A combinação de segurança eletrônica e treinamento de funcionários é fundamental para evitar perdas decorrentes de furtos e roubos
Nas cercanias do Beiramar Shopping, no Centro de Florianópolis, há hotéis de luxo, restaurantes premiados, bares da moda, galerias de arte, lojas de roupas finas e uma variedade de outros negócios, boa parte deles de propriedade de pequenos e médios varejistas. Nessa região há também um índice elevado de arrombamentos e pequenos furtos. Tirando os hotéis, onde há sempre pelo menos um funcionário de plantão, é raro encontrar um estabelecimento que não tenha sido atacado. Cansado de ver os colegas empresários reclamando da falta de policiamento e da falta de manutenção das câmeras de vigilância pública da região, Fábio Gerevine, proprietário da loja de decoração e galeria Mercato Art, fez o que pôde com os recursos de que dispunha. Com criatividade, estendeu cabos de aço e pendurou avisos de perigo para montar uma vitrine provocativa e bem-humorada sobre o tema da insegurança local. Além disso, procurou uma empresa de segurança para instalar um alarme, o primeiro da loja. “Minha mercadoria não é dinheiro para os ladrões. Se chegam para o traficante com um quadro da loja para trocar por droga, apanham. Por outro lado, sem alarme poderiam entrar na loja, ficar bastante tempo aqui dentro e destruir mercadorias ao perceberem que não há nada de valor que eles possam levar”, diz.
A 20 metros da Mercato Art fica a TM Materiais Elétricos. O gerente e dono Caio Felipe dos Santos conta que a loja foi invadida na madrugada. Uma pedra do tamanho de um tijolo foi arremessada contra uma janela. Um computador e diversos produtos foram levados – prejuízo de R$ 2,2 mil. “O alarme tocou e em 15 minutos eu cheguei à loja, mas não havia mais ninguém”, afirma Caio, que decidiu investir num sistema de circuito fechado de televisão (CFTV). “Contatei uma empresa de São Paulo e o custo para instalar oito câmeras é de cerca de R$ 1,5 mil”, conta, resignado.
“A certeza da impunidade e a deficiência da segurança pública contribuem para que o lojista tenha que assumir a responsabilidade e os custos para proteger seu patrimônio”, afirma o major da Polícia Militar de Santa Catarina e doutor em segurança organizacional Otacílio Izaías. Dados da Associação Brasileira de Empresas de Sistemas Eletrônicos de Seguranca (Abese) confirmam isso. Segundo a entidade, o mercado de segurança eletrônica vem crescendo a taxas anuais de 13%. Só em 2010, estima a Abese, o faturamento somado das mais de 10 mil empresas do segmento foi de US$ 1,7 bilhão. Ainda conforme a associação, cerca de 88% dos equipamentos são adquiridos por estabelecimentos comerciais.
Desdém
No entanto, a opinião geral de especialistas do ramo é que o varejo nacional ainda está aquém do aceitável em termos de segurança eletrônica. É o que diz, por exemplo, o gerente corporativo e comercial Ronaldo Toneloto, da Protege, um dos maiores grupos do setor de segurança do País, com 40 anos de mercado e presença em 14 estados e Distrito Federal (recentemente, foi eleita pelo jornal Valor Econômico uma das empresas mais rentáveis do Brasil). “A maioria não investe como deveria em segurança eletrônica, tanto pequenas quanto grandes empresas do varejo. Existem grandes redes em que a segurança eletrônica deixa muito a desejar. É como se estivessem no século passado”, diz.
O principal erro é a falta de manutenção dos equipamentos. Para Luiz Fernando Sambugaro, diretor de comunicação da Gateway Security, que comercializa antenas e etiquetas eletrônicas, além de CFTV, quem conhece identifica na hora se o equipamento funciona ou não. “Quando entro em lojas e vejo um vão entre as antenas muito longo, de 5 metros, por exemplo, sei que não funcionam. São fake. A distância é muito grande. Mas é uma questão de custo. Se a margem de lucro é suficiente para cobrir o custo das perdas internas e externas, não há investimento”, afirma.
O problema é que, com as novas normas contábeis do País, fica mais difícil justificar a perda de produto ao fisco. “O novo sistema fiscal, o Spred, restringe a perda da mercadoria. Então é um incentivo. A tendência é que as empresas tratem a segurança de forma mais profissional”, explica Sambugaro.
