Um homem corre pelas ruas de Manaus. Carrega nas costas um cilindro de oxigênio. Ele precisa chegar com urgência no hospital. Por segundos, menos que um minuto, esse homem vai salvar uma vida.
O que esse homem enxerga ao entrar no hospital é apavorante, desalentador. ”Eu vi o terror diante dos meus olhos”, testemunhou. Viu médicos e enfermeiros atônitos, muitos deles com lágrimas no rosto, todos impotentes para cumprir a missão de cada um deles: salvar pacientes. Por falta do insumo básico, o oxigênio, na UTI (Unidade Tratamento Intensivo) e mesmo pelos corredores do hospital, perdiam vidas, uma depois de outra. Na porta da UTI poderia estar uma placa com uma indicação mais exata: Unidade de Asfixia.
A imagem desse homem no hospital é emblemática e ficará marcada para sempre nos registros dos imensos abismos sociais abertos no Brasil durante a pandemia do coronavírus.
No início de 2020, aos primeiros sinais da tragédia humana que seria a pandemia no Brasil, era possível constatar, conhecer, verificar e quantificar a estrutura de saúde de cada região brasileira. A Lifes Hub, uma startup sediada em Florianópolis, que detém o maior big data, banco de dados e informações da saúde no Brasil, apontava o Amazonas como o estado brasileiro com a menor relação entre o número de habitantes e estabelecimentos médicos (hospitais públicos e privados, clínicas, laboratórios e unidades de atendimento). Enquanto Santa Catarina registrava a melhor relação entre saúde e habitantes no país, de 2,50, Amazonas apontava apenas 0,59.
No dia 21 de março de 2020 morreu a primeira pessoa no Amazonas, um homem de apenas 49 anos. Desde essa primeira morte até o início de 2021, Amazonas continuava com apenas uma UTI em Manaus para atender todo o estado. Só com este simples diagnóstico das autoridades do estado e do Ministério da Saúde seria possível prever o desastre humano que iria ocorrer em Manaus em pouco tempo.
Assim, já no início de 2021 o estado do Amazonas registrava mais de 7 mil mortes e uma perda de vidas diária de até 200 pessoas. Isso representa 6 vezes mais o número de mortes no estado antes da pandemia, o que obrigou enterros em valas comuns.
O homem que correu para o hospital em Manaus, passou primeiro pela porta de entrada da maior floresta tropical do planeta, a Floresta Amazônica, um imenso pulmão de ar puro. Entrou no hospital e arrastou pelo corredor o cilindro de oxigênio. Como disse ele do alto da sua fé, arrastou a sua própria cruz, como se aquele cilindro de oxigênio fosse a cruz de Jesus Cristo. Chegou até o leito da unidade 152, da Fundação de Medicina Tropical. Ele mesmo instalou a bomba de gás no jovem, internado ali há 3 dias, que em segundos iria morrer por falta de oxigênio.
O promotor público e pai Públio Bessa, no dia 14 de janeiro de 2021, com as suas próprias mãos, salvou, deu uma nova vida, ao próprio filho.