Ser competitivo hoje é saber usar bem os dados

O médico Ademar Paes Júnior criou a empresa LifesHub que usa IA e big data para apoiar diferentes estratégias comerciais de negócios

Ademar Paes Júnior tem uma trajetória singular. Médico radiologista reconhecido e respeitado, com um vasto currículo acadêmico, anos de experiência e atuação associativa, tornou-se executivo e CEO de uma startup. Em 2020, em plena pandemia do coronavírus, nasceu a LifesHub, especializada em inteligência competitiva. O ponto de partida foi a ideia de ajudar gestores públicos, setor produtivo e empresários da área de saúde a entenderem melhor o cenário caótico criado pela doença para definir a melhor forma de agir. Com milhares de dados públicos organizados e com ajuda de inteligência artificial, big data e georreferenciamento, a startup garantiu subsídios importantes para o planejamento das ações de combate e prevenção à Covid 19.
Superada a crise sanitária, a LifesHub seguiu adiante. Hoje, usa as ferramentas tecnológicas para ajudar grandes empresas a tomarem decisões comerciais estratégicas para negócios de saúde, energia, varejo e infraestrutura.
Na entrevista a seguir, o médico dá espaço ao executivo que fala sobre o presente e o futuro da inteligência de dados.

EMPREENDEDOR: Qual a importância e a necessidade hoje das empresas públicas e privadas de utilizarem de forma correta a análise de dados?
ADEMAR PAES:
O big data analytics permite organizar, categorizar e utilizar da melhor forma a infinidade de dados que estão ao nosso redor em qualquer atividade produtiva. Bem usada, a ferramenta possibilita melhorar serviços ou produtos, criar estratégias de vendas mais assertivas e antever mudanças no mercado. São diferenciais competitivos que não podem ser menosprezados por nenhuma empresa.
Um fenômeno recente fez a ciência de dados ganhar enorme protagonismo. Hoje há ferramentas com enorme capacidade de armazenamento e processamento de dados, aí incluídas as Inteligências Artificiais, comparativamente mais baratas e simples de manusear do que anos atrás. Essa mudança é fundamental para entender a nova realidade.
Os especialistas têm muito mais dados à disposição e podem fazer análises detalhadas de indicadores internos das organizações; acompanhar mudanças no mercado; antecipar interesses dos consumidores, e produzir conhecimento sobre uma série de outros pontos importantes para qualquer negócio. Ao mesmo tempo, há o crescimento exponencial da quantidade de informação disponível. As empresas precisam ter clareza nos seus objetivos e definir exatamente o que pesquisar – saber qual conhecimento fará diferença para o negócio. O complemento, até óbvio, é a definição de estratégias para o melhor uso possível do novo conhecimento.

A análise de dados já está na cultura e é uma prática da maioria das empresas brasileiras?
O termo análise de dados é muito amplo e qualquer avaliação exige entendermos que existem diferentes graus de aprofundamento na forma como as companhias tratam informações. Há aplicativos e até tabelas bastante simples que permitem ao empresário analisar dados importantes para a gestão. Há uma frase comum na administração que diz que o que não pode ser medido não pode ser gerenciado. Ou seja: de uma forma rudimentar ou complexa, muitas companhias analisam dados.
Mas volto à transformação provocada pela tecnologia sobre a qual falei antes. Hoje, o potencial de análise atinge graus de complexidade enormes. A inteligência artificial é capaz de relacionar entre si um volume de dados gigantesco, gerando conclusões mais assertivas e profundas. Esse nível de uso intensivo da ciência de dados ainda é usado por número restrito de empresas – mas essa é uma corrida que está só começando. No futuro, se manter competitivo vai depender do uso de dados.

