Sobre o 1º de Abril: Não vale à pena empreender no Brasil

Partindo do princípio que você não só acredita, mas também usa o Waze, queria que você fizesse a seguinte reflexão:

Imagine que você encontra uma excelente oportunidade de fazer algo que vai mudar a sua vida. Mas, para agarrar essa oportunidade, você precisa pegar um avião para outra cidade, sendo que o avião decola em 2 horas, e você precisa chegar com uma hora antes ao aeroporto. Neste momento, você olha o Waze e ele indica que o trajeto até lá, que normalmente demora 30 minutos, está com vários problemas: acidentes na via e uma blitz policial que estão causando um enorme engarrafamento. Com isso, o tempo estimado no trânsito é de 2 horas.

Você tentaria pegar o avião?

Leve em consideração que você precisa avisar seu chefe sobre a tentativa, com o risco de perder o emprego, contar para a sua esposa que você ficaria muito ocupado nos próximos meses ou até mesmo anos. Tem mais um ponto: a oportunidade é boa, mas nada garante que ela realmente vai dar certo. E que provavelmente — com certeza no início — você teria que pegar alguns aviões nas mesmas condições.

E aí, você arriscaria?

Poucos empreendedores se dão conta disso, mas quando decidem empreender então pegando um avião exatamente como aquele. Correndo contra o tempo, largando qualquer certeza de sucesso e sem saber se realmente vai dar certo.

A verdade é que abrir um negócio no Brasil é muito arriscado, você vai ter que desafiar a estatística e mostrar que é diferente da maioria. Os números dos empreendimentos brasileiros estão melhorando, mas a taxa de sobrevivência das empresas no Brasil é assustadora, caindo, por exemplo de 77% em 2010 para 39% em 2014 (IBGE).

Os dados traduzem o que vemos na prática: 3 a cada 5 empresas fecham as portas após cinco anos.

No exemplo do aeroporto, você dependeria do motorista do táxi, do guarda da blitz, dos demais motoristas que estão no trajeto e de outros fatores que fogem completamente do seu controle. Uma realidade bem parecida com a de quem empreende.

POR MAIS QUE VOCÊ CONHEÇA DO SEU NEGÓCIO, NUNCA VAI CONSEGUIR IR LONGE SOZINHO.

Às vezes eu ouço pessoas com justificativas para abrir uma empresa que doem o meu coração porque sei que dificilmente o negócio vai durar muito tempo.

Entre tudo que já ouvi, destaco algumas falas que você também já pode ter ouvido:

“Vou abrir o meu negócio porque estou trabalhando muito no meu emprego.” 

Essa é de doer. Dificilmente um empregado trabalha mais que um empreendedor. Não conheço nenhuma pessoa bem-sucedida que não trabalhou muito, principalmente nos primeiros anos de empresa. Empreendedor que trabalha mais de 10 horas não é privilégio do Brasil; nos EUA, a necessidade é a mesma.

Só para exemplificar, recentemente li o livro que fala da história da Amazon: “A Loja de Tudo”, que mostra que Jeff Bezos — fundador da empresa – guardava um saco de dormir enrolado no seu escritório e deixava um travesseiro na janela para caso de precisar passar a noite trabalhando.

Na verdade, vou mais longe. Se você está preocupado com o tanto que trabalha ou ainda vai trabalhar, siga uma sugestão: reveja o que você faz. Normalmente, as pessoas reclamam constantemente que estão trabalhando muito quando não gostam do que fazem. Como falamos nesse artigo,

TRABALHAR 12 HORAS POR DIA NO QUE VOCÊ GOSTA NÃO É CANSATIVO, CANSATIVO É TRABALHAR UMA HORA NO QUE VOCÊ NÃO GOSTA.

“Vou abrir meu negócio porque quero ganhar dinheiro.”

Nesse caso, eu vou fazer duas perguntas:

Você casaria por dinheiro?

E você realmente acha que um casamento onde alguém se interessa apenas pelo dinheiro vai dar certo?

Pode até ser que o dinheiro venha, mas a chance de demorar a chegar é grande. Conheço muitos casos de empreendedores que só ganharam dinheiro no terceiro ou quarto negócio que abriram.

Na Endeavor, temos o exemplo do Mário Chady e do Eduardo Ourivio do Grupo Trigo, que falharam várias vezes antes de ter uma das maiores redes de restaurantes do Brasil.

“O Spoleto é a soma de todos nossos erros e acertos antes dele. Erramos muito no planejamento, na busca de sinergia, na gestão do time e na contratação de pessoas. Erramos em quase tudo o que podíamos ter errado. Mas foi essa a experiência que nos fez dar essa virada para construir algo maior, focado em pessoas, mais planejado e com disciplina, sem obviamente perder uma parte fundamental do nosso DNA que é inovação e a capacidade de botar pra fazer”

“Tenho medo de ser mandado embora ou foi demitido.”

