“A vitória é nossa e a derrota é sua.” Foi essa a sentença que Paulo Cesar de Barros Rangel ouviu de seu pai ao assumir a direção da empresa da família, há 18 anos. Tanta responsabilidade não lhe foi dada por acaso: o negócio em questão carregava não só a história da família, mas também toda a tradição da primeira rede de óticas do Estado de São Paulo. Para dar conta do recado e sobreviver às constantes crises e mudanças no segmento, o empresário apostou as fichas em tecnologia, atendimento personalizado, treinamento e parcerias com os maiores fornecedores do ramo. O resultado são nove lojas em operação no interior paulista, que oferecem as principais grifes de óculos de grau e de sol, além de laboratório próprio.
Fundada em 1924, A Especialista é considerada a mais antiga rede de óticas do País a permanecer em operação ininterrupta nas mãos dos mesmos proprietários. Tudo começou de forma quase insólita em Ribeirão Preto (SP), quando o então mascate Nelson Dias Rangel – avô de Paulo – sonhou com um gato preto e decidiu apostar no jogo do bicho, levando o prêmio máximo. Tempos depois, apostou novamente – e ganhou pela segunda vez. Com o dinheiro em mãos, o vendedor decidiu que era hora de empreender, investindo no segmento óptico, algo inédito num tempo em que óculos eram vendidos em mercearias e relojoarias. “Meu avô foi realmente um sujeito inovador, pois naquela época ninguém havia se especializado nesse tipo de produto”, conta Paulo, referindo-se à origem do nome da marca.
No início da década de 1930, A Especialista abriu a segunda loja em Campinas (SP), onde hoje fica a sede da empresa. A estratégia fazia parte de um plano maior: migrar do interior para a capital. Assim, em 1935 foi inaugurada a terceira loja, localizada na Avenida São João, no Centro de São Paulo. Sem imaginar que entraria para a história do ramo óptico, Nelson Rangel investiu numa “superloja” com três andares, 50 atendentes e milhares de itens em exposição, incluindo telescópios e microscópios. “Foi a primeira superótica – ou ótica-conceito – de que se tem notícia, isso numa época em que só existiam três a quatro modelos de óculos no mercado brasileiro”, orgulha-se o neto.
Por volta de 1945, após o desfecho da Segunda Guerra Mundial, a empresa experimentou seu período de maior ascensão. Com a representação de marcas como Bausch Lomb e American Optical, A Especialista tornou-se não só o maior grupo óptico do Brasil, mas de toda a América Latina. “A Europa estava devastada nessa época e os Estados Unidos transformaram-se na grande máquina produtora no final dos anos 1950 e durante a década de 1960”, contextualiza o empresário.
A “superloja” da capital paulista fechou no início dos anos 1980, com o surgimento dos shoppings e o consequente processo de desvalorização do centro da cidade. Foi em meio a esta transição que Paulo – então um advogado recém-formado de 22 anos – assumiu o cargo de gerente administrativo. “Vendemos o prédio em São Paulo e focamos nossa operação em Campinas”, afirma Paulo, responsável pelo processo de expansão para os shoppings, onde hoje a rede possui quatro das nove lojas em operação.
Outro alvo de investimentos constantes é o laboratório, equipado com os mais modernos equipamentos de surfaçagem e montagem de óculos. A lapidação das lentes, por exemplo, fica a cargo das máquinas da Essilor, que dispõem de funções como corte até duas vezes mais rápido e manutenção via internet. “Garantimos a qualidade das armações e lentes que vendemos, bem como a acuidade visual e a satisfação dos clientes”, enfatiza Paulo.
Focar nos shoppings também foi a alternativa encontrada para “estar onde o cliente estava”. Outra marca da gestão do empresário foi a reativação de antigos fornecedores da empresa. Valendo-se do gosto pelas viagens herdado do avô, aos 24 anos Paulo foi para a Europa em busca de novos e velhos contatos da indústria óptica. “Difícil mesmo era lidar com as questões burocráticas e logísticas, até porque as importações eram mais fechadas naquela época”, comenta.