Como realizar a análise de dados de forma eficiente para a empresa ter ganhos com a aquisição e fidelização de clientes, por exemplo?
O primeiro passo é entender que a análise de dados não é algo isolado da gestão. Ela é uma ferramenta estratégica – e seu uso precisa estar alinhado aos objetivos do negócio. A aquisição e fidelização de clientes é uma frente de trabalho riquíssima para a ciência de dados.
Imagine analisarmos um produto de consumo familiar. A partir de uma base adequada de dados, é possível entender a fundo o perfil do comprador (onde ele vive? Qual o tamanho da família? Que outros produtos consome? Em que oportunidades consome meu produto? Onde compra? E uma infinidade de outras variáveis). Essas informações poderão ser usadas em promoções, mudanças de embalagens, redistribuição de equipes comerciais, programação de campanhas publicitárias e outras iniciativas.
Pode haver um grau de complexidade maior, mas também é simples entender o papel do big data analytics em estratégias de vendas B2B (de empresas para empresas). No mercado da saúde, por exemplo, já fizemos estudos usando georreferenciamento e inteligência artificial que mostraram de forma bastante detalhada para a indústria de equipamentos médicos as áreas onde havia demanda represada ou demanda prevista para o curto prazo por determinadas máquinas. O cliente pode definir uma estratégia comercial muito assertiva, antecipando ofertas para consumidores que estavam na iminência de identificar a necessidade pelo produto.

Com a análise de dados é possível prever de forma precisa crises econômicas e tendências de mercados?
Por certo que sim. Já temos diversos modelos matemáticos que antecipam sintomas de uma crise que se avizinha ou mudanças na sociedade que impactam o mercado. A grande mudança atual – e que deve ser mais visível no futuro breve – é o grau de assertividade desse diagnóstico. Temos mais informação e maior capacidade de análise. Basta fazermos as perguntas adequadas e teremos resultados cada vez mais certeiros.

Há quem considere o dado como o petróleo de hoje. A empresa que não utilizar esse recurso não terá competividade no mercado?
Essa metáfora do petróleo é bastante comum. Quando falamos em competitividade, é importante avançar nesse paralelo. O dado – e o petróleo – são valiosos. Mas não em estado bruto. O ganho inquestionável de competitividade das empresas só ocorre quando elas sabem fazer o refino da informação. Números precisam ser trabalhados, compreendidos, questionados, enriquecidos com outras informações para terem valor. Os sistemas de big data analytics são como as refinarias, que transformam petróleo em gasolina, diesel e outros compostos. Quem souber fazer esse refino, terá sim ganhos de competitividade inquestionáveis.

Quais os segmentos econômicos utilizam hoje da melhor forma os recursos da análise de dados?
A aplicação da análise de dados varia bastante de acordo com a necessidade de cada mercado. A indústria utiliza bastante esse conhecimento para gerar ganhos de mercado. O e-commerce, por sua própria natureza tecnológica, é outra área de uso intensivo da informação. Mas é importante ter em mente que o potencial é praticamente ilimitado. Na recente crise provocada pelas cheias no Rio Grande do Sul, por exemplo, fizemos estudos que podem ajudar gestores públicos na tomada de decisão. Identificamos que 64% das 195 mil empresas localizadas em áreas alcançadas pelas águas são de micro ou pequeno porte. Listamos as áreas de atuação e o número de empregados. Dados que podem servir para a definição de políticas públicas de investimento e concessão de crédito.

Qual o futuro da análise de dados no mundo corporativo?
Ao longo do tempo, as grandes mudanças tecnológicas que beneficiaram as empresas seguiram um caminho parecido. Por questões as mais diversas (menor resistência ao novo, ousadia, capacidade de trabalho e compreensão das equipes, potencial de investimento, entre outras) todas as inovações são abraçadas em um primeiro momento por número menor de companhias. Elas usam as ferramentas, ajudam no seu aprimoramento técnico, servem de campo de aprendizado para as pessoas e criam uma demanda que resulta em maior produção e redução de custos. São todos fatores essenciais para o momento seguinte, que é a popularização da novidade.
O big data analytics vai seguir essa trajetória. Hoje a análise mais aprofundada e refinada de dados (o estado da arte, como poderíamos chamar) ainda é restrita a um número crescente, mas limitado de empresas. Mas os ganhos competitivos já percebidos nessas companhias vão impulsionar a ciência. Usar dados será questão de sobrevivência para muitas organizações.

Saiba mais
ADEMAR PAES JÚNIOR

Cidade natal: Florianópolis (SC)
Idade: 45 anos
Formação: Medicina
Cargo atual: CEO da LifesHub

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