A hora é das startups

Sem taxas de juros atrativas, investidores vão apostar cada vez mais em empresas nascentes de base tecnológica

Essa avaliação é do empreendedor Felipe Argemi,  fundador da Santis (santis.com.br), uma boutique de Fusões e Aquisições e Gestão de Valor, focada no Middle Market (empresas de médio porte), mas com uma atenção especial às startups.

Ele ressalta o atual “boom” das startups e prevê um crescimento constante e ainda maior desse mercado, com a entrada de mais investidores, apesar das dificuldades desde o nascimento até a vivência no dia a dia com a carga tributária.

Nesta entrevista exclusiva à Empreendedor, Felipe Argemi aponta que o maior potencial de crescimento está nas empresas de tecnologia, ligadas à saúde, bancos, seguros, educação, imobiliária, logística e agricultura.

Como você avalia o desempenho do ecossistema de startups brasileiro desde o início da pandemia?

Felipe Argemi –  A pandemia acelerou a digitalização de diversas empresas. Houve um grande incremento de e-commerce, com empresas tradicionais passaram a vender online, e em deliveres, pois restaurantes que não poderiam receber clientes passaram a atender nesse formato. A pandemia também acelerou uma modernização na logística, pois com o incremento de vendas online e por delivery, os clientes queriam receber no menor prazo possível. Além disso, a necessidade do trabalho remoto acelerou a adoção de soluções de teletrabalho. Por fim, a área da saúde também se beneficiou na frente de digitalização com a tão esperada aprovação da telemedicina e da prescrição médica digital em 2020.

As startups, por serem empresas mais ágeis, se beneficiaram dessas mudanças?

Se beneficiaram muito. De acordo com um levantamento realizado pelo hub de inovação Distrito, as startups brasileiras captaram R$ 18,1 bilhões em 2020. Foram 469 rodadas de investimentos, superando o recorde anterior de 408, em 2018. Isso demonstra o amadurecimento do ecossistema brasileiro de startups, e que os investidores estão cada vez mais atentos a elas. Ou seja, mesmo com as incertezas e os impactos promovidos pela pandemia, os bons gestores entenderam é que ela seria passageira e continuaram focados na busca de boas oportunidades de longo prazo.

Os investidores buscam nas startups uma valorização que multiplique em algumas vezes os seus investimentos – e não apenas a valorização de um percentual atrativo, como no caso dos investimentos em Private Equity (investimentos em empresas maduras, mas que ainda não estão abertas na bolsa de valores).

A baixa taxa de juros que temos observado também aumentou o apetite desses investidores ao risco. Muitos deles começaram a “baixar a régua” para poder aproveitar oportunidades em empresas nascentes ou empresas existentes que se reformularam para se comportar como startups.

Aliás, uma confusão muito comum é acreditar que toda nova empresa é uma startup. Isso não é verdade. Startup é toda empresa que tem um posicionamento que permite um crescimento exponencial.

Em que pontos podemos melhorar nosso ambiente de negócios para que mais startups atinjam estágios de desenvolvimento avançados?

Para se desenvolver no Brasil, uma empresa deve superar obstáculos como a dificuldade para sua constituição e a complexidade tributária a qual deve se submeter. Para empresas com um crescimento exponencial, esse desafio pode ser ainda maior.

Por exemplo, o ISS (Imposto Sobre Serviço) é municipal, e existem diferentes alíquotas para diferentes municípios. Existem diversas discussões sobre a cobrança do tributo, se onde o serviço é gerado ou o município onde é tomado.

O ISS é previsto no Art. 156 da Constituição Federal e regulado em território nacional pela Lei Complementar nº 116 de 2003, mas cada município tem sua Lei Municipal para delimitar as regras do tributo. Desde 2003, a arrecadação do ISS era realizada no município em que se encontra a sede da empresa prestadora, na maioria dos casos. Mas a Lei Complementar nº 175, sancionada pelo presidente em 23 de setembro de 2020, mudou as regras e estabeleceu que o ISS deve ser recolhido no município onde está o cliente (destino), e não mais na cidade-sede do prestador.

