‘Organizar a casa’ pode determinar sobrevivência de empresas durante a pandemia

A Governança Corporativa representa a alta administração das empresas, onde os sócios tomam as principais decisões, definem as diretrizes e objetivos estratégicos e controlam sua atividade e sua performance, sendo deste modo constantemente ligada ao desempenho, à performance diferenciada e ao valor que agrega às companhias.

Contudo, na maior parte das empresas, a atuação dos sócios não é formalizada. As regras que guiam o papel de cada um não estão escritas em nenhum lugar, salvo alguns pontos presentes no Contrato ou Estatuto Social da empresa.

Existem, de fato, acordos tácitos, que são construídos ao longo da vivência no comando da empresa. O que e como um sócio quer, o que e como o outro sócio aceita e assim vai se compondo o jeito de administrar de uma empresa, de forma caseira e informal.

Não raro, os sócios loteiam a empresa, cada um assumindo para si a área e os processos mais alinhados à sua vocação ou formação, sem que haja uma integração de decisões e atividades, como se essas áreas fossem empresas distintas, representando na realidade a defesa da propriedade de um território. Desta forma fica criado um ambiente que impede a empresa de se enxergar por inteiro.

O instrumento que possibilita a formalização da relação entre sócios é o Acordo Societário. Um documento que rege todos os pontos mais relevantes do funcionamento da sociedade e da administração da empresa.

O Acordo abrange temas ligados ao exercício do poder de decisão dos sócios sobre as estruturas, papéis e responsabilidades da administração, servindo de base para a definição de políticas de alçadas, iniciando-se na sociedade e sendo cascateada para os demais cargos da administração.

O principal foco de atuação da governança corporativa deve ser atender à coletividade, ou seja, o que é melhor para a sociedade e, por consequência, o que é melhor para o negócio, buscando definir os melhores caminhos para a empresa, os resultados esperados e os riscos aceitáveis para cada sociedade.

Podem existir alguns agravantes em empresas que não têm sua governança estruturada. Em um cenário como este atual, é muito natural que a pressão sobre os donos do negócio seja potencializada, inclusive evidenciando a falta de alinhamento entre eles. Isto traz aos colaboradores uma sensação de nau sem rumo no meio de uma tempestade, cujos comandantes não conseguem decidir claramente entre acelerar ou reduzir a velocidade, virar a bombordo ou estibordo.

Muito mais do que um documento arquivado na sede da empresa, deve ser um balizador das ações dos sócios e dos administradores, ganhando relevância em situações de conflitos entre sócios, ou mesmo, como estamos vivendo atualmente, diante desta crise sem precedentes, com efeitos e prazo de duração ainda desconhecidos.

 No mundo da COVID-19, uma estrutura de administração profissional e alinhada pode fazer toda a diferença para sobrevivência de uma empresa, pois já deverá ter começado a avaliar riscos, impactos, possibilidades de soluções e caminhos para resistir a este mal, que transcende a saúde, bate de frente com a economia, com os ambientes empresariais e que englobará toda a sociedade nos sintomas e impactos a que estamos expostos.

Os sócios, os conselheiros, caso a empresa tenha um Conselho de Administração, e os principais executivos devem estar totalmente voltados para discussões de sobrevivência. Não há tema mais importante neste momento.

Exatamente por isso, os profissionais que atuam em posições chave precisam receber sinais claros do alinhamento da sociedade nas diretrizes, por meio das decisões sob as quais irão atuar. Estes sinais e esta forma de decidir e atuar, por parte dos sócios, dá aos profissionais mais segurança de como enfrentar situações de alto risco e sérios impactos na empresa.

Uma decisão, por mais dura que seja, se tomada dentro de regras formais e conhecidas, resultante de um ambiente de discussões respeitosas e produtivas, focando na sobrevivência da empresa, alimenta o grupo de executivos com a necessária autoconfiança para enfrentar uma guerra, para as negociações duras que virão, para os grandes movimentos que deverão promover a necessária proteção às finanças da empresa, para manter os demais colaboradores incluídos e motivados para viver estes momentos difíceis.

Por outro lado, diante deste cenário, se os sócios estão desamparados de regras de funcionamento da sua própria sociedade, as questões emocionais podem sobrepor-se aos aspectos racionais demandados, as deliberações poderão ser desalinhadas ou desconectadas, trazendo uma atuação de tentativa e erro que, seguramente, elevará o risco de perdas profundas.

Definir e formalizar regras, começando pela própria relação societária e escalonando toda a estrutura da organização, com uma comunicação clara e fazendo que seja cumprida, reflete a base onde é implantada a profissionalização de qualquer empresa, de qualquer tamanho ou mercado de atuação.

*Luiz Marcatti é presidente da MESA Corporate Governance e membro de Conselhos de Administração.

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