Ao examinar as suas pegadas, um homem não gostou do que viu. Incomodado, começou a acelerar o passo. Porém, quanto mais acelerava, mais marcas deixava impressas no chão. E como não se orgulhava do que via, tratava de ir ainda mais depressa, querendo se afastar o quanto antes de seus próprios feitos. Foi assim que a pressa entrou em sua vida e foi assim que a vida passou tão depressa que nem deu tempo do homem desfrutar essa vivência. Nem deixar as suas melhores pegadas. Só restaram rastros passageiros, rapidamente apagados e esquecidos.
É sutil a diferença entre rastros e pegadas. Ambos são vestígios, mas de diferentes sinais. Eles falam mais sobre nós do que os nossos discursos. Para saber quem uma pessoa verdadeiramente é, melhor levar menos em conta o que ela diz a respeito de si mesma e das suas intenções e considerar o que realiza, os sinais e marcas que deixa, depois de ter passado. São as suas pegadas, o seu legado.
Vale para as pessoas, igualmente para as empresas e os negócios.
Negócios vãos
Para muitos, o trabalho é um meio provedor de vida. Nada muito além de um jeito de assegurar o pão de cada dia. Esse entendimento, estendido aos negócios (e negócios não são mais do que projeções dos modelos mentais de seus empreendedores e líderes), gera empresas cujo propósito é o de sobreviver.
Não são poucos os líderes que conduzem seus negócios concentrados apenas na luta pela sobrevivência. Vendem o almoço para pagar o jantar. Ganham em um semestre o que perdem em outro. E não conseguem sair dessa roda-viva. Olham para fora e culpam a economia e o mercado, a competição predatória e as pessoas, sejam elas clientes ou empregados, fornecedores ou financiadores.
Diante da competição desenfreada e do foco insano no afã de sobreviver, é muito tentador flexibilizar a ética e a estética. É nesse resvalo que as pegadas se transformam em rastros deformados e superficiais, nada que empolgue nem cause admiração em quem os vê. São marcas que não atraem bons seguidores, sejam eles clientes ou colaboradores. Não constroem negócios bem-sucedidos e perenes. Nada que ficará na história ou que seja razão de orgulho para os herdeiros. São negócios que vão do mesmo jeito que chegam. Negócios vãos.
Pegadas e legados
Consultei o Houaiss e ele define legado como o que é transmitido às gerações que se seguem. Oras! Quem vive o sustento e a sobrevivência fica estagnado no imediatismo, não pensa em futuro nenhum, muito menos nas futuras gerações. Quer salvar o seu e salvaguardar o que conquistou. Não pensa em legado nem está interessado nas pegadas que deixa. Vive o efêmero e o superficial.
Essa visão de curto prazo tem criado empresas atrofiadas, que nada pensam e nada criam, embora sejam muito eficientes em se defender de ameaças reais e imaginárias. Jogam bem na retranca, mas sem lances criativos em busca do gol. No final, perdem todos os campeonatos.
O mundo dos negócios pode ser visto, entretanto, como um ambiente recreativo, e o mercado como um lugar onde tudo ainda está para ser feito. São muitas as necessidades, tantas as demandas, várias as oportunidades. Mas esse universo de possibilidades só é enxergado por quem tem em mente uma pegada, um legado a deixar. Sim, porque não existe realidade objetiva. A realidade depende do ângulo de visão. A realidade vista na pressa de quem só deixa rastros é muito diferente da realidade vista a partir da serenidade de quem deseja deixar a sua melhor pegada.
Quem caminha apressado anseia por alcançar algo que supõe estar do lado de fora. Faz do trabalho uma maratona sem propósito, que resulta apenas em rastros de sangue, suor e lágrimas. Quem pensa deixar um legado coloca o coração na frente e o segue. Esse coração é representado pelo desejo de realizar algo, de contar uma história, de sentir orgulho da sua obra, de trazer outras pessoas para que todos, juntos, cruzem a mesma linha de chegada. O que essa pessoa tem dentro de si ela deixa por onde passa, a cada passo, na forma de pegadas. E muitos são os que querem seguir essas pegadas, caminhar juntos, participar da mesma andança, compartilhar o mesmo legado.
Faça a pergunta certa
Quando a preocupação é só com o sustento, logo se imagina a recompensa financeira. Existe uma relação direta entre uma coisa e outra. Quando se pensa em negócios, o que vem à mente é a riqueza econômica. Aqui também existe uma relação direta. Nessa visão simplificada, a pergunta geralmente feita é: como fazer para tudo funcionar e dar certo? Na busca do que funciona, troca-se o “porque” pelo “como”, o que importa pelo que funciona, os fins pelos meios. É nesse descuido que as pegadas se transformam em rastros.
Em vez de sair a esmo em busca do que funciona, pense no que verdadeiramente importa. Isso pode mudar o curso da história. Tem o dom de preparar um novo futuro. O que verdadeiramente importa? Qual a pegada que você gostaria de deixar? Estas são as perguntas certas!
Para isso é preciso crer para ver. É difícil enxergar um legado quando não acreditamos que ele possa existir. Quando acreditamos, somos capazes de encontrar sem que seja preciso procurar. E, quanto menos esperamos, transformamos esse legado em pegadas, um traço único na forma de caminhar.
O legado é e sempre será moldado por essa fé, capaz de promover os valores humanos, do que contribui com o mundo e ajuda na construção de uma obra maior. A recompensa financeira e econômica é e sempre será decorrência, nunca o propósito.
O que funciona em nada garante o que verdadeiramente importa; mas o que importa tem o poder de aumentar muito a eficácia do que funciona. Os vestígios serão decorrentes dessa escolha e decisão. Ficarão rastros ou pegadas. Uns cobertos imediatamente pela poeira, tal qual um lápis branco que rabisca uma folha da mesma cor. Ou então inconfundíveis marcas para a eternidade.