A farmacêutica Betina Griehl Zanetti Ramos, quando criança, brincava fazendo experimentos com água e plantas. E os gêmeos Rafael e Gabriel Bottós ficavam horas admirando – como se hipnotizados – o equipamento a laser do consultório oftalmológico de seu pai. Eles cresceram sem perder a curiosidade e o gosto pela área científica. Das pesquisas de pós-graduação, Betina criou a Nanovetores, empresa que desenvolve e produz ativos encapsulados de alta tecnologia.
Os irmãos, que na faculdade de engenharia ajudaram a fundar um laboratório de processamento a laser para desenvolver um projeto inovador de solda, hoje estão à frente da Welle Laser, líder no País em marcação a laser. Já Roberto Zagonel abriu uma oficina de conserto de eletrodomésticos e equipamentos elétricos, a Eletro Zagonel, após um curso técnico no Senai, e depois de cinco anos de muita pesquisa lançou a Ducha Master Eletrônica, produto que revolucionou o mercado de chuveiros – e que lhe rendeu o prêmio Inventor Inovador da Finep em 2009. E o escultor José Guerra largou seu ofício para, por mais de 20 anos, como autodidata, dedicar-se à síntese pura de aminoácidos. O devotamento valeu a pena. As experiências deram origem à LBE Biotecnologia e resultaram no Green Factor, solução que faz as plantas captarem nitrogênio diretamente do meio ambiente, substituindo o uso de fertilizantes nitrogenados.
Mas não precisa de um gênio para uma empresa ser inovadora. “A inovação em uma organização tem que ser um processo sistêmico e contínuo, independe de um espírito criativo único”, diz o superintendente do Instituto Euvaldo Lodi em Santa Catarina (IEL/SC), Natalino Uggioni. É o caso da WEG, uma das maiores fabricantes de motores elétricos do mundo, que investe 2,5% do faturamento líquido em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) e conta com uma equipe multidisciplinar de aproximadamente 500 profissionais na área. Outro exemplo é a Embraco, líder mundial em compressores herméticos para refrigeração, que tem a inovação como estratégia desde sua fundação, em 1971, e atualmente aplica de 3% a 4% da receita anual em P&D. Já a Zen criou, há dois anos, um departamento próprio de P&D, no qual aplica de 5% a 7% do faturamento.
Além de inovadoras, o que estas empresas têm em comum? Todas estão sediadas em Santa Catarina. “O estado ocupa uma posição de destaque no País quando o assunto é inovação”, afirma o superintendente geral da Fundação Centros de Referência em Tecnologias Inovadoras (Certi), Carlos Alberto Schneider.
Um levantamento recente, o Ranking de Gestão dos Estados Brasileiros, elaborado pela Economist Intelligence Unit, consultoria ligada ao grupo da revista The Economist, classifica Santa Catarina como o quarto estado mais propício à inovação e o quinto melhor ambiente de negócios do Brasil. Acima estão estados maiores – São Paulo, Rio Grande do Sul e Paraná – e o Rio de Janeiro, sede de duas das maiores companhias do Brasil, a Petrobras e a Vale do Rio Doce. “Também se destacam o polo aeroespacial de São José dos Campos (SP), o Centro de Estudos e Sistemas Avançados de Recife (Cesar), na capital pernambucana, o Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coope), no Rio de Janeiro, e a Embrapa, com unidades por todo o País”, acrescenta Schneider.
Competitividade
No geral, entretanto, a indústria brasileira é pouco inovadora. Um indicador é o último relatório anual da Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI), vinculada à Organização das Nações Unidas (ONU), que aponta o Brasil em penúltimo lugar entre 20 países analisados, com 41.453 patentes válidas. O ranking é liderado pelos Estados Unidos, com 2,2 milhões de patentes, seguido pelo Japão, que tem 1,6 milhão, e pela China, com 875 mil. Outro fator é o volume de investimento em pesquisa e desenvolvimento feito pela iniciativa privada, segundo dados do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação: 0,55% do PIB é aplicado pelas empresas brasileiras, enquanto as coreanas, por exemplo, investem 2,68%. Lá o setor privado é responsável por 73% dos investimentos em P&D, enquanto aqui arca com 47%.
