Renan Carvalho

Nos últimos 30 anos, assistimos a uma verdadeira revolução tecnológica. Computadores enormes de telas verdes cederam lugar a tablets com desempenho muito superior, que cabem na palma da mão. Porém, quando se trata da área da administração de empresas, esta mudança não foi verificada – e continuam a prevalecer, até hoje, as teorias de comando e controle postuladas há um século. Como resultado, os profissionais geridos por estas teorias centenárias são da nova geração e estão vivendo uma realidade completamente diferente daquela de seus bisavós.

Nesse contexto, o que é possível fazer para reter, fomentar e não desmotivar os colaboradores? Como conseguir isso sendo uma empresa pequena, que não conta com os recursos e planos de carreira oferecidos pelas grandes corporações? As respostas para estes e outros dilemas podem estar nas Organizações Orgânicas (O2). Em resumo, uma empresa orgânica é uma empresa sustentável, pois possui uma equipe engajada e consegue se adaptar a qualquer ambiente.

Para explicar o conceito e como ele pode ser aplicado para melhorar o desempenho de pequenas e médias empresas, entrevistamos o consultor Renan Carvalho, que já atuou como executivo e coach em mais de 50 empresas no Brasil e nos Estados Unidos. Autor do recém-lançado livro O2 – Organizações Orgânicas – Um guia para revolucionar a gestão e liderar as equipes do século XXI, ele aponta as características e os caminhos que devem seguir os líderes que desejam se sobressair nessa geração. Mesmo que não se tornem milionários (o que acontece com menos de 0,1% dos empreendedores no mundo), ficarão felizes em fazer o que gostam e satisfeitos em encantar seus clientes.

O que significa o conceito de “empresas orgânicas”?

Renan Carvalho – Significa que a empresa funciona como um organismo vivo, e não como uma máquina. Significa que a empresa possui vida própria, ou seja, a empresa opera sem que exista a dependência de decisões centralizadas ou “comando” de seu dono. Ela é flexível (ou adaptável) e não engessada por processos e controles. Ela é horizontal, ou seja, nela as pessoas interagem de igual pra igual nutrindo bons relacionamentos, e não vertical, onde as pessoas interagem dentro de hierarquias que estabelecem níveis de poder e importância, comprometendo os relacionamentos. Em resumo, uma empresa orgânica é uma empresa sustentável, pois possui uma equipe engajada e consegue se adaptar a qualquer ambiente.

Quando surgiu esse conceito e como tem sido sua popularização/aceitação?

Carvalho – Este conceito surgiu dos estudos desenvolvidos por Burns e Stalker (um sociólogo e um psicólogo americanos) na década de 1960. Eles identificaram que, de acordo com o ambiente em que operavam, havia dois tipos de organizações: as mecânicas (ou baseadas em “comando e controle”), que supostamente operavam em ambientes mais estáveis, e seguiam a lógica da administração tradicional, funcionando como um mecanismo (com submissão hierárquica, departamentos, processos, indicadores numéricos, previsibilidade), e as orgânicas, que operavam em ambientes instáveis e funcionavam como organismos vivos (descentralizadas, não hierárquicas, adaptáveis, com as pessoas assumindo alto nível de responsabilidade e iniciativa).

De maneira geral, desde as observações de Burns e Stalker, esse tipo de organização ficou restrito a pequenas operações onde todas as pessoas eram sócias, por exemplo, escritórios de engenharia e advocacia, restaurantes e pequenas prestadoras de serviço. A administração acadêmica e o mundo empresarial ignoram este conceito, pois não se encaixava nas estratégias de crescimento econômico-financeiro que o mundo vem perseguindo desde a década de 1950. E, além disso, existia (e ainda existe) a crença generalizada de que uma empresa só consegue crescer quando ela se “profissionaliza”, ou seja, implanta ferramentas tradicionais de comando e controle, como planejamento, organograma, cargos e salários, etc.

Porém, o advento das mudanças ocorridas no mundo por ocasião da era digital está fazendo com que as empresas enfrentem dificuldades cada vez maiores para gerir pessoas dentro dos conceitos centenários de administração. E também para conseguir adaptar estruturas engessadas a um mercado que exige mudanças contínuas. Com isso, as empresas estão sendo forçadas a buscar novos meios para conseguir o compromisso e o engajamento de suas equipes.