Se hoje em dia importar ficou mais fácil, embora os impostos continuem a pesar para os empresários, o mesmo não se pode dizer da concorrência. Sobretudo a partir dos anos 1990, o mercado de óculos passou a ser o alvo das grandes redes de franquia, sem falar na invasão dos produtos chineses e camelôs. “Hoje em dia o que temos é um mercado extremamente pulverizado, onde impera a guerra de preços e muitas vezes se passa por cima da qualidade”, analisa Paulo.
Além da concorrência com franquias como Chilli Beans – famosa por vender óculos a preços populares – as óticas passaram a concorrer também com redes de varejo em geral, a exemplo de C&A e Renner, entre outras. “Atualmente qualquer butique ou loja de acessórios vende óculos de sol”, completa.
Entre as 35 marcas com as quais A Especialista trabalha estão desde nomes nacionais – como Atitude e Ana Hickmann – até grifes internacionais, como Emporio Armani, Valentino, Montblanc, Tom Ford e Gucci. O preço médio dos óculos e armações é tão variável quanto o número de itens à disposição dos clientes: a maioria dos modelos varia entre R$ 180 e R$ 450, mas há peças como os óculos de sol Cartier, cravejados em ouro, por R$ 10 mil.
Apesar das boas expectativas em torno do mercado de luxo, Paulo não acredita na sustentação do segmento a longo prazo. “Uma prova disso foi o baixo movimento do Natal de 2011. Normalmente em dezembro teríamos entre 18% e 20% acima do faturamento, sendo que dessa vez fechamos com no máximo 8%”, revela.
Na opinião do empresário, o excesso de otimismo em torno do mercado de luxo se baseia em pesquisas realizadas nos grandes centros, como São Paulo, e não leva em conta a flutuação do segmento em cidades do interior. “O crescimento do mercado de luxo varia muito. Uma coisa é vender carro de luxo, outra é vender óculos. Muita gente que tem dinheiro acaba viajando e comprando no exterior, até porque óculos é um item fácil de guardar e transportar”, avalia.
Para lidar com a concorrência e as mudanças no perfil do consumidor, Paulo investe no treinamento e atendimento personalizado. Com 85 funcionários – sendo 75 mulheres – A Especialista conta com uma central de treinamento onde toda a equipe de vendas passa por reciclagem. “Muito além de interpretar receitas médicas, nossos atendentes conhecem em detalhes cada uma das mercadorias disponíveis, sugerindo o modelo e as lentes ideais de acordo com as necessidades, estilo de vida e formato do rosto de cada cliente.”
A mais recente aposta do empresário é no mundo virtual. Para marcar presença na web e se aproximar dos clientes, no final de 2011 A Especialista lançou, consecutivamente, o site institucional e um portal de moda. “Contratamos uma agência de comunicação para elaborar estratégias na internet para entrar em sintonia com o público-alvo”, explica o empresário. Comandado pela V12 Brasil Consultoria & Marketing, o novo plano de marketing prevê ações nas redes sociais – sobretudo no Facebook e Twitter – além da manutenção do portal AE Moda, onde são veiculadas notícias, artigos e reportagens sobre moda, estilo, comportamento e entretenimento.
Outra estratégia para 2012 é a diversificação do mix de produtos, com ênfase em óculos com melhor relação custo-benefício. Uma das duas lojas previstas para inaugurar até setembro, localizada no Shopping das Bandeiras, em Campinas, refletirá essa “atualização” no perfil da marca. “Não adianta insistir apenas na venda de óculos de grifes caras, pois o consumidor cada vez mais deseja produtos bons, bonitos e baratos”, pondera Paulo. A outra inauguração prevista para o ano é de uma unidade no Galleria Shopping, que está em fase de ampliação.
No mais, é seguir com cautela e flexibilidade. “Este será um ano de grandes oportunidades, mas ao mesmo tempo é hora de repensar diversos pontos da operação, investindo principalmente na construção de imagem da empresa”, ressalta o empresário.