Avesso a dar entrevista para jornalista, discreto e sempre elegante, Jorge Paulo Lemann que começou sua vida de empreendedor no início dos anos 1970 aos gritos de “compro” ou “vendo” ações de empresas brasileiras no pregão da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, completa nesta segunda-feira 80 anos. Ainda ativo, atento aos seus inúmeros negócios, entre eles a maior cervejaria do mundo (AB InBev). Pode ser considerado o maior empreendedor brasileiro das últimas décadas e hoje está entre os homens mais ricos do país (uma fortuna avaliada em 22,7 bilhões de dólares), com um grande diferencial e mérito: jamais se envolveu em qualquer tipo de corrupção, a exemplo da Lava Jato.
Ele afirma, nos poucos eventos públicos que aparece, sempre de forma modesta, que para entender seu sucesso no mundo dos negócios é preciso examinar os altos e baixos de uma carreira, nem sempre linear. Isso inclui desde os tempos em que ainda surfava nas ondas do Arpoador, no Rio de Janeiro, a trajetória ascendente no tênis nacional e – principalmente – sua estreia no mercado financeiro. “A vida não é uma linha reta”, diz, desdenhando de fórmulas excessivamente acadêmicas. “Às vezes é preciso errar para acertar mais adiante”, observa.
O certo é que alguns fatos que ilustram a trajetória de Lemann já se tornaram lugar comum, mas por si só não explicam os grandes acertos de sua carreira, como a sua decantada fortuna. Quem o conhece, garante que ele cultiva hábitos simples. Vive com a família na Suíça, nos arredores de Zurique. Ele se mudou para lá com a esposa Susanna, depois que o carro que levava seus três filhos mais novos (é pai de seis filhos) foi alvejado de tiros em 1999, em São Paulo. A tentativa de sequestro das crianças Marc, Lara e Kin foi impedida pela blindagem do Passat que os levava e pelo treinamento em direção defensiva feito pelo motorista da família.
O SUCESSO
O impulso necessário para construir seu império veio depois de uma operação de sucesso no mercado financeiro, que resultou na criação do Banco Garantia, no início da década de 1970. Foi com a criação desse banco que Lemann viria a conhecer seus futuros sócios e pilares na administração do império, os empresários Marcel Hermann Telles e Carlos Alberto Sicupira. Menos de 20 anos depois, e após uma série de operações de sucesso no mercado nacional, o consolidado Banco Garantia reúne o aporte necessário para o nascimento da afamada cervejaria Ambev, após comprar de ações, na Bolsa de Valores do Rio, das duas maiores cervejarias do Brasil, a Brahma e a Antarctica, e reuni-las em uma só bandeira. Depois da consolidação da Ambev, viria a fusão com a cervejaria belga Interbrew e posteriormente com a Anheuser-Busch, o que originou a hoje toda poderosa AB InBev.
A ascensão de Lemann continuou firme nos anos 2000, com a criação do fundo de investimentos 3G capital, que através de uma parceria mais que estratégica com o mega investidor americano Warren Buffett, passou a controlar marcas como a Kraft Heinz e a rede Burger King.
Segundo Lemann, o segredo do êxito de suas empresas sempre esteve no fator humano e nas oportunidades que criou para que os talentos viessem à tona. Foi assim que no grande momento da Ambev, por exemplo, cerca de 100 mil pessoas se candidatavam a uma das 40 vagas anuais para trainee na empresa.
FRACASSOS
Mas o que parecia um mar de almirante na vida de Lemann, Telles e Sicupira transformou-se no início deste ano em um maremoto, que sacudiu os investimentos da 3G e acarretou perdas generalizadas nas ações das empresas controladas pelo fundo. A Kraft Heinz viu suas ações desvalorizarem em 30% após o sócio Warren Buffet admitir um prejuízo de US$ 15 bilhões em sua companhia, a Berkshire Hathaway, com a rápida desvalorização das tradicionais marcas de alimento. Por outro lado, a AB InBev também registrou uma queda de 14,7% no lucro líquido em 2018 e uma queda nas ações, que nem mesmo um lucro líquido de R$ 3,4 bilhões no último trimestre do ano foram capaz de segurar. Estima-se que em um ano, as empresas controladas pela 3G – Kraft Heinz, Burger King e AB InBev – perderam quase 30% do valor de mercado em um ano.
