por Mariana Rosa (mariana@empreendedor.com.br)
O Brasil é hoje um dos principais polos de atuação de empresas juniores (EJs) no mundo, e já supera o número de iniciativas do tipo na Europa, continente que foi berço do MEJ (Movimento Empresa Júnior), fundado em 1967 em Paris, e conta com 240 empresas confederadas. Os pequenos e microempreendedores correspondem, respectivamente, a 10% e 68% do público que procura as empresas juniores no País, segundo levantamento da Brasil Júnior (Confederação Brasileira de Empresas Juniores). Embora menos representativas, com fatia de 1% na demanda, as grandes empresas também têm buscado a opção. De acordo com o presidente da confederação, Ryoichi Penna, a procura se deve à oferta de serviços que as grandes consultorias não cobrem e, também, à aproximação com o público que integra as equipes, visto como mão de obra qualificada para futuras contratações.
A Empresa Júnior PUC-Rio, por exemplo, teve 19 clientes de grande porte desde 2001, quando realizaram uma pesquisa de mercado para a instalação da rede mexicana Domino’s no Rio de Janeiro. Nos últimos dois anos, também foram prestados serviços como mapeamento de processos, manual de competências, identidade visual, produção de peças e hotsite para Ambev, Petrobrás, Merk Group, Souza Cruz e Grupo Trigo. Para o presidente, Luiz Henrique Resende, um dos motivos pela procura é o renome da instituição de ensino e a confiança conquistada ao longo do tempo da EJ no mercado, que foi fundada em 1995 e soma mais de 700 trabalhos em diversas áreas. A equipe conta atualmente com cerca de 30 alunos de sete cursos diferentes que se dedicam a projetos de finanças, processos, marketing, web, design e audiovisual.
Apesar de ter o preço um pouco mais elevado em comparação a outras EJs, por remunerar os alunos, a alternativa ainda compensa em relação ao mercado tradicional segundo Resende. No caso da formatação de plano de negócios, que é o trabalho mais feito, o custo varia entre R$ 7 mil e R$ 20 mil de acordo com o porte do empreendimento. A maior demanda da equipe hoje, no entanto, é para construção de marca. O serviço foi aprovado pelos sócios da padaria e confeitaria portuguesa Arte Conventual, no Rio de Janeiro. “Ajudaram a criar a marca desde o zero. Obviamente, eles têm uma fatia no sucesso do negócio. Repassamos a proposta e eles compreenderam”, afirma o empreendedor português Luís Santos, que inaugurou o estabelecimento há cerca de dois anos junto aos sócios Rodrigo Castelão, também português, e ao brasileiro Adaílton Fonseca.
A equipe da Empresa Júnior PUC-Rio elaborou a identidade visual da marca, as embalagens dos produtos, a pesquisa de mercado e o plano de marketing, que inclui o desenvolvimento do site. Segundo Santos, independentemente de uma possível economia, o que motivou a preferência pela empresa júnior em relação a outras empresas consultadas foi o fato de a equipe ter passado confiança para a execução do que tinham em mente para o negócio.
Da mesma forma, a empreendedora Claudete Felice, proprietária de uma clínica odontológica em São Paulo considerou a FEA Júnior USP, empresa júnior ligada à Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo, a melhor opção para melhorar seu negócio. Claudete tinha uma experiência de 10 anos integrando uma franquia e quando decidiu reformular a proposta para um empreendimento próprio, teve dificuldade para contratar uma consultoria, devido ao porte do negócio, que não se enquadrava no faturamento mínimo requisitado pela maior parte das empresas que prestam o serviço. Com a ajuda da empresa júnior, a empreendedora conseguiu estabelecer seu modelo de negócio, o que muitas vezes é um desafio neste segmento. “Falta na área de saúde a noção de gestão, de planos de venda e de modelo de negócio”, afirma Claudete.
Experiência
A FEA Júnior é uma das pioneiras no Brasil com 24 anos no mercado e equipe de 89 alunos. Voltada a pequenos e médios empreendedores, que desejam abrir ou melhorar aspectos do seu negócio, a empresa realiza, em média, 15 projetos de consultoria júnior por ano, com foco em serviços de gestão, plano de marketing e plano de negócios. Há também uma segunda área de atuação, de promoção de eventos universitários de empreendedorismo e sociais, estes realizados em parceria com ONGs. No ano passado, a empresa registrou um crescimento de 21%.