O resultado é perda de competitividade. De acordo com o Índice de Competitividade Mundial 2014, elaborado pelo International Institute for Management Development (IMD), o Brasil cedeu espaço no cenário internacional pelo quarto ano consecutivo e agora ocupa o 54º lugar, na frente apenas de Eslovênia, Bulgária, Grécia, Argentina, Croácia e Venezuela. No Ranking Global de Competitividade, divulgado no dia 3 de setembro pelo Fórum Econômico Mundial, o Brasil ocupa a 57ª posição – é um dos países que mais perderam competitividade nos últimos anos: em 2012, estava na 48ª colocação.
Na contramão da maioria, as empresas inovadoras seguem competitivas no exterior, apesar do elevado custo Brasil. Aquelas que conseguiram disseminar a cultura da inovação por toda sua estrutura, estabelecendo a busca constante pelo novo e entendendo o erro como parte do processo, vão além: não precisam disputar mercado, elas criam novos nichos a partir de inova ções disruptivas. Um exemplo é a multinacional Embraco, que já no lançamento de seu primeiro compressor de tecnologia própria destacou-se pelo volume reduzido do equipamento.
Seguiu se diferenciando pelas tecnologias de baixo consumo de energia e agora novamente quebra o paradigma do tamanho ao anunciar a produção do Wisemotion, que tem a mesma altura de um smartphone. Este perfil, observa Schneider, é verificado com mais frequência em empresas menores, como as catarinenses Photonita, Nano, Reason, Sábia e Nexxera. Essa última desenvolve soluções de ambiente eletrônico de negócios para instituições financeiras e mercantis e, a primeira, sistemas ópticos avançados. A Nano produz dispositivos médicos minimamente invasivos, um dos quais inovou o tratamento endovascular da doença aneurismática da aorta, e a Reason atua com soluções de alto valor agregado para o sistema elétrico e industrial. A Sábia oferece softwares e equipamentos para sensibilização, capacitação, colaboração e sensoriamento de trabalhadores nas indústrias.
O ganho de competitividade pela inovação não é privilégio das empresas de base tecnológica. Segmentos tradicionais, aliás, só têm a ganhar com melhorias de materiais, design e processos que resultem em maior produtividade e qualidade. Uggioni lembra o caso do Santa Catarina Moda e Cultura (SCMC), movimento criado por um grupo de empresários catarinenses do ramo têxtil preocupados em mudar o foco da quantidade para a qualidade, agregando valor aos produtos. Outro exemplo é a Malwee que lançou, no ano passado, roupas com cápsulas hidratantes que em contato com a pele liberam partículas que hidratam o corpo e duram até 20 lavagens – tecnologia desenvolvida pela Nanovetores.
Um caminho para segmentos tradicionais introduzirem inovações em seus negócios é justamente a parceria com empresas de base tecnológica. A agroindústria registrou avanços significativos de produtividade e qualidade do produto nas granjas de suínos ao utilizar soluções e modelos de gestão da informação desenvolvidos pela Agriness, de Florianópolis, hoje aplicados em quase 10 países. Também da capital de Santa Catarina é a Audaces, reconhecida mundialmente como uma das principais desenvolvedoras de tecnologia para o segmento de confec ção, muito forte no estado. Com soluções simples para resolver grandes problemas, possui clientes em mais de 70 países e é líder de mercado na América Latina.