No início dos anos 2000, foi desenvolvido um estudo em Harvard por outros dois estudiosos da área financeira, Hope e Fraser, onde eles buscavam justamente alternativas para os modelos de gestão tradicionais, e eles encontraram algumas empresas de grande porte no mundo, que fugiram do padrão. Ou seja, empresas que eram grandes, eram líderes em seus mercados, e que operavam de maneira orgânica. Entre elas estavam a Toyota, o Google, uma companhia aérea americana chamada Southwest Airlines e um banco sueco chamado Handelsbanken. Essas empresas, que possuíam dezenas de milhares de pessoas em suas equipes, eram descentralizadas, não hierárquicas, adaptáveis e contavam com pessoas altamente comprometidas e criativas.

A administração e o mundo empresarial, ainda ignorando o conceito orgânico, costumam rotular estas empresas como “exóticas” ou como “exceções à regra”, afirmando que o estilo delas é uma questão cultural e que, portanto, não há o que outras empresas possam fazer para serem iguais a elas.

Nós nunca aceitamos estes rótulos, e procuramos incansavelmente um meio de ajudar empresários a desenvolver suas empresas como “Orgânicas”. E então, desde 2010, resgatamos o conceito de Burns e Stalker e conseguimos delinear este caminho, com foco principalmente nos empreendedores e empresas de micro e pequeno porte. A aceitação vem sendo extremamente positiva, desde 2010 já temos um número expressivo de empresas de micro e pequeno porte em Santa Catarina que abraçaram o desenvolvimento orgânico.

Quais princípios devem ser seguidos por uma empresa orgânica?

Carvalho – Nós identificamos sete princípios que tornam uma organização orgânica. São conceitos relacionados a Propósito, Estrutura, Funcionamento, Pessoas, Motivação, Crescimento e Liderança.

Pelo contrário, o que uma empresa orgânica NÃO deve fazer?

Carvalho – Uma empresa não é Orgânica se seu líder não possui a convicção plena de que os sete princípios orgânicos constituem a maneira adequada de lidar com sua equipe e, consequentemente, não procura agir de acordo com eles. Esse é o elemento crítico. A distinção entre uma empresa ser orgânica ou não, está na crença e nas atitudes de seu líder principal. O resto é consequência disso. Portanto, a única coisa que o líder de uma empresa orgânica não deve fazer, é agir de acordo com princípios não orgânicos, por exemplo: utilizar de sua autoridade para dirigir as pessoas, utilizar de incentivos financeiros para motivá-las, deixar transparecer que a empresa existe para atingir suas metas financeiras… enfim, a lista é longa, qualquer comportamento que vai contra os princípios orgânicos deve ser combatido.

A que tipo de empresas esse conceito é mais indicado?

Carvalho – As empresas cujos líderes possuem uma visão mais sustentável do mundo. Que desejam fazer uma grande diferença para a humanidade, viverem e se desenvolverem em harmonia com o ambiente e com as pessoas. As empresas que prezam pela qualidade de vida mais do que pelo crescimento econômico/financeiro, e que buscam o desempenho como uma consequência de pessoas felizes e clientes encantados.

Esse modelo também é indicado para pequenas e médias empresas? Por quê?

Carvalho – Principalmente para empresas de micro, pequeno, médio porte e iniciantes. Porque estas empresas ainda não incorporaram muitas metodologias, ferramentas ou conceitos de “comando e controle”. Por incrível que pareça, para estabelecer o modelo orgânico, não é necessário incorporar, ou implantar nada na empresa. É necessário somente eliminar as atitudes, práticas e ferramentas de “comando e controle” que existem nas empresas. Isso é mais fácil se o tamanho da empresa for menor, pois quanto menor, menos ferramentas precisam ser “desimplantadas”, e menos comportamentos (ou atitudes) inadequados precisam ser corrigidos tanto por parte do líder como da equipe.

E o que as pequenas e médias empresas podem fazer para se transformar em empresas orgânicas?

Carvalho – É necessário que o líder principal desenvolva a convicção de que é plenamente possível e viável para a sua empresa, operar dentro dos sete princípios orgânicos. E ele precisa estar ciente de seu papel crucial neste processo de transformação. Na verdade, pode-se dizer que o processo de transformação da empresa é o processo de transformação da mentalidade e das atitudes de seu líder. Se atitudes não mudam, fundamental que ele conte com o apoio de um Coach que entenda a filosofia orgânica para apoiá-lo.

Quais os principais exemplos de empresas orgânicas no Brasil? E no mundo?