Essa discussão já foi e voltou algumas vezes e a constante mudança de adoção pelo governo gera algumas inseguranças.

Além de uma maior estabilidade jurídica no Brasil, poderíamos ter mais incentivos do governo para o desenvolvimento de polos de tecnologia. Ainda somos essencialmente importadores nesse setor, o que encarece e atrasa o nosso desenvolvimento.

Também deveríamos investir mais em educação voltada à área tecnológica, pois ainda existem poucos incentivos nessa frente.

No 1º trimestre de 2021, houve US$ 1,9 bilhão em aportes para as startups no país, o que representa 54% do total de 2020 (dados: Distrito Dataminer). O que tem impulsionado esses investimentos e quais as expectativas para este ano?

A baixa taxa de juros no Brasil tem incentivado cada vez mais investidores tradicionais a realizarem aportes em startups. São investidores que se beneficiavam da alta taxa de juros até pouco tempo atrás, e encararam uma Selic a 2% (atualmente em 2,75%), com inflação superior a esse patamar (o que gera taxa de juros real negativa). Assim, eles buscaram outros investimentos para compor seus retornos, e por isso observamos um crescimento da bolsa de valores brasileira e uma maior atenção aos investimentos em startups.

Family Offices, que geralmente eram bem conservadores, passaram a observar as startups com maior atenção e investir nelas.

O câmbio desfavorável também incentivou investidores a focarem no mercado interno. E o Brasil se tornou atrativo a investimentos estrangeiros, por ser considerado “barato” do ponto de vista de câmbio.

Além disso, temos visto cada vez mais a atuação de Corporate Venture Capital, onde grandes corporações têm investido em startups, para se beneficiar de novas soluções e tecnologias (na maioria dos casos) ou simplesmente por ter expectativa de retornos elevados de seus investimentos (casos raros, pois grandes empresas preferem manter o foco no seu nicho de atuação).

Jovens empreendedores estão preparados para as negociações com essa gama crescente de investidores, muitos de grande porte, no mercado brasileiro de startups? 

Dado o “fenômeno de investimento em startups” – e por esse mercado ter tido um crescimento acelerado –, grande parte desses empreendedores (jovens ou não) não tem experiência nesse tipo de transação. Na imensa maioria das vezes, essa é a primeira vez que eles estão negociando um contrato de investimento. Do outro lado, os fundos, Family Offices ou empresas geralmente passaram por essa experiência algumas vezes.

Essa nova onda de aportes atraiu investidores que anteriormente tinham como hábito investir no mercado tradicional. Na expectativa de proteger seus investimentos, eles acabam inserindo múltiplas proteções nada tradicionais em investimentos em startups. Isso pode inviabilizar a flexibilidade e a agilidade que uma startup precisa, o que pode ser fatal.

Buscar a assessoria de quem tem experiência comprovada nesse tipo de transação é extremamente benéfico para fundadores de startups. O assessor pode identificar pontos críticos na negociação, e auxiliá-los a obter direcionamentos que preservem seus poderes de decisão nas operações da empresa. Infelizmente, já vi diversos casos de investimentos que tiveram uma estrutura mal elaborada e sem as devidas proteções – o que pode gerar grandes danos à startup.

Na Santis, sempre nos colocamos no lugar dos fundadores. Aplicamos um olhar clínico sobre todas as etapas de uma transação, para que ao fim dela o nosso cliente esteja com a melhor proteção possível e ciente de eventuais riscos. Por isso, mais do que assessores, agimos como parceiros desses clientes.

Esses dados do 1º trimestre de 2021 também apontaram, para as startups, 56 operações de fusões e aquisições – sendo 30 somente em março. Pode-se dizer que o mercado de M&A nesse segmento também está aquecido?