Receita local
Algumas particularidades socioeconômicas e até geográficas de Santa Catarina ajudaram as empresas catarinenses a ultrapassarem divisas e fronteiras. Segundo Uggioni, o estado possui economia forte e diversificada, com setor industrial bem distribuído por suas regiões. Outra característica, recorda Schneider, é que Santa Catarina não tem tradição em indústria de base, seu forte é a manufatura. “Essa indústria tem que inovar, precisa introduzir inteligência em seus produtos, senão morre”, sentencia. Uma qualidade distinta, na opinião do superintendente do IEL/SC, é a presença de universidades fortes e de uma rede de ensino técnico, representada principalmente pelo Senai, por todo o território. “A Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) está por trás deste perfil, atuando há mais de 50 anos na formação de pessoas e geração de conhecimento”, afirma o superintendente da Certi, fundação que, não por acaso, nasceu dentro da UFSC.
Na década de 1980, cresceu em todo o Brasil um movimento de incentivo ao segmento de base tecnológica, com a criação de incubadoras e o estabelecimento de políticas locais de desenvolvimento. Para o presidente da Associação Catarinense de Empresas de Tecnologia (Acate), Guilherme Stark Bernard, foi neste momento que surgiu o grande diferencial em relação aos outros estados. Enquanto no restante do País buscou-se a instalação de grandes indústrias-âncora, em Santa Catarina houve fomento à criação de pequenas empresas. São resultados dessa política a Reivax, que desenvolve sistemas pioneiros – em nível mundial – de controle de energia desde 1987; a Softplan, criada em 1990 para elaborar softwares de gestão, especialmente para a área pública, atualmente presente na América Latina e nos Estados Unidos; e a Cianet, fundada em 1994 por três estudantes de engenharia com duas patentes de privilégio de invenção na área de redes de comunicação de dados, hoje referência em equipamentos para banda larga e ultralarga. “A proximidade, naquela época fundamental, ajudou a criar sinergia entre os empreendimentos inovadores, gerando novos negócios e fortalecendo o segmento por meio do associativismo”, afirma Bernard.
As belezas naturais não podem ser descartadas dessa lista, e hoje a qualidade de vida existente no estado ajuda a manter empreendedores em seu território e a atrair empresas inovadoras para ele, acrescenta Bernard. Santa Catarina possui Índice de Desenvolvimento Humano (IDH-M) de 0,774, o terceiro melhor do Brasil, atrás do Distrito Federal e de São Paulo, e três municípios catarinenses estão entre os 10 melhores do País: Florianópolis, em terceiro, com IDH-M de 0,847 (a capital mais bem colocada); Balneário Camboriú, em quarto, com 0,845, e Joaçaba, em oitavo, com 0,827. Todos esses fatores, somados ao crédito e outros incentivos disponibilizados pelo governo local nos últimos anos, já conquistaram empreendimentos como a LBE Biotecnologia, agora com sede em São José, mas originalmente instalada no interior paulista, assim como a Novaer Craft, tradicional fornecedor de soluções avançadas de design e engenharia para a indústria da aviação e que se transferiu de São José dos Campos para Lages, onde fabricará seu primeiro modelo de aeronave. Até mesmo a gigante alemã BMW não resistiu aos encantos dessa terra e está erguendo uma unidade de montagem em Araquari.
“Mas ainda há muito a crescer”, afirma Uggioni. Segundo Schneider, há um esforço de melhoria por parte da maioria das empresas, mas quem mantém um sistema constante de investimentos em pesquisa e desenvolvimento é um grupo menor. Em 2012, menos de 10% dos empreendimentos catarinenses que se enquadravam na Lei do Bem solicitaram o benefício fiscal. Outro indicativo, aponta o superintendente do IEL/SC, é que muitos projetos solicitando recursos não reembolsáveis são encaminhados à Finep, mas poucos têm obtido aprovação.