Se o medo faz visitas quando você pensa que pode ser mandado embora, saiba que ele vai ser presença constante quando você começar a empreender. A vida passa a ser uma montanha-russa: você não tem garantia de nada e quando o caixa aperta, normalmente o pró-labore fica para depois.

Empreender não é garantia de estabilidade. Se você quer estabilidade, minha indicação é estudar para um concurso público. Só tome cuidado para não fazer algo que não goste porque nesse caso, além da estabilidade no emprego, você também terá outra estabilidade: a infelicidade.

Se você foi demitido e quer aproveitar a situação para realizar algo que você já queria fazer há muito tempo, como realizar o seu sonho, continue! Porém, se a ideia só surgiu depois da demissão e porque você não está conseguindo nada melhor, não continue.

Aplique o seu dinheiro, procure um emprego, estude para concurso, mas não empreenda. Você pode estar colocando tudo que conseguiu até hoje em risco.

“Quero abrir meu negócio porque não quero ter patrão.”

Se você quer abrir um negócio porque não quer ter patrão é porque nunca teve funcionário. Não é fácil ser líder, não é fácil inspirar as pessoas, pelo simples fato de cada pessoa ter seus objetivos, seus sonhos. E formar um time que pense como você não é do dia para a noite. Normalmente, envolve começar a liderar você mesmo, para então liderar um time e, por fim, a execução da estratégia do seu negócio.

Motivos não faltam para eu garantir que não vale a pena empreender no Brasil. Mas, para o caso você ainda ser persistente com a ideia, destaco mais alguns fatores:

1. Você vai ganhar um sócio majoritário, sem ter escolha: o governo

Quando você abre uma empresa, sempre vai iniciar uma sociedade com o governo que, independentemente do negócio dar certo ou não, vai levar o pedaço dele — já adianto que não será pequeno. Além disso, a burocracia brasileira é um grande entrave para o crescimento de qualquer negócio. Mesmo que não goste, você vai precisar “saber de tudo”: impostos, regulatórios, leis e etc.

2) Se você não tem dinheiro, vai ter outro sócio: os bancos

Muito provavelmente, você vai precisar de dinheiro não só para abrir, mas também para manter o seu negócio: o famoso capital de giro. Tem muita empresa que quebra vendendo porque não tem capital de giro. E quando você precisar dos bancos, eles vão levar boa parte do seu “possível” lucro. Nos últimos anos, além dos juros altos, o mercado financeiro estava altamente restritivo. Só tinha crédito quem tinha garantia real. Nessa hora, você fica na sinuca de bico: quebro ou arrisco perder tudo que conquistei? Essa resposta só você vai ter.

3) As regras não são claras e o jogo é confuso

A burocracia é tão grande que, às vezes, você nem sabe se está fazendo a coisa certa, independentemente da intenção. Algumas vezes, as regras mudam do dia para a noite, especialmente quando o assunto é tributário. As regras trabalhistas também são um grande entrave, para você entender melhor a dificuldade, basta verificar a data do nosso código trabalhista. Imagine como as relações de trabalho mudaram desde a sua criação em 1º de maio de 1943.

Bom, acho que já dei motivos suficientes para você desistir de empreender, né?

QUEM ME CONHECE SABE QUE EU NUNCA FALARIA PARA VOCÊ NUNCA EMPREENDER. NA VERDADE, ISSO É APENAS MAIS UMA PEGADINHA DO VELHO E FAMOSO 1º DE ABRIL.

Você acha mesmo que a Endeavor publicaria isso?

Agora, falando a verdade, escrevo esse artigo para dois tipos de pessoas: aqueles que estão na dúvida se empreendem ou não e aqueles que não conseguem dormir direito de tanta vontade de empreender.

Para aqueles que estão na dúvida, se vai ou não, eu digo o seguinte:

Empreender é igual a ultrapassagem e casamento: “Na dúvida, não vá.”.

Se você faz parte do grupo de pessoas que vai chegar ao fim da vida e dizer: “Eu até tinha vontade de empreender, mas preferi não arriscar” não empreenda, continue do jeito que você está. E quando a vontade de empreender surgir, se tranque no seu quarto e só saia depois que a vontade passar. Essa não é pegadinha de 1º de abril: o mercado está cada dia mais exigente, a concorrência está cada dia mais acirrada, não dá para entrar e brincar, tem que conhecer, tem que gostar e tem que ter muita certeza do que você quer.

Mas se você não consegue dormir, tem uma ideia na cabeça e acorda no meio da noite pensando em como colocar a ideia em prática, minha dica é: não desista!