Extremamente, pelos motivos já mencionados e por termos um mercado de capitais em constante maturação no Brasil.

Em 2020, tivemos 28 IPOS – um recorde com o maior número de transações desde 2007. O ano de 2021 começou muito aquecido e, apenas no primeiro trimestre, houve 15 IPOs, ou seja, mais que a metade do número do ano anterior. Dentre os recentes IPOs, temos startups como Meliúz, Enjoei, Mobly e Westwing, entre outras.

Um mercado de capitais maduro dá uma expectativa de saída (desinvestimento, venda de participação na empresa) clara para os fundos de investimento (Private Equity e Venture Capital). Isso tende a aquecer ainda mais o setor, pois o apetite dos investidores aumenta com o fato de que agora temos mais uma porta de saída clara para seus investimentos.

Quais os setores de destaque para fusões e aquisições no ecossistema de startups do Brasil? O que esperar desse mercado para 2021?

Startups são essencialmente empresas de tecnologia e, para terem um produto escalável, precisam estar baseadas essencialmente em tecnologia, portanto o setor de tecnologia é o que registra um claro aquecimento.

Porém, por mais que o mercado classifique tudo como tecnologia, esta está atrelada a algum setor. Entre os setores os que se destacam estão: saúde, bancário, seguros, educação, imobiliário e logística.

Apesar de mais tímidas, temos inciativas bastante interessantes na área agrícola, um setor que tem bastante relevância no Brasil.

Como você vê o desempenho do Brasil em relação ao mercado mundial de startups?

O fenômeno de baixas taxas de juros é algo que observamos não apenas no Brasil. Para diversificar seus investimentos, grandes investidores estão buscando novas alternativas que possam gerar grande valorização e a resposta são as startups.

Grande risco, grande retorno – é exatamente isso que acontece com as startups. Dado o tamanho delas, os investimentos não são vultuosos, o que permite que grandes investidores diversifiquem seus aportes alocando capital em diversas startups. Por essa razão, o fenômeno do crescente investimento em startups não é observado somente no Brasil, e sim no mundo.

As informações sobre startups ainda são muito pulverizadas e muitas não são mapeadas. Porém, o ranking da StartupBlink (https://www.startupblink.com/) indica que São Paulo está em 18º lugar no ranking mundial, seguido por Rio de Janeiro (93º), Belo Horizonte (101º), Curitiba (183º), Porto Alegre (200º), Florianópolis (227º), Campinas (306º), Brasília (336º), Recife (358º) e Joinville (371º), entre outras cidades. Considerando que a StartupBlink mapeia o ecossistema de startups de 100 países e 1000 cidades, podemos considerar que o Brasil tem uma posição de destaque no ecossistema mundial.

Que cidade brasileira você destacaria entre esses importantes hubs brasileiros?

O ambiente propício para novos negócios existente na capital catarinense (Florianópolis) tem um papel relevante nesse cenário. Segundo a Associação Brasileira de Startups (ABStartups), Florianópolis concentra o maior número de startups no Brasil em relação à população.

O Índice de Cidades Empreendedoras (ICE), produzido pela Endeavor, aponta que a capital catarinense figura como a segunda melhor cidade do Brasil para empreender, ocupando o primeiro posto em alguns quesitos avaliados, como capital humano e inovação. A cidade tem esse DNA.

Existem setores expressivos e com muito potencial de desenvolvimento.

Entre os de destaque, podemos citar o tecnológico, do qual Santa Catarina é um reconhecido polo nacional. Com apenas 1,1% do território brasileiro e 3,4% da população, o estado se consolidou como a 4ª maior economia do setor no país. São mais de R$ 17,7 bilhões, que correspondem a 7,4% do faturamento do segmento de tecnologia brasileiro, segundo o Tech Report 2020, da Associação Catarinense de Tecnologia (ACATE).

 

 

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