No centro dessa crise, a concorrência de grandes varejistas como a Amazon e Walmart influenciaram na queda de lucratividade, devido a uma guerra de preços. Mas não foi só isso. Ao que tudo indica, os consumidores estão migrando para um novo tipo de atitude, que inclui produtos mais naturais e orgânicos.
REINVENÇÃO
O susto fez com que Lemann e seus sócios admitissem o fracasso na tentativa de igualar o sucesso que obtiveram no mercado de cervejas anos atrás. Segundo Jorge Paulo Lemann, trata-se agora de se reinventar mais uma vez e entender o que pensa o novo consumidor. Enquanto busca entender o que aconteceu, Lemann tratou de fazer os mesmos caminhos que o levaram ao sucesso anos atrás, ou seja, aprender com quem sabe. Para isso viajou para a China e países onde a inovação faz parte do cardápio empresarial, e está cada vez mais propenso a investir em tecnologia e startups.
O pontapé inicial já foi dado, com o aporte de R$ 1 bilhão em empresas como a Movile (Ifood, 99 Taxis), Brex (cartão de crédito) e Stone (máquina de cartão de crédito). Em suas palestras, Lemann costuma afirmar que hoje se considera um “dinossauro”, dado a rapidez com que se transforma o mercado. Mas ao menos tempo, brinca que se considera um “dinossauro em movimento”, que abandonou a imobilidade que a mudança brusca causa no primeiro momento.
Em meio às turbulências que sacudiram os investimentos da 3G, os problemas estruturais do Brasil também estão no centro das ações do bilionário. Através da atuação de seus dois institutos, a Fundação Estudar – criada em 1991 – e a Fundação Lemann, de 2002, Lemann aposta em educação de jovens, gestão pública e começa a colocar os pés na política.
Nas recentes eleições brasileiras, pelo menos cinco jovens deputados passaram pelas instituições do empresário, constituindo a chamada “Bancada Lemann”. São eles: Tabata Amaral (PDT-SP), Tiago Mitraud (Novo-MG), Daniel José (Novos), Renan Ferrerinha (PSB-RJ) e Felipe Rigoni (PSB- ES). Entre esses novos políticos, no entanto, não há uma linha ideológica fixa, embora temas como educação e participação popular sejam estimulados e uma prévia inflexão liberal seja a tônica. Entre os programas mantidos pela Fundação Lemann estão o apoio a bolsas de estudos em instituições de educação inglesas e norte-americanas. Embora se defina como apartidário, o braço político de Lemann atua na chamada centro-direita, em partidos que vão do Novo ao PDT, e de alguma maneira tiveram atuação nos recentes abalos sísmicos que sacudiram a política brasileira.
Ao completar 80 anos, Paulo Lemann está muito vivo e com muito vigor para enfrentar novos desafios nos negócios e também na política brasileira. Para aproveitar a data, um jornalista poderia perguntar a ele se não pensa em se aposentar, já que o europeu pode se aposentar aos 60 anos e o brasileiro já se aposenta por idade aos 65 anos. Ele certamente não daria nenhuma resposta ao jornalista, mas pensaria mais o menos assim: “que horror, não penso isso para mim”.
LINHA DO TEMPO
1939
Jorge Paulo Lemann nasce no Rio de Janeiro, filho de Paulo Lemann, imigrante suíço que transferiu-se ao Brasil para investir no segmento de queijos e laticínios.
1946
Começa a jogar tênis, esporte que o levaria ao título juvenil nacional, aos 17 anos.
1953
Morte do pai, atingido por um bonde no bairro de Botafogo.
1956
Destaca-se nos estudos, na Escola Americana do Rio de Janeiro. Ingressa no curso de economia na concorrida e elitista Harvard University.
1959
Formado em Harvard, escolhe morar em Genebra e trabalhar na Credit Suisse.