Uma forma de monitorar as mercadorias é através de etiquetas de rastreabilidade, como a ID Tracker, da Ahgora. “São chips que identificam e rastreiam cada item, permitindo o controle dos produtos do centro de distribuição ao consumidor final, inclusive pela internet”, diz o CEO da empresa, Lázaro Malta.
Um tratamento profissional ao setor de segurança eletrônica é o que está fazendo o Grupo Esplanada, que conta com 37 lojas de varejo no Nordeste, Norte e Distrito Federal. Desde o fim do ano passado, o grupo já investiu R$ 600 mil na aquisição de equipamentos, entre antenas e CFTV.
“No fim de 2010, com a abertura de três novas filiais e ampliação de outra loja, equipamos essas unidades com CFTV. Gostamos da eficiência e da tecnologia do sistema e optamos por adquirir mais um circuito fechado para a filial que inauguramos em Caruaru (PE) no fim de abril, incluindo também um pacote completo de antenas antifurto para mais uma filial, em Taguatinga (DF). E, em agosto, fechamos contrato para instalação de antenas em 29 filiais”, conta o coordenador de prevenção de perdas da empresa, Alexsandro Alves de Sousa.
Embora as grandes redes representem a maior fatia do bolo do total de investimentos em segurança eletrônica, pequenos e médios varejistas podem encontrar soluções adequadas ao tamanho de seu negócio. Isso graças principalmente ao desenvolvimento da tecnologia, que oferece opções para todos os bolsos. “Sistemas convencionais custam 65% menos que tecnologias top de linha”, diz o engenheiro Alexandre de Oliveira, gerente de operações e projetos de segurança eletrônica do Grupo Protege.
Em termos tecnológicos, a grande novidade atual é a integração dos sistemas, principalmente CFTV e alarme. “A integração da câmera com o alarme é um coisa inteiramente nova. Começou no início do ano. Quando o alarme dispara, as câmeras começam a exibir as imagens. É uma novidade no mercado e a recepção tem sido muito boa. Nossos principais clientes são empresas de segurança que fazem monitoramento de alarme”, afirma Paulo Schwochow, diretor e sócio da Seventh, que desenvolveu a integração em conjunto com a Segware, dona de 70% dos alarmes monitorados no País.
“Dos alarmes disparados, 98% são falsos. Com a integração com o CFTV, a eficiência é muito maior, uma vez que é possível identificar se é alarme falso ou não”, afirma o diretor-geral da Segware, Luiz Henrique Bonetti, que completa: “A tecnologia brasileira está no mesmo nível de grandes empresas mundiais do setor, como Panasonic, Sony e Bosch. A nossa grande vantagem é a possibilidade de integração entre diferentes produtos, com todos os recursos. Nenhuma empresa mundial consegue oferecer um leque de produtos e serviços como o nosso. Temos um cunho mais comercial, focado nas soluções”.
Qualidade superior
Entre os produtos oferecidos pelas novas tecnologias, um dos destaques é a câmera IP, que substitui o intrincado cabeamento das câmeras analógicas por um único cabo de rede, além de permitir imagens com mais definição. “A qualidade de imagem da câmera IP é muito melhor, em torno de cinco vezes a das câmeras analógicas. Mas o preço de câmeras com alta tecnologia ainda é salgado”, diz Schwochow, que dá um exemplo: “O sistema com oito câmeras IP é muito usado em postos de gasolina. O pacote básico fica por R$ 6 mil. Pode ser monitorado de qualquer lugar pela internet. A câmera se movimenta e permite zoom digital não centralizado, ou seja, em qualquer área da imagem”. Segunda maior empresa de IP do mercado, a Seventh não descartou o analógico. Pelo contrário, desenvolveu uma solução para as empresas que quiserem se atualizar de forma escalonada. “O equipamento D-Guard aceita sistema híbrido, com câmeras IP e analógicas”, afirma Schwochow.
