Só se cresce no desapego

De acordo com Freud, o ego engloba diversas funções psíquicas, como tolerância, controle, julgamento, planejamento, memória e defesa. O ego organiza o pensamento e serve à razão, mas nem sempre suas operações são conscientes.

Você deve estar se perguntando: pô, mas o que isso tem a ver com empreendedorismo? E eu, de pronto, respondo: tudo e mais um pouco. Conforme ensinava o filósofo grego Sócrates, o homem precisa conhecer a si mesmo se quiser transformar positivamente o mundo ao seu redor.

O ego, no entanto, apresenta-se frequentemente como um enigma. É o que efetivamente somos, mas é ironicamente o que não conhecemos de nós. Um empreendedor costuma ter como principal virtude a capacidade de inventar, ou seja, de imprimir na realidade uma marca pessoal.

Veja o caso de Thomas Edison, que era inventor e homem de negócios. Ele sempre pensou em clareza, em nitidez e em iluminação. Não por acaso, desenvolveu a lâmpada elétrica de longa duração. Isso quer dizer que ele legou ao mundo um símbolo de sua crença.

Outro inventor e homem de negócios era Henry Ford. Interiormente, ele valorizava as ideias de velocidade, organização e prosperidade. Ao empreender, deu forma ao pensamento, constituindo a primeira linha de montagem em série, destinada a fabricar automóveis. Ele botou milhões de veículos nas ruas. Reduzindo preços, popularizou o transporte sobre rodas. O ego é, portanto, fundamental a qualquer processo construtivo na área dos negócios. Quando olhamos para a palavra negócio, aliás, descobrimos a palavra “ego” ali dentro.

Recentemente resolvi escrever uma carta a um estimado colaborador. Meu objetivo era resolver um problema de ego e liderança. Esse rapaz tem talento, bom caráter e conhecimento técnico do ofício, mas ativa com facilidade os mecanismos de defesa do ego. Centraliza o comando para proteger a si próprio e os paradigmas de produção aos quais está apegado. Informei-lhe, então, que compreendia esse tipo de atitude, muitas vezes inconsciente. Costumamos defender com unhas e dentes os modelos que um dia geraram bons resultados. Eu mesmo já fui escravo desse apego.

Minha carta focou outra questão importante ao empreendedorismo e à gestão: o talento para delegar. Em décadas de trabalho, aprendi a conceder autonomias. Permiti que as pessoas experimentassem, que tentassem, que cometessem erros e acertos. E essa foi sempre a melhor maneira de educá-las para o desafio da invenção.

Muitas vezes evitei corrigir procedimentos e alterar rumos. Preferi um pequeno tropeço a aniquilar a confiança da equipe. Eles trombaram aqui, comeram poeira ali, mas emergiram desses insucessos muito mais fortes, muito mais aptos a lidar com a adversidade.

O ego de um líder empreendedor é capaz de constituir planejamento e servir como guia racional da invenção. No entanto, ele também pode atrasar, reduzir, dividir, sabotar e destruir.
Paradoxalmente, um ego não precisa ser egoísta. Ele pode sabiamente abrir mão do “ter”. Ele se habilita, então, a abdicar de posses, vaidades e autoridades. E quando isso ocorre, ele pode se concentrar em sua mais nobre e formidável missão: “ser”.

Ao meu jovem colaborador disse eu que o “ser” é a única saída para a evolução futura. O “ter” nos cega. O “ser” nos revela a realidade em toda sua plenitude. Um líder de verdade, portanto, sabe despertar o que é melhor no “ego” de cada um dos liderados. Ele estimula, educa, motiva e liberta. Ao mesmo tempo, empreende na alma das pessoas, constituindo ali um terreno fértil para o cultivo da responsabilidade e das artes criativas.

Aprimorar essa relação com o ego (com o próprio e com o dos outros) não é tarefa fácil. Exige treinamento, treinamento e mais treinamento. E também uma boa dose de humildade. Empreender é, em resumo, o que faz o ser humano ser mais de si mesmo. Não à toa, empreender com sucesso é o que afaga qualquer ego. Para ter êxito nessa aventura de crescimento, no entanto, é preciso cultivar o desapego. liás, cabe aqui a pergunta: quais são as três mágicas letras que completam essa palavra?

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