Empreender é mais complicado para a mulher negra

Talita Matos Singuê

Cofundadora e diretora técnica da Singuê, Talita Matos traça uma panorâmica do atual mercado de trabalho e do empreendedorismo para a mulher negra no Brasil

Por Manoela Prazeres

Singuê na língua africana significa “o que nos entrelaça”. Para entrelaçar as mulheres negras na busca por mais dignidade no trabalho, mais oportunidades de empreender negócios e mais qualidade de vida, Talita Matos ajudou a fundar e hoje é diretora técnica da Singuê que é uma consultoria que  tem a missão de criar e desenvolver projetos de diversidade, equidade e de inclusão social.

Hoje a Singuê trabalha com algumas das maiores marcas do Brasil desenvolvendo estratégicas, projetos de educação e programas de desenvolvimento social. Só no ano passado, ao menos 1,6 pessoas negras de empresas como Itaú, Netflix, Carrefour, Gerdau e Natura passaram por programas desenvolvidos pela Singuê.

 

É possível dimensionar o quanto ainda hoje a mulher negra é direcionada para atividades e trabalhos informais, de baixa remuneração?
A pesquisa “As dificuldades da população negra no mercado de trabalho”, do Dieese, publicada em novembro de 2023, dimensiona as desigualdades raciais e de gênero no mercado de trabalho brasileiro.
Com base em dados do 2º trimestre de 2023, da PNAD Contínua (IBGE), o levantamento revela que 65,1% dos desocupados no país são negros. A taxa de desocupação das mulheres negras é 11,7%. Em comparação, a taxa de desocupação dos não negros é 6,3%. Importante pontuar que estar desocupado não significa que não estão trabalhando, mas que estão criando, como sempre fizeram, formas alternativas de renda.

O rendimento médio mensal das mulheres negras, segundo o Dieese, é de R$ 1.908,00 enquanto para homens brancos a média salarial é mais que o  dobro, chegando a R$ 4.093,00. Ainda, apenas 1,8% das mulheres negras atuam como empregadoras, enquanto entre as mulheres não negras esse percentual é 4,3%.

 

Ao seu ver quais são as principais razões para a discriminação da mulher negra no mercado de trabalho?
As estruturas históricas e sociais em quase todo o mundo favorecem um modelo de humanidade masculino e branco. Tudo o que foge deste padrão, historicamente, assume um lugar de desvantagens no acesso a direitos básicos, como educação, moradia e emprego. As construções são cíclicas e, quando uma mulher ou uma pessoa negra deixa de acessar algum espaço, se reflete nas gerações futuras deste grupo.
As questões raciais avançam muito no mercado de trabalho quando as cotas raciais são implementadas. Mais mulheres e homens negros conseguiram se especializar e levar para suas profissões reflexões sobre a representatividade dos grupos sociais aos quais pertencem.
É um movimento lento, que leva vários anos, mas pode ser acelerado com o compromisso das empresas, por exemplo, em assumir um papel ativo na luta antirracista. Isso pode acontecer com a criação de vagas afirmativas, disponibilização de mentorias e planos de carreira que ofereçam suporte para a individualidade das pessoas que pertencem a grupos minorizados. Algumas têm feito isso, como é o caso da Natura, Gerdau e Itaú BBA, empresas que com o apoio da Singuê avançam em seus planos de diversidade.
Mas é uma mudança lenta que depende do envolvimento de muitos atores e do compromisso com equidade racial ainda em construção na sociedade brasileira.

 

As dificuldades no acesso a todo o sistema de educação tem um peso maior, mais significativo nessa discriminação da mulher negra?
Sim, existe uma dificuldade de acesso a um ensino gratuito e de qualidade por mulheres e homens negros, e também por pessoas pobres.
O sistema de cotas raciais nas universidades colabora para ajustar este quadro nas universidades, mas o ensino de base ainda precisa de políticas de acesso para grupos minorizados. Programas como o Pé de Meia, lançado neste ano pelo governo federal, estágios remunerados para estudantes de escolas públicas e mesmo o letramento racial dos professores são algumas medidas iniciais que precisam ser aperfeiçoadas nos contextos escolares.
Mas, mesmo quando concluem a graduação em boas universidades, as mulheres negras enfrentam barreiras no avanço da carreira. Isso deve ser ajustado com lideranças comprometidas e planos que considerem as individualidades históricas e sociais que elas trazem consigo ao serem contratadas pelas empresas.

 

Você diria que a mulher negra não tem o direito, não pode escolher se quer empreender, criar uma nova empresa?
A abertura de uma empresa exige da empreendedora recursos iniciais que coloque o negócio para girar até o momento do lucro, contatos no mercado em que atuam e uma rede de apoio caso as coisas não saiam como esperado.
A maioria das mulheres negras no Brasil não tem nenhuma dessas coisas, o que torna empreender ou uma necessidade extrema ou um movimento arriscado. Ou seja, elas podem empreender, têm o direito e criam ideias inovadoras com impacto positivo no mercado. O problema é o acesso e a seguridade social caso precisem alterar a rota.

 

Qual a importância e o trabalho já desenvolvido pela Singuê?
A Singuê procura avançar no debate e na propor cisão de ações de equidade racial junto aos clientes. Na nossa perspectiva, já não é mais sobre provar que as pessoas negras são talentosas, mas desconsideradas por conta do racismo. Isso já deveria estar pacificado enquanto uma realidade para toda sociedade.
Nosso papel tem sido criar dispositivos de aceleração da chegada de pessoas negras a espaços de poder. O que nos programas que desenvolvemos significa preparar profissionais negros para assumirem cargos mais estratégicos.

 

Cite mulheres negras que se tornaram empreendedoras exemplares?
Duas das muitas parceiras que estão nessa trajetória de afroempreendedorismo comigo são Andreza Rocha, fundadora da AfrOya Tech Hub; Rosangela Menezes, diretora executiva na Awalé; e Shaienne Aguiar, da Mascavo Criativo.

 

TALITA MATOS
Cidade natal: Itajaí (SC) e mora em Florianópolis
Idade: 40 anos
Formação: Cientistas social pela UFSC
Cargo Atual: Diretora da Singuê

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