Apesar do avanço tecnológico, existe um aspecto fundamental do negócio, o fator humano, que não pode ser negligenciado, sob pena de botar todo o investimento a perder. “Muitas empresas do ramo não estão preocupadas em apresentar um plano de segurança aos clientes. Por exemplo, de nada adianta um alarme se há produtos de alto valor agregado a menos de 30 centímetros da vitrine. Você pode ter instalado o equipamento que quiser, em menos de 30 segundos o ladrão quebra o vidro e leva o produto. A solução de tecnologias não previne, mas informa o que ocorreu. Tem que ocorrer uma mudança de hábito por parte do lojista e um plano de segurança. Além do sensor no vitrine, colocar uma grade. Não é estético, tudo bem, mas é o que vai funcionar. Essa recomendação acaba até indo contra o nosso negócio. Mas é isso mesmo. Até um cachorro, dependendo do caso, é mais eficiente que um alarme”, comenta Bonetti.
Sambugaro, da Gateway, concorda. “Não mais que 15% do varejo faz prevenção de perdas. O número tem evoluído, mas na Índia, por exemplo, esse índice é de cerca de 70%. Das perdas internas, 60% a 70% ocorrem no caixa, por negligência, conivência ou malversação.” Dos dados mais recentes sobre o assunto, coletados pelo Programa de Administração de Varejo (Provar), o furto externo é responsável por 20,4% das perdas, e o interno por 20,1%. São os dois maiores índices de perdas depois da quebra operacional (30,9%).
“Um dos pilares que sustentam um programa de redução de perdas são as tecnologias”, afirma o gerente de prevenção de perdas do Russi Supermercados, Marcelo Tavares. “Integram a perda total basicamente dois componentes: a perda conhecida e a desconhecida. Há três anos, desde o início do nosso programa de redução de perdas, já conseguimos reduzi-las em 39,8%. Podemos concluir que cada vez mais a área de prevenção de perdas deve ganhar corpo dentro das organizações, tornando-se um elemento estratégico no desenvolvimento. Seu leque de atuação é cada vez mais amplo e os horizontes de oportunidades são gigantescos.”
Benefício adicional
A Caedu, rede de moda feminina, masculina e infanto-juvenil, com 23 lojas na Grande São Paulo e interior do estado, é exemplo de empresa varejista que passou a investir em gestão de prevenção de perdas e já planeja usar os recursos de CFTV também para gestão de visual merchandising, uma aplicação ainda pouco explorada no País. “Ainda não usamos CFTV para gestão de marketing, mas a ideia é que se evolua para isso. Por exemplo, se há fila grande no caixa ou se determinado manequim ficaria melhor em outro lugar da loja, o diretor operacional de visual merchandising poderia acompanhar essas situações de seu posto de trabalho. Mas para isso é preciso navegar em link exclusivo. A partir de janeiro, a ideia é que alguns diretores operacionais já possam contar com o sinal em suas estações de trabalho”, afirma o gerente de auditoria de prevenção de perdas Carlos Landi.
“A primeira coisa que fiz foi botar para funcionar todo o equipamento que existia, seguindo um plano de segurança. Além disso, havia situações como um gerente usando a senha de outro para desativar o alarme e abrir a loja pela manhã. Isso acabou. Agora cada diretor ou gerente tem sua senha”, conta Landi, que tem 13 anos de experiência na área e foi contratado no começo de 2011 com o objetivo de elaborar um plano de segurança para as 25 lojas atuais.
Dessas 25, três receberam equipamentos de ponta da Gateway para os sistemas de CFTV e de antenas e etiquetas antifurto. Outras duas lojas, a serem inauguradas em novembro, contam com os mesmos equipamentos. “Os planos são de investir nas 22 lojas restantes, que têm nível mediano de segurança, conforme a disponibilidade de recursos”, diz. Todas as novas câmeras são IP e parte delas é do tipo speed dome, que gira 360? e tem zoom potente.
Landi ressalta, porém, que a cultura de prevenção de perdas é o principal ponto do projeto. “Um conluio de três a quatro pessoas quebra qualquer sistema de segurança. Então o foco é preparar os funcionários, dar premiação e incentivo para que sigam as regras. Desse modo, quem não as segue se destaca automaticamente”, explica Landi.
Outro item importante é a contagem de produtos através de inventários. Um já foi realizado na gestão de Landi e o segundo está previsto para fevereiro. “Se conseguirmos 40% a 50% de diminuição de perdas, já pagamos o investimento”, afirma, sem revelar valores. O grau de satisfação com o trabalho de prevenção é visível entre os diretores da empresa, diz Landi, que já ajudou a revelar pelo menos seis casos graves de furtos internos, no caso, dinheiro.