A paixão de vir a ser dono de sua própria empresa, o sonho de dar certo e ser reconhecido por isto, a esperança de uma vida melhor, a crença nesta possibilidade, ou mesmo a angústia de sair de uma situação desfavorável, tudo isto, representa o lado vermelho da força, que impulsiona a pessoa a agir na direção de montar a sua microempresa. Esta é uma energia quente. É a força da subjetividade em movimento. Ela quer resolver um problema, ou seja, o problema de quem quer abrir o negócio.
De outro lado, o mercado, o público, as tendências, a concorrência, o acesso ao capital (necessário e suficiente) e o cálculo preciso da viabilidade econômica e financeira da ideia de negócio, tudo isto, representa o lado azul da força. Esta é uma energia fria. É a objetividade concreta, realista.
O lado vermelho da força é conduzido pela emoção. O lado azul é identificado e articulado pela razão, pelo pensamento.
Deixe-me dar dois exemplos concretos. Numa terça-feira de sol radiante, já perto do meio-dia, atendi a Ana Júlia. Uma mulher delicada, de fala suave, cabelos pretos bem cortados, que estava trajando um vestido elegantérrimo de peça única na cor verde escuro. Ao sentar-se para iniciarmos a conversa, percebi seus olhos pretos carregados de angústia e esperança. Ela relatou-me que era professora de piano.
Graduou-se no Brasil, especializou-se no exterior, fez mestrado, deu aula como professora substituta por quatro anos em uma universidade e agora dava aulas particulares, em casa. Sua angústia: tinha apenas três alunos que lhe rendiam a quantia de 900 reais por mês. Sua esperança: abrir uma microempresa, alugar uma sala em um local que tivesse visibilidade e pudesse atrair alunos em quantidade suficiente para lotar sua agenda e ela poder viver dignamente como professora de piano, que era, afinal, o que amava fazer. Sua consulta: seria possível realizar este sonho? Francamente, fiquei comovido.
A Ana estava sendo conduzida pelo lado vermelho da força, centrada na esperança e na crença de seu trabalho e talento como professora. O desejo de resolver o seu problema era tão intenso que cegou completamente o lado azul da força empreendedora, necessária quando se abre um negócio. Coube a mim revelá-lo.
Com o maior cuidado, como quem evita quebrar uma peça rara de cristal, mos trei a ela na tela do computador, os resultados de uma pesquisa feita pelo SESC (Serviço Social do Comércio), entre agosto e setembro de 2013 e publicada em abril de 2014, que examina os hábitos culturais dos brasileiros. O referido estudo, batizado de “Públicos Culturais”, revela que:
apenas 7% dos entrevistados realizam algum tipo de atividade cultural no seu tempo livre no fim de semana.
26% dos entrevistados não gostam ou nunca foram a uma exposição.
28% não sabem o gênero de peça favorito ou nunca assistiram a um espetáculo.
34% dos entrevistados não gostam de nenhum tipo de leitura.
39% preferem filmes de ação a outros gêneros.
40% têm o sertanejo como gênero musical preferido.
58% não leram nenhum livro nos últimos seis meses.
70% nunca foram a uma exposição de fotografia.
71% nunca estiveram em exposições de pintura, escultura e outras artes em museus ou em outros locais.
75% nunca foram a espetáculos de dança ou balé no teatro.
E, 89% nunca foram a um concerto de ópera ou música clássica em sala de espetáculo e 83% em qualquer outro local.
A Ana Júlia ficou pasma, como eu também fiquei a primeira vez que tive acesso a estas informações. Então avancei um pouco mais e disse a ela que mostraria o impacto desta realidade objetiva, ou seja, o lado azul da força, no negócio que ela pretende abrir.
Considerando que ela pretendesse ter uma receita de R$ 10 mil/mês (o que era muito pouco para qualquer empresa), considerando o valor de R$ 300/mensalidade, ela teria que conquistar 34 clientes/mês. Considerando que o índice de conversão (a transformação de um cliente potencial num cliente real) varia de 3% a 6% na maioria dos negócios, ela teria que garantir que sua propaganda fosse vista todo mês por pelo menos 700 pessoas que tivesse desejo/sonho/recurso para aprender a tocar piano.
Diante dos números da pesquisa ela mesma ponderou que, provavelmente, o índice de conversão deveria ficar em torno de 1%, o que significava tentar seduzir 3,4 mil pessoas. Considerando que a população da cidade não passa de 420 mil habitantes e, considerando o segmento acima de 16 anos, temos 210 mil pessoas. Aplicando-se o percentual de 10% de pessoas que supostamente têm afinidade com música clássica, como mostrada no referido estudo, temos um suposto tamanho de mercado de 21 mil pessoas.
Tirando deste mercado um percentual de 10% de pessoas com desejo/sonho/recurso para aprender a tocar piano chegamos a um público-alvo de 2,1 mil pessoas. Este número, como a própria Ana Júlia constatou, não é suficiente para seduzir as 3,4 mil pessoas e conquistar os 34 clientes/mês. Chocada, ela comentou: “Devo então intensificar meus estudos para passar em concurso público?”. Eu completei: é uma opção a ser considerada.
Veja, você tem uma solução (talento para dar aulas de piano), mas não tem um problema no mercado para ser resolvido (pessoas com necessidade/desejo de aprender a tocar piano em número suficiente para sustentar a sua futura microempresa – talvez a opção fosse se estabelecer numa cidade muito maior…). A Ana Júlia foi embora desapontada, mas consciente, pois evitou fazer um movimento em vão que possivelmente lhe deixaria endividada.
O lado vermelho da força empreendedora por si só não basta. Ela sozinha atua no vazio. Não tem eco. Por mais criativa que seja a pessoa, esforçada, persistente, entusiasmada, heroica, ela não vencerá, se não se encaixar de maneira complementar com o lado azul da força.
Na quinta-feira da mesma semana, atendi um casal de namorados. Ela era alta, por volta de 35 anos, tinha uma coluna super-reta, sorriso largo e olhos pretos faiscando de vontade de viver. Ele tinha cabelos pretos desalinhados, barba rala, ombros levemente arcados e olhos verdes. Vieram em busca de uma orientação técnica, pois queriam abrir uma empresa de eventos focada em formatura de universitários.
Trabalhavam na área há mais de 10 anos e perceberam que as empresas atuais, inclusive a empresa onde trabalhavam, já não davam mais conta de tanta demanda. Fiz o mesmo raciocínio com eles e descobrimos que o Censo da educação de 2011 registrou, pela primeira vez na história de nosso País, que o Brasil formou mais de 1 milhão de universitários em um ano e estava com uma tendência de crescimento.
Neste segundo caso, temos, de um lado, alguém com experiência, habilidade e entusiasmo. E de outro lado, um problema (oportunidade) claro de um mercado grande e em crescimento para ser resolvido. Aqui o lado vermelho da força se encaixa com o lado azul da força. A possibilidade de êxito é grande, mesmo que os empreendedores não sejam tão talentosos, como talentosa era a Ana Júlia.
Perceber e saber lidar com os dois lados da força empreendedora, o vermelho e o azul, é necessário, pois este equilíbrio é que refletirá na conta bancária. Ou se está no vermelho ou se está no azul. Pense nisso e, depois, pense grande.