalmente, nomes como Siemens, GE, Google, Facebook, Apple, Natura, são bons representantes dessa classe de companhia que fazem da criação de novos paradigmas parte central de seu DNA empresarial.
Como esse conceito afeta os negócios hoje em dia?
Troyjo – Em grande medida. As empresas mais inovadoras sabem que apenas com choques de destruição criativa novos valores são gerados. Para isso, essas empresas combinam o que poderíamos chamar de “os quatro elementos constitutivos” da destruição criativa. São eles: o capital, o conhecimento, o empreendedorismo e o estabelecimento de ambientes de trabalho conducentes à inovação. Aquelas empresas que não adotam essa postura jamais fazem tendência, apenas seguem a tendência lançada por outros – e estes ficam com os maiores lucros.
Qual a importância da inovação nesse cenário?
Troyjo – Ela é central. Aliás, podemos argumentar que há basicamente dois tipos de inovação: destruição criativa, que já descrevemos, e adaptação criativa. Esta significa fazer o mesmo que o líder está fazendo, mas com inovação nos custos de trabalho, logística, velocidade e, portanto, na relação custo-benefício final. O que as empresas sul-coreanas têm conseguido realizar em setores como televisores, smartphones ou automóveis são típicos exemplos de inovação por adaptação criativa. O problema é que muitas empresas acabam por acomodar-se à fase de adaptação criativa e deixam de lado a “inovação de ruptura”. Apenas “adaptar-se” é um caminho seguro para a obsolescência e a perda de competitividade.
Quais desafios a destruição criativa impõe às instituições? Como conciliar essa “destruição” à necessidade de planejamento intrínseca a qualquer negócio?
Troyjo – Ao contrário do que possa parecer, o conceito de destruição criativa demanda muito planejamento. Em especial o estabelecimento de práticas de planejamento estratégico – o que, por seu turno, orientará o desenho do planejamento orçamentário. A empresa terá de direcionar recursos importantes para P&D (pesquisa e desenvolvimento) para contratar, reter e aperfeiçoar gente de talento. O elemento mais determinante da inovação é o capital humano e, no limite, a grande competição empresarial do século 21 nada mais é do que a disputa por esse escasso recurso econômico chamado talento.
O senhor acredita que as empresas brasileiras estão preparadas para enfrentar essa era?
Troyjo – As empresas brasileiras, assim como a sociedade brasileira, são mais criativas do que inovadoras. Ser criativo é ter novas ideias. Ser inovador é fazer coisas novas. Além disso, o peso do governo na economia é asfixiante para as empresas brasileiras. Elas perdem tempo e recursos com burocracia e regras tributárias e trabalhistas que seriam mais bem investidos na busca da inovação.
Se a criatividade é o principal motor das inovações, como é possível estimulá-la entre os colaboradores?
Troyjo – A criatividade, sem dúvida, é fundamental e a valorização daqueles que se destacam para além apenas do cumprimento das tarefas recebidas tem de pautar a atitude das lideranças em relação às suas equipes. O exemplo é mais forte quando vem de cima. Outros fatores além da criatividade são, porém, muito importantes. Ter acesso a linhas de crédito ou de capital do tipo “start-up” para financiar o caminho até a inovação constitui um diferencial. Operacionalizar uma área jurídica de propriedade intelectual também é um passo importante.
Qual seu conselho hoje para o pequeno empreendedor que deseja iniciar um negócio do zero?
Troyjo – Perseverança, resiliência. Acostumar-se com um quotidiano de vitórias e derrotas cujo resultado final só se mede em longo prazo. Acho que, como regra, poderíamos dizer que todos os empresários de sucesso que começaram do zero colecionaram também alguns fracassos. Saber que a lógica da inovação por destruição criativa é como uma onda. É melhor surfá-la do que ser derrubado por ela. Ter sempre presente que capital, conhecimento e ambição saudável caminham juntos. Daí, é necessário nunca parar de poupar, estudar e empreender.
Qual a sua aposta para o futuro da economia brasileira?
Troyjo – Hoje estamos numa encruzilhada. Perdemos muito tempo. O Brasil está numa posição muito delicada, por viver a armadilha da renda média. Ele é muito caro em custos de produção para competir com os países mais pobres e, por outro lado, não tem a eficiência para competir com os países mais ricos. Desperdiçou estes últimos 10 anos, estes bons ventos internacionais que sopravam, particularmente este apetite gigantesco chinês por commodities. Teriam sido necessários investimentos em ciência, tecnologia, inovação e educação, que são os elementos que geram produtividade. O país não fez reformas necessárias, como a trabalhista e a fiscal. É como se houvesse uma camisa de força. A gente tem muita dificuldade de competir neste mundo e isso está se refletindo nas taxas de crescimento. Teria sido muito mais fácil implantar as reformas necessárias em um momento de crescimento global do que num período de crise. No futebol, é dito que não se mexe em time que está ganhando. Na economia global é exatamente o contrário. Quando se está com uma “puxada boa”, é que fica mais fácil mudar.
O Brasil deve repensar sua inserção global. O mundo não fará isso, é o País que precisa fazê-lo, saber o que quer do mundo. O País não faz um bom diagnóstico e, assim, não consegue se inserir de forma significativa. As importações e exportações brasileiras não chegam a 20% do PIB, e o país não tem acordos de livre comércio com os principais mercados do mundo. Além de um problema comercial, é um problema de integração econômica, pois o Brasil se torna um ponto de interrupção logística. Com isso, os investimentos vão para outros lugares. O Brasil absorve investimentos estrangeiros diretos, mas não está na elite de competitividade global. Permanecemos como país de extraordinário potencial, é claro, mas precisamos do que chamo de “Grande Estratégia”. Esta é a nossa mais imediata tarefa: recolocar o Brasil num rumo estratégico para tornar-se uma das nações mais dinâmicas do século 21.