A difícil tarefa de ser empresário no Brasil

É oportuno apontar as agruras por que passam os empresários em nosso País. Excesso de leis e de tributos geram um ambiente hostil ao empreendedor, constituindo severo entrave ao desenvolvimento nacional. É nesse contexto que o STJ, responsável por uniformizar a interpretação da lei federal em todo o Brasil, vem tentando construir um ambiente de segurança jurídica com a edição de diversas súmulas no campo do direito empresarial e também no tributário. Todavia, nem sempre de forma feliz.

Recentemente, o STJ editou a Súmula nº. 435, visando a encerrar grande celeuma doutrinária e jurisprudencial. Eis seu teor: “Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente.”

A súmula sedimenta entendimento do tribunal fundado em interpretação do art. 135 do CTN, que trata da responsabilidade pessoal, entre outros, do diretor ou sócio-gerente pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos.

Quem já tentou encerrar uma empresa em nosso país conhece as dificuldades e o perigo que essa súmula representa. Com efeito, pelo menos no caso do pequeno empresário, a regra revelada pela experiência cotidiana é que, diante do insucesso da empresa ou da perspectiva nebulosa que se lhe apresenta, o empreendedor simplesmente feche as portas e deixe de prosseguir com a empresa, sem qualquer comunicação à Junta e à Receita. Isso é muito comum, e se deve não apenas ao custo inerente ao procedimento (a infinidade de guias, as sempre polpudas multas e o tempo e a paciência despendidos), mas, sobretudo, ao fato de que, no Brasil, a dissolução extrajudicial somente se faz possível após o integral cumprimento das obrigações tributárias pela sociedade e pelos sócios responsáveis.

Ora, não é difícil concluir que se o empresário encontrou dificuldades para prosseguir com seu negócio, também haverá de enfrentar dificuldades em satisfazer a ânsia do Fisco, ainda mais com nossa carga tribuária.

Pois agora, com a súmula, consolidou o entendimento de que o empresário que simplesmente fecha suas portas terá que enfrentar a presunção de que dissolveu irregularmente sua empresa, o que autoriza o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente. Cabem aqui algumas ponderações.

A súmula tem o mérito de fazer referência a “sócio-gerente”, afastando a responsabilização do sócio que não influenciava no desenvolvimento das atividades da empresa ao tempo da dissolução.

Além disso, é imprescindível que se considere, como o próprio STJ vem fazendo, ser incabível, em nosso ordenamento, a figura da responsabilidade objetiva, isto é, o fato da dissolução irregular acarretar o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente não implica que este necessariamente será condenado ao pagamento. Não: apenas se, de fato, tiver agido com dolo, culpa, fraude ou excesso de poder na forma do art. 135, III, do CTN é que será condenado. A súmula explicita, todavia, que é ônus dele, sócio-gerente, ilidir a presunção que agora pesa contra si. Deverá ele, portanto, fazer a prova (nesse sentido: AgRg no REsp 1091371/MG, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/10/2010, DJe 05/11/2010).

Dito de outro modo, a presunção de que estamos tratando é relativa – comporta prova em sentido contrário.

Por fim, por mais que esteja implícita a ideia, nunca é demais ressaltar: estamos falando da possibilidade de “redirecionamento” da execução fiscal, o que significa, por óbvio, que o Fisco deve sempre tentar obter a satisfação de seu crédito, de início, da própria sociedade, que é a devedora-principal.

Seja como for, súmulas como esta demonstram que nem diante do insucesso retumbante da empresa está o sócio protegido. Bem ele, que constituíra a sociedade para proteger seu patrimônio. É de se indagar se essa tendência em se procurar satisfazer o Fisco, sob todas as formas, é salutar para nossa economia. Afinal, inegável o desestímulo que posicionamentos como esse trazem a milhares de empreendedores em todo o Brasil, que não conseguiriam dissolver regularmente suas empresas nem se quisessem, ante a infinita burocracia reinante: comunicação à receita, ao Município, ao Estado, ao FGTS, ao INSS…

A centralização e simplificação desse procedimento de extinção desagradam a quem?

Ricardo Castilho é pós-Doutor em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); doutor em Direito das Relações Sociais pela PUCSP; diretor-presidente da Escola Paulista de Direito (EPD); autor de várias obras jurídicas publicadas pelas editoras Atlas, RT e Saraiva; Titular do Escritório Castilho Advogados & Associados.

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