Novo fermento
Para mudar esse quadro, o Sistema Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina (Fiesc), do qual o IEL/SC é integrante, procura intensificar e estabelecer a cultura da inovação em mais empresas. “Temos que trabalhar na esfera pensante, mostrar que quem busca inovar de forma sistemática, com capital próprio e crédito reembolsável – que tem uma das taxas mais atrativas do mercado – acaba captando mais recursos não restituíveis”, diz Uggioni. Segundo ele, todos os pedidos de fundos reembolsáveis elaborados com a ajuda da instituição (o IEL/SC presta esse serviço) foram atendidos. Outra estratégia é demonstrar que a indústria precisa de ajuda, não precisa fazer tudo sozinha. A Fiesc faz a ponte entre as demandas das empresas e as soluções existentes nas universidades e institutos de pesquisa do Brasil e do exterior, e também com outro braço do sistema, o Senai/SC. A instituição, que além da área de ensino atua na oferta de serviços de apoio à inovação e à tecnologia, contará em breve com três institutos de inovação e sete de tecnologia, um investimento de R$ 174 milhões por parte da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
A Fundação Certi encontra-se exatamente no segundo lado da ponte. Há 30 anos ajuda a introduzir inteligência nos produtos, com papel relevante em áreas como automação bancária, TV digital e instrumentação médica. A novidade é que a Certi acaba de ser credenciada como uma das 10 unidades da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii). “Agora teremos recursos garantidos, isso vai agilizar todo o processo”, comemora Schneider. Resultado de uma parceria dos ministérios da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e da Educação (MEC) com a CNI, a Embrapii visa fomentar projetos de inovação em processos e produtos que sejam desenvolvidos em conjunto por empresas e instituições de pesquisa tecnológica, financiando parte significativa com fundos não reembolsáveis. A Certi, selecionada entre 50 propostas, será referência em sistemas inteligentes. Outra unidade credenciada em solo catarinense é o Laboratório de Pesquisa em Refrigeração e Termofísica da UFSC, tradicional parceiro da Embraco.
Na Acate, a estratégia é a intensificação da sinergia entre as empresas via associação à entidade e, principalmente, participação em verticais (grupos de empreendimentos que atendem o mesmo segmento). Atual mente a Acate conta com aproximadamente 600 associadas, sendo que pelo menos 100 delas participam de uma ou mais das 12 verticais existentes. “O empresário precisa entender que relacionamento é muito importante, é a chave de muitos negócios”, diz Bernard. Segundo ele, nesses ambientes há troca de experiências e é comum surgirem parcerias, ou uma empresa utilizando os produtos e serviços de outra, ou somando soluções para ser mais completo e competitivo, ou simplesmente abrindo portas de clientes, indicando caminhos.
Mas de nada adianta tudo isso se o cliente não perceber o valor da inovação, alerta Bernard. Segundo ele, as empresas precisam adotar estratégias de mar-keting específicas para seus segmentos, aprofundando o relacionamento com compradores e apresentando as vantagens técnicas em eventos e outras oportunidades. “Uma empresa precisa saber quem é seu cliente inovador”, afirma. Outro conselho é pensar globalmente e buscar espaço no mercado internacional de forma gradual. A indústria catarinense tem um perfil exportador, mas o ramo de tecnologia ainda não. Para o presidente da Acate, ainda existe um “preconceito tecnológico” em relação às soluções brasileiras, e uma medida que ajudaria a superar isso seria o governo privilegiar os empreendimentos locais em compras públicas de tecnologia.
Ao longo de sua história, principalmente das últimas quatro décadas, Santa Catarina construiu uma marca forte, que traz visibilidade às empresas locais e ajuda a abrir portas. “Em parte, já estamos vencendo o preconceito tecnológico”, afirma Bernard. Apesar de ocupar apenas 1,12% da área do País, responde por 4,1% do PIB nacional, a sexta maior contribuição, e apresenta o quinto maior PIB per capita. Um dos estados com maior participação da indústria no PIB local, é também um dos mais inovadores por metro quadrado. Criou-se assim um círculo virtuoso. A infraestrutura e a qualidade de vida que tanto atraem e retêm mentes e empresas brilhantes, só tendem a crescer com o retorno proporcionado por uma indústria não poluente que gera empregos qualificados e aquece o comércio e serviços da região. Santa inovação.