1960
Volta ao tênis e aposta em uma carreira profissional que iria durar menos de dois anos.
1963
Aos 24 anos, retorna ao Brasil e vai trabalhar na Invesco, empresa de concessão de crédito. Elabora uma bolsa de valores paralela, vendendo papéis fora do horário de pregão, e obtém grande sucesso.
1966
Aos 27 anos, vê a Invesco falir. Passa a trabalhar em outra corretora e obtém novo sucesso.
1971
Com 200 mil dólares em mãos, associa-se a novos investidores e passa a colocar em prática um novo modelo de gestão na modesta corretora de valores que adquiriu, chamada Garantia.
1972
Estoura a bolha na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro e Lemann amarga um prejuízo substancial. Adota o modelo de gestão do banco Goldmann Sachs, com cortes de pessoal, trabalho focado em resultados, participação em lucros e bônus semestrais.
1973
Entram no negócio aqueles que iriam se tornar sócios e gestores dos futuros empreendimentos de Lemann: Marcel Herrmann Telles e Carlos Alberto Sicupira.
1983
Banco Garantia adquire Lojas Americanas, tornando-se o primeiro banco a entrar no ramo do varejo, apostando em uma empresa inchada e obsoleta. São demitidos 40% dos funcionários e adotada uma política de bônus mais agressiva. Alberto Sicupira viaja aos EUA para aprender com Sam Walton, da Wall-Mart, os segredos da grande rede de varejo e implementar no Brasil.
1989
Banco Garantia adquire a cervejaria Brahma, por US$ 60 milhões. Marcel Herrmann Telles toma a frente do negócio, demite 10% do pessoal e corta bonificações de altos executivos. Dois anos depois, a Brahma foi eleita empresa do ano.
1994
Banco Garantia atinge R$ 1 bilhão de lucro líquido. Lemann sofre ataque cardíaco e se afasta do banco por um período.
1997
Crise asiática afeta o Garantia e o banco é vendido para o Credit Suisse, por US$ 675 milhões.
1999
Compra da cervejaria paulista Antarctica e fusão com a Brahma. Surge a gigante Ambev.
2004
Fusão com a cervejaria belga Interbrew, dona da marca Stella Airtois. Criada a InBev. No mesmo ano Lemann, Telles e Sicupira criam o fundo 3G Capital, que investiu parte do patrimônio dos sócios em grandes empresas norte-americanas como o Burger King e Kraft Heinz.
2008
InBev compra a maior cervejaria do mundo, a Anheuser Busch, criando a AB InBev, mais valiosa empresa da América Latina.
2012
Lemann deixa a frente de suas empresas e passa a se dedicar a projetos educacionais, a Fundação Estudar e a Fundação Lemann.
2019
Crise nas empresas controladas pela 3G Capital sacode a administração do fundo e traz Lemann novamente para a linha de frente.
10 ENSINAMENTOS DE LEMANN
1. “Um grande, desafiador e compartilhado sonho é essencial e ajuda todos a trabalhar na mesma direção.”
2. “Tenha uma ideia simples e muita vontade. Algumas ferramentas, como boa organização e bom senso, também são muito importante.”
3. “Seja ético sempre.”
4. “Um bom negócio está sempre procurando crescer. Qualquer que seja o grau de sucesso, sempre há espaço para melhorar. Isso assegura a competitividade.”
5. “Foco é essencial no mundo dos negócios.”
6. “Sonhar grande dá o mesmo trabalho que sonhar pequeno. Então, para que sonhar pequeno?”
7. “É preciso correr alguns riscos na vida e o melhor é ir praticando pouco a pouco.”
8. “Dos homens de negócios que conheci, os mais significativos tem a capacidade de enxergar o essencial rapidamente e encontrar um caminho simples para chegar lá.”
9. “Boas pessoas, trabalhando como um time e com objetivos comuns, são os mais importantes e diferenciados ativos de um negócio.”
10. “Não existe resultado sem esforço, sem suor. E quando perde, precisa parar e analisar a razão para tentar melhor na próxima vez.”