Todo o faturamento é reinvestido na capacitação dos alunos e na empresa, que não possui fins lucrativos. Para a presidente, Ana Luísa Laginha, que cursa o terceiro ano de Administração e se dedica à equipe há dois anos, o principal benefício da experiência é o contato direto com o mercado de trabalho e com os clientes. “Temos liberdade para opinar sobre os rumos que a empresa vai tomar e quais estratégias seguir”, afirma Ana Luísa, ressaltando a autonomia em relação aos estágios remunerados.
A independência também é considerada uma das principais vantagens para Ewerton Cardoso, diretor de marketing da Esag Júnior, empresa ligada à Udesc (Universidade do Estado de Santa Catarina) fundada em 1993 pelos alunos do Centro de Ciências da Administração e Socioeconômicas (Esag). “Muitas vezes, minha função era limitada, não havia preocupação com o meu desenvolvimento. Aqui tenho um ambiente de trabalho muito melhor porque atuamos em conjunto para alcançar um propósito comum”, avalia Cardoso que cursa o terceiro ano de Administração de Empresas e passou por três estágios antes de ingressar na equipe. Com mais de 200 projetos realizados, a empresa júnior foi a primeira no Brasil a receber o certificado de qualidade ISO 9001, concedido em 2008, e mantém uma média de 93% de satisfação dos clientes nos últimos anos.
O reconhecimento também dá mostras na procura dos clientes pelos serviços da empresa. “Até 2013, não tínhamos prospecção ativa. Este ano, a demanda cresceu 45%”, afirma o presidente da Esag Júnior, Luís Felipe Marconcini. Segundo o estudante, que cursa o último ano de Administração de Empresas, os serviços são procurados por uma gama variada, que conta inclusive com grandes marcas da região como o grupo de comunicação RBS e a rede de confecção Hering.
A atual gestão pretende, no entanto, focar o atendimento a pequenos empreendedores, clínicas e restaurantes, que são o principal público atualmente. “Notamos uma oportunidade de mercado nestes segmentos que já representam 36% dos projetos que realizamos este ano”, afirma Marconcini. Nos últimos quatro anos, a receita da empresa dobrou, chegando, em 2013, ao faturamento de R$ 97,5 mil – valor que é reinvestido na estrutura da empresa e capacitação da equipe, sem remuneração dos membros. O crescimento é resultado de uma série de ações de marketing desenvolvidas pela equipe nos últimos anos. Visando melhorar ainda mais a visibilidade no mercado, será fechada, no próximo semestre, uma parceria com a Comunica!, empresa júnior do curso de Jornalismo da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), que atua desde 2010. A Comunica! fará a assessoria de imprensa em troca do desenvolvimento de um plano de marketing pela Esag Júnior.
Por dentro da lei
Entra em votação este mês, na pauta do Senado, o Projeto de Lei 437/2012, que regulamenta a atuação das empresas juniores. Segundo Ryoichi Penna, o presidente da Brasil Júnior, o objetivo é legitimar a atividade e dar segurança jurídica às EJs. De acordo com o texto do projeto, que já foi aprovado na Comissão de Educação do Senado, as EJs terão que se adequar ao conceito do MEJ, segundo o qual as empresas devem ser constituídas como associação sem fins lucrativos e reinvestir toda a receita na capacitação dos membros, sem remuneração individual. Também é estabelecido que o preço cobrado seja de 30% a 50% menor do que o praticado no mercado.
A presidência da Empresa Júnior PUC-Rio, que não é federada à Brasil Júnior, considera que o não pagamento dos membros vai de encontro ao princípio da empresa de manter um ambiente de trabalho intenso e empresarial. “Os alunos gastam com transporte, almoço e jantar, esforços que nossa carga horária exige. Portanto, independente do surgimento dessa nova lei, continuaremos remunerando os membros com uma postura de ajuda de custo e não como ‘salários’”, afirma Luiz Henrique Resende, que considera que a condição tornaria a oportunidade participação na equipe algo elitista. “Acreditamos que uma burocracia não pode impedir que os alunos interessados tenham acesso à EJ, e que nem deixaremos de ser uma EJ, principalmente porque a prioridade é a proposta e porque estamos aqui.”
Uma vez aprovada, a legislação deve fortalecer o modelo de empresa júnior praticado no Brasil que, nos últimos anos, foi implementado em países como Estados Unidos, Canadá, México, Chile e Peru. A iniciativa integra um programa de cooperação entre a Brasil Júnior e a Jade (Confederação Europeia de Empresas Juniores) para a expansão internacional do MEJ.