Não deixe que ninguém diminua a sua vontade, não deixe que ninguém diga que é impossível ou que não vai dar certo, porque enquanto você tiver 1% de chance de dar certo: acredite, é possível dar certo.

PARA O SEU NEGÓCIO DAR CERTO VOCÊ SÓ PRECISA DE UMA COISA: FAZER BEM FEITO.

Agora, para fazer bem feito você vai precisar de algumas coisas, entre elas:

1) Faça o que você gosta, mas faça também um pouco de tudo

Quando você faz o que gosta, sua chance aumenta muito porque você faz com carinho. A diferença qualquer um pode incluir, mas o detalhe só quem faz o que gosta consegue colocar. E são os detalhes que normalmente fazem toda diferença entre sobreviver ou morrer. O fundador da Multiplan dizia o seguinte: “A diferença você vê, mas o detalhe você sente.”

Eu fico me imaginando como um atleticano trabalhando numa loja do Cruzeiro, nunca daria certo! É claro que essa dica não serve para o multiempreendedor que vai colocar pessoas para trabalhar para ele, mas sim para quem está começando e vai ser um pouco de tudo dentro do negócio: recepcionista, vendedor, administrador, faturista…

E quando eu falo no começo, estou falando nos 5 primeiros anos. Em alguns casos, 10 anos. Em outros, sempre.

2) Tenha um propósito, mas compartilhe com o seu time

Como eu disse acima, não é fácil ter funcionários, mas eles são fundamentais para o seu sucesso. E como empreendedor, o seu primeiro desafio é fazer com que os seus empregados também sonhem o seu sonho. O que fica mais fácil quando você tem um propósito.

Hoje os meus funcionários são parte da minha família, a minha grande inspiração. Quando estou desanimado, são eles que recarregam as minhas energias. Eu logo penso: “Se eles que não são donos, acreditam, eu não posso deixar de acreditar.”

Se o líder que deve ser o grande exemplo, não tem o brilho nos olhos, como ele vai inspirar as pessoas que trabalham com ele?

Eu acredito na liderança por exemplo, e tento exercê-la até hoje. Existem outros tipos de liderança, mas, no começo, ela é a maneira mais consistente de você ‘vender” o sonho para os seus funcionários.

Além disso, quando você envolve outras pessoas, fica mais difícil desistir. Costumo dizer que é a mesma coisa que sair para viajar e querer desistir no meio do engarrafamento. Você não consegue dar ré porque tem tanta gente atrás de você, que não tem como convencer a todos de voltar!

3) Desenvolva a resiliência, mas não tente seguir sozinho

Essa é, na minha opinião, a principal característica do empreendedor. Não tem como escapar da montanha russa de emoções. Uma hora você tem um céu de brigadeiro; na outra, não vê um palmo na sua frente.

Você está preparado para dormir sabendo que no dia seguinte você tem 10 mil reais para pagar, mas só 2 mil na conta? E mais: precisa chegar na empresa dando bom dia como se nada estivesse acontecendo.

Tem hora que você precisa acreditar no impossível, no meu caso eu diria que me apego na fé, como diria Roberto Carlos: “Sou forte e minha fé me faz um homem de aço”, mas tem hora que até com fé é difícil encarar as dificuldades. Nessa hora, é preciso contar com os sócios e os funcionários que estão com você!

4) Tenha perseverança, mas não confunda com teimosia

Na maioria das vezes, desistir é para sempre. Dar o último gás, quando todos normalmente desanimam, é o que faz a diferença. Porque, mesmo que não dê certo, você vai sair com a sensação de que fez tudo que era possível, um senso de dever cumprido.

Se eu pudesse voltar no tempo para escolher se entrava ou não naquele avião, mesmo com todas as estatísticas jogando contra, mesmo com todos me chamando de louco, dizendo que “com certeza” daria errado, que as empresas grandes acabariam com o meu sonho, eu não pensaria duas vezes: pegaria aquele voo e faria tudo novamente.

E digo mais, se a minha filha, que é a pessoa mais importante da minha vida, quiser empreender, terá todo o meu apoio. Hoje, mesmo com três anos, quando pergunto o que ela quer ser quando crescer, ela diz: ‘Empreendedora’ e sempre completa com: ‘tem que trabalhar muito, papai!’.

Porque por mais incerto e cheio de turbulências, sei que esse voo desafia meus medos e me aproxima, cada dia mais, do meu sonho. E é como dizem, “muitos de nós não vive os seus sonhos porque tem receio de viver também os seus medos.”

Boa viagem e até a próxima escala!

 

Originalmente publicado em EndeavorBurocracia, dívidas, incerteza e muitas horas de trabalho sem garantia de sucesso. Só mesmo um louco para decidir empreender no Brasil, não é mesmo?

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