Carvalho – No Brasil, ainda como parte daquele estudo de Hope e Fraser, foram identificadas duas empresas pioneiras, a Semco – indústria famosa desde a década de 1980 após a publicação do livro Virando a própria mesa, de Ricardo Semler, onde ele descreve como foi a transformação de sua empresa de tradicional para orgânica – e também a Promon Engenharia – também famosa no Brasil por ser a empresa dos mil sócios, ou seja, uma construtora que se converteu em uma sociedade anônima de capital fechado, com o objetivo único de transformar todos os empregados em acionistas.

Todas estas empresas citadas, além de outras como a metalúrgica Nucor (dos EUA), a fábrica de móveis Ikea (da Holanda), as redes de supermercados Whole Foods e United (dos EUA), a rede de farmácias DM Drogerie Markt (da Alemanha), a fábrica de fibras tecnológicas WL Gore (dos EUA) se desenvolveram como orgânicas porque seus líderes rejeitaram veementemente os conceitos e práticas de “comando e controle”. E todas se desenvolveram organicamente à sua maneira, ou seja, não foi algo copiado de uma empresa para outra.

O que diferencia o modelo de gestão orgânica dos tradicionais modelos “comando/controle”?

Carvalho – A principal diferença é o fato do modelo de gestão orgânica não se importar nem um pouco com crescimento, nem com concorrência e muito menos com estratégias de mercado. A preocupação da empresa orgânica é ter uma equipe feliz e estar encantando seus clientes. E é natural que clientes encantados não abandonem nunca a empresa, além de indicarem aos amigos. Portanto, para uma empresa orgânica, o crescimento é certo, não há razões para se preocupar com ele. Outra diferença: com o modelo de gestão orgânica, o líder não precisa investir em ferramentas burocráticas como “organograma”, “planejamento estratégico”, “gestão de processos”, “cargos e salários”… nada disso. E nem em gestores para gerir estas ferramentas, ou seja, o custo fixo da gestão orgânica tende a ser muito menor, até mesmo inexistente. São empresas naturalmente enxutas, e que melhoram continuamente.

Quais as principais características dos líderes de empresas orgânicas?

Carvalho – Possuem um propósito muito maior e mais nobre do que simplesmente ganhar dinheiro. Líderes de empresas orgânicas possuem uma causa, querem mudar, beneficiar de alguma forma a humanidade. E acreditam muito nela. A liderança deles gira em torno desta causa. Também são apaixonados pelas atividades que a empresa exerce. E inspiram as pessoas a trabalharem também com paixão. Gostam de pessoas e são humildes, querem que a empresa e as pessoas apareçam, e não eles. Por fim, procuram ser sempre o exemplo de atitudes desejáveis, principalmente no tocante à abordagem em relação aos erros e às pessoas que erram. Entendem que erros são sempre bem-vindos porque são oportunidades de aprendizado e crescimento, porém nunca podem se repetir (porque a repetição é um sinal que não houve aprendizado ou crescimento). E pessoas que erram nunca são julgadas ou rotuladas, mas são sim, estimuladas e direcionadas para o aprendizado e crescimento decorrente da correção do erro.

Que dicas o senhor daria a uma pessoa que está prestes a abrir seu primeiro negócio e deseja se adequar ao conceito de empresa orgânica?

Carvalho – Pare um pouco e pense bem no motivo pelo qual está pensando em abrir seu negócio. Se este motivo estiver ligado a “ganhar dinheiro” ou “ficar rico”, então te convido a parar mais um pouco, e repensar… Você poderá pensar até melhor se buscar algumas estatísticas e constatar (após alguns cálculos já que este índice não está disponível) que tanto aqui como lá, menos de 0,1% dos empreendedores ficam milionários. E se seu sonho é de entrar para o clube dos bilionários, então lamento dizer, mas você terá mais chances jogando na mega-sena do que empreendendo. Esta é a realidade, e sempre foi, em qualquer país.

Então pergunto, com chances tão insignificantes, você ainda pensa em apostar todas as fichas, ou toda a sua vida, para abrir uma empresa e ficar perseguindo este propósito? Você certamente é apaixonado por algumas atividades, adora fazê-las, perde a noção do tempo e do esforço quando está se dedicando a elas. O seu motivo para empreender deve estar ligado a estes dois elementos críticos: primeiro, fazer aquilo que tem paixão e, segundo, levar felicidade a outras pessoas.

Ao se empreender com este propósito, você estará alcançando seus objetivos desde o primeiro dia em que abrir seu negócio. Pois desde o primeiro dia, conseguirá encantar os clientes, se tornar referência para outras pessoas, ser um exemplo a ser seguido. E se continuar assim, aumenta muito suas chances de algum dia se tornar milionário (desde que não pense nisso). Esta é a principal dica que posso dar.

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