Nas mãos de Deus e dos cartolas

Antes de terminar o ano,  o instituto médico legal da Argentina divulgou o laudo da causa da morte do craque Maradona. Confirmou  que ocorreu uma parada cardiorespiratória, sem uso de nenhuma droga ilícita,  dia 25 de novembro, dia da sua morte. Mas o instituto fez uma descrição emblemática e definitiva: o seu coração no momento pesava o dobro.

Se isso pode signficar que ele teve um grande coração, cheio de paixão ao seu jeito pela vida e em especial pelo futebol, também mostra o descuido, o abandono de quem deveria cuidar dele e fazer a medicação correta e também dos cartolas. Se isso fosse feito ele estaria vivo hoje.

Desde que despontou nos campos de futebol pelo mundo afora até a sua morte, no ano mortífero da pandemia, Maradona sempre esteve de um lado com a mão de Deus e de outro com a mão dos cartolas.  Nos próximos anos e talvez para sempre, os cartolas aqui na terra vão agarrar sua mão e sugar ao máximo seu talento, sua vida,  em diferentes negócios. Mas no momento que ele mais precisou não teve nenhum cartola do seu lado.

Foi a mão de Deus que tirou ele de uma favela no  subúrbio de Buenos Aires e o colocou dentro de um campo de futebol. Com apenas 16 anos se tornou profissional no time Argentinos Junior e ai começou uma trajetória que passou pelo poderoso Boca Junior, seleção argentina , Napoli e Barcelona.

Os cartolas logo grudaram numa de suas mãos. Não foi a toa que o craque bateu dois recordes de valor de transferência. O primeiro foi na sua transferência do Boca Junior para o Barcelona, em 1982, pelo valor recorde na época de US$ 4 milhões. O segundo recorde ocorreu dois anos depois, quando ele foi para o Napoli pelo valor recorde na época de R$ 6 milhões.

A mão de Deus voltou aparecer no lado de Maradona no jogo da Argentina  contra a Inglaterra, na Copa do Mundo, em 1986.  Uma mão em forma de soco para o alto, como se já comemorasse o gol que ainda não tinha acontecido. É esse soco na ponta do braço, como se fosse a sua cabeça,   que o craque Maradona  marcou o gol. O juiz não viu nada, só ouviu a comemoração.  O gol valeu e essa obra divina do futebol foi consagrada  muito antes do atual domínio do war.  Já logo depois do jogo , Maradona passou a dar explicação desse gol histórico.

– O gol foi de mão.

– Foi de mão. Mas a mão não foi a minha. Essa mão foi a de Deus.

Ao dar essa explicação, Diego como era mais conhecido, passou a ser venerado como um verdadeiro Deus na Argentina. Um Deus humano, muitas vezes torto, controvertido , polêmico, mas sempre Maradona, intenso, típico argentino. Na política correu pela direta e pela esquerda.  Abraçou, elogiou  ditadores. Conviveu com progressistas políticos.

Aos 37 anos encerrou sua carreira de jogador. Entrou em definitivo pelo túnel escuro e sem volta das drogas, das bebidas. No submundo que Maradona passou a jogar, os cartolas o controlavam de longe. Em 2008 forçaram ele a topar ser técnico da seleção argentina, mesmo sem preparo para essa árdua tarefa. Não deu certo. Foi lamentável.

Diego Maradona  sempre foi uma pessoa e um jogador complexo multifacetado.  Com apenas 1 metro e 50 cm,   só com a sua genialidade que conseguiu se superar nas quatro linhas dos gramados pelo mudo afora. Ele fez da sua perna pequena esquerda uma varinha mágica: colocava, escondia  a bola no seu pé.  Jogava a bola numa distância com cálculo milimétrico. Em pouco tempo estava no poderoso River Plate onde ele tornou esse time ainda mais poderoso com inúmeros títulos nacional e internacional. Com o Napoli conquistou o primeiro titulo nacional para esse time. No mesmo jogo do soco, da Argentina contra a Inglaterra, Maradona talvez o fez o gol mais bonito de todas as copas do mundo. Ele simplesmente driblou quase todo o time e ficou  de frente do goleiro para marcar.

Nos últimos dias de vida de Maradona os cartolas não estavam por perto.  Depois de uma cirurgia delicada na cabeça, foi liberado para ir para casa. Sem assistência médica por mais de uma dia, morreu.

Não importa o que Maradona fez com a vida dele. O que importa o que ele fez para a vida de tantas pessoas, especialmente para os argentinos. É impossível medir, qualificar a alegria que proporcionou dentro de campo para milhares de pessoas durante toda a sua vida.

Deus certamente recebeu Maradona no céu e está pelo menos com uma mão dele no seu colo de proteção. Do alto da sua humildade, Deus já na entrada de Maradona no céu deve ter confessado para o craque:

– Aquele gol de soco eu não conseguiria fazer, sem ser percebido.

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