Já dizia Lavoisier: “Na natureza nada se perde, tudo se transforma”. Tanto melhor se a transformação reaproveitar matérias orgânicas sem valor comercial para gerar energia e outras matérias-primas com alto valor agregado. Estamos falando da biomassa, uma fonte de energia renovável cujo potencial de crescimento no Brasil é imenso. “Somos um dos países mais ricos em biomassa. Se usássemos o bagaço produzido em um ano pela indústria da cana-de-açúcar para gerar energia, teríamos o equivalente a uma Itaipu”, afirma Gerhard Ett, pesquisador do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), de São Paulo, referência no segmento.
O desafio é tornar mais eficiente os processos de transformação da biomassa, a ponto de viabilizar a produção em escala comercial e, dessa forma, estimular o desenvolvimento de uma cadeia produtiva do segmento. Algumas iniciativas recentes mostram que essas barreiras já foram bem maiores. O próprio IPT anunciou em setembro passado avanços substanciais nas pesquisas de gaseificação da biomassa. Trata-se de um processo de conversão de combustíveis sólidos em gasosos – por exemplo, gaseificar o bagaço da cana-de-açúcar para gerar energia elétrica e combustíveis, além de biopolímeros (plástico verde).
“Nosso objetivo principal não é gerar energia, mas gás de síntese, que pode ser convertido em uma quantidade infinita de produtos como diesel, polímeros, hidrogênio e eletricidade. E ainda tem a vantagem de ser uma matéria-prima ecológica”, explica Ett. O projeto de pesquisa e desenvolvimento do IPT para a gaseificação da biomassa existe há 30 anos e, atualmente, conta com o trabalho de 50 pesquisadores. O instituto anunciou que vai instalar em Piracicaba (SP) uma planta piloto com capacidade para processar 500 quilos de bagaço e de palha de cana-de-açúcar por hora. O Centro de Gaseificação deve entrar em teste em 2016.
Os investimentos no projeto são de R$ 80 milhões. Para os pesquisadores do IPT, eles se justificam na medida em que hoje apenas um quarto da energia contida na cana é aproveitado. O bagaço e a palha ainda são subutilizados e, a partir de 2014, a Lei de Resíduos Sólidos não permitirá mais a prática de queimadas em lavouras de cana-de-açúcar, aumentando muito a quantidade de biomassa disponível – questão que pode gerar um problema para os produtores. A expectativa do IPT é que a tecnologia de gaseificação desenvolvida pelo instituto dobre a produção energética atual sem a necessidade de aumentar a área cultivada.
Biogás
No Paraná, o aproveitamento da biomassa de lavouras de cana-de-açúcar já é realidade. Após dez anos de intensas pesquisas e investimentos de R$ 35 milhões, a GEO Energética desenvolveu um processo biotecnológico para a produção de biogás a partir do reaproveitamento de resíduos da agroindústria. A primeira planta comercial da empresa foi inaugurada no início deste ano no município de Paraíso do Norte, no noroeste do estado. O empreendimento é uma parceria com a Coopcana, cooperativa formada por 127 produtores rurais que mantém uma usina de produção de açúcar e álcool no local. A planta produz 4 MW de energia elétrica, injetada no sistema da Companhia Paranaense de Energia Elétrica (Copel).
Mas esse é só o começo. A meta da GEO é quadruplicar a produção até 2014, e já em 2013 produzir biometano, batizado de GNVerde, um substituto sustentável ao óleo diesel. A proposta é que parte desse gás seja utilizada nos veículos da própria cooperativa. “A receptividade do setor sucroalcooleiro à nossa tecnologia tem sido muito grande. Devemos assinar ainda em 2012 parcerias para a instalação de três novas plantas de 25 a 30 MW cada”, afirma Alessandro Gardemann, diretor-executivo da GEO Energética. A empresa aposta no interesse dos produtores em liberar as áreas atualmente usadas no tratamento de resíduos para o plantio agrícola.
Segundo o executivo, o plano de negócios da empresa projeta a construção de três novas plantas por ano nos próximos cinco anos. “Não vejo nenhuma dificuldade para alcançarmos essa meta porque acreditamos muito na tecnologia que desenvolvemos, e só de cana-de-açúcar temos 400 usinas no Brasil”, argumenta Gardemann. A solução da GEO permite o aumento de escala na produção, um dos grandes desafios da biomassa. A vantagem para a agroindústria é atender às demandas decorrentes do crescimento da população mundial: a geração de energia limpa e o aumento da produção de alimentos.
Pneus carecas
Mas não é só bagaço de cana que está sobrando por aí. Em São Paulo, a Senergen desenvolveu uma tecnologia que transforma quaisquer resíduos orgânicos e inorgânicos em energia limpa e insumos químicos ecológicos. A proposta da empresa é criar um novo ciclo de vida para materiais sem valor de mercado como pneus, lixo, dejetos de animais e resíduos agrícolas. Por enquanto, a Senergen está concentrando suas atividades no processamento de pneus velhos. O processo resulta em matérias-primas nobres para diferentes cadeias produtivas: o negro de fumo, que confere a cor preta aos artigos de borracha, e o limoneno, um óleo utilizado pela indústria de cosméticos e como aromatizantes.
“Nossa tecnologia não destrói nenhuma molécula. Todos os componentes químicos existentes no resíduo ficam intactos. É uma simulação perfeita da mãe Natureza”, destaca Roberto Paschoali, presidente da Senergen. Denominada solução ambiental CBT (Conversão de Baixa Temperatura), a tecnologia já foi patenteada em 35 países e seu processo é livre de gás carbônico e, portanto, não contribui com o efeito estufa. A fábrica da Senergen, inaugurada em Lorena (SP) em setembro deste ano, tem capacidade para processar 20 toneladas de biomassa por dia. A unidade recebeu investimentos de R$ 10 milhões.
O projeto da Senergen prevê o processamento de 100 toneladas por dia até 2014 e 500 toneladas em 2017. “Temos um mercado muito grande para explorar. A velocidade com que o mundo descarta pneus é enorme e a nossa tecnologia é a única que permite ao fabricante chamar seu produto de pneu verde”, afirma Paschoali. Ele adianta que a Senergen está em negociação com vários parceiros, inclusive com uma empresa que recolhe pneus usados nos Estados Unidos e tem interesse em montar uma fábrica naquele país. Também está na prancheta um projeto como uma grande siderúrgica brasileira para produzir carvão siderúrgico.
Segundo Paschoali, o foco principal da Senergen é transformar lixo em lucro. “Estamos mostrando de forma prática e efetiva que é possível produzir energia limpa e renovável, bem como produtos químicos ecológicos, de forma lucrativa, preservando a natureza e a vida no planeta.”