22|12|2011
A terceirização como estratégia de gestão entrou no Brasil, inicialmente, através das atividades de alimentação para os funcionários e segurança e vigilância. Nesses dois casos a teoria era compatível com a realidade. No caso da alimentação se justificava pelo fato de que a empresa precisava mobilizar uma equipe de compras para a aquisição de alimentos em vários fornecedores e nem sempre se conseguia preços equilibrados em função do pequeno volume de compra. Era o problema do poder do fornecedor de acordo com a teoria das cinco forças competitivas de Porter. Além disso, a área de recursos humanos, responsável pelo serviço, precisa dedicar boa parte do seu precioso tempo para discutir cardápios, reclamações dos funcionários etc. A segurança e vigilância por sua vez envolvia problemas como treinamento especializado da equipe, utilização de armas de fogo, escalas de turno, folgas etc.
Nos dois casos, as terceirizações funcionaram razoavelmente bem. Entregando a gestão dos restaurantes para uma empresa especializada, que conseguia, pelo alto volume de compras, adquirir produtos com preços reduzidos e ainda por cima livrando a empresa contratante de utilizar sua equipe de compras em atividades não focadas no negócio. A utilização do esforço gerencial e da equipe operacional, focado na atividade produtiva, realmente deu certo na maioria das vezes. Digo maioria das vezes porque, muitas empresas, a pretexto da terceirização, procuram reduzir de forma constante os custos das refeições, forçando os terceirizados a reduzir os padrões de qualidade para se ajustarem aos níveis dos custos exigidos pela empresa.
Por outro lado não podemos esquecer de que há sempre um conflito de interesses entre a empresa terceirizada e o seu contratante, pois a necessidade de ter lucro sobre o serviço prestado pode levá-la a degradar a qualidade, através da aquisição de produtos de qualidade inferior ou na gestão dos seus recursos humanos, contratando funcionários com qualificação insuficiente, gerando um turn-over elevado, que fatalmente resultará em prejuízos para os serviços prestados.
Além disso, ainda há outro problema preocupante. Ao contratar empresas por preços menores, que não geram margem de lucro compensadora, essas podem utilizar artifícios de compensação como a sonegação de impostos, dos encargos sociais e direitos trabalhistas, onerando indiretamente a contratante que pode ser envolvida como co-responsável em eventuais ações judiciais.
Com a segurança e vigilância, os problemas não são muito diferentes. Como são terceirizados, os funcionários não se sentem identificados com a organização e tampouco com seus valores e filosofia no tratamento dos visitantes, clientes e funcionários. Daí o constante conflito entre a equipe de segurança e a organização, pois a rotatividade é constante. Recordo-me de um caso em que a diretoria solicitou um estudo para a terceirização da segurança.
Para manter o padrão de qualidade preconizado pela empresa, os custos ficariam maiores do que os existentes com pessoal próprio e sem a garantia absoluta de que o serviço teria o mesmo padrão. Como a empresa exigia profissionais com a escolaridade mínima de segundo grau e benefícios próximos aos proporcionados aos funcionários efetivos, os custos incluindo a margem de lucro da empresa terceirizada tornaram o valor inviável.
Com a globalização econômica e a conseqüente necessidade de ter preços mais competitivos, muitas organizações partiram desesperadas em busca da redução de custos. A reengenharia, downsizing, terceirização etc. foram armas utilizadas para atingir as metas de redução constante dos custos. Nessa nova realidade, a terceirização saiu de suas áreas tradicionais para atividades diretamente vinculadas aos negócios das empresas.
Dessa forma, muitas organizações embarcaram neste tipo de solução, resultando na maioria das vezes em resultados pífios, com a perda da qualidade dos serviços, problemas gerenciais e perda da eficiência. A terceirização da área de logística foi um tipo de experiência que resultou num sonoro fracasso para muitas empresas e grande parte retornou ao sistema próprio, pois os atrasos nas entregas, reclamações de clientes e aumento nos custos não compensaram a mudança.
Os efeitos negativos podem ser muitos, como a ausência do controle sobre os padrões de qualidade dos serviços, a inexistência de identidade entre os funcionários terceirizados com a empresa contratante, problemas trabalhistas, conflito de interesses entre a contratante e a contratada entre outros. Assim, a estratégia de terceirização precisa ser muito bem planejada, analisando, em profundidade, a relação custo benefício em todos os elos da cadeia produtiva, além dos custos intangíveis que precisam ser identificados.
A terceirização, levando em consideração apenas a redução dos custos com pessoas, resulta em serviços de baixa qualidade, pessoas não comprometidas com os objetivos da empresa, ausência de identidade entre os trabalhadores e a organização, ausência de comunicação efetiva entre a empresa e os funcionários terceirizados, desconfiança dos funcionários próprios em relação à forma como os terceiros são tratados (um dia eu também posso ser um terceiro), clientes insatisfeitos, riscos trabalhistas e fiscais entre outros.
Como você vê os funcionários terceirizados? Essa pergunta feita para os funcionários de uma empresa que terceiriza várias atividades teve a seguinte resposta: “Parece um irmão rejeitado pela mãe. É muito triste”. Quando a terceirização envolve áreas não sensíveis para a empresa, que só atendem os funcionários, normalmente, passa despercebida, mas quanto envolve áreas mais críticas, como a logística, rapidamente a empresa percebe o engodo e trata de reverter a situação.
Terceirização precisa ser entendida na sua concepção original, que é retirar da empresa contratante os custos representados pelo esforço gerencial para com atividades que são acessórias ao negócio. Ao focar apenas na redução de custos, a empresa corre o risco de o tiro sair pela culatra, tornando-se mais problemas do que solução. O ideal é que a empresa contrate um terceiro, considerando que os custos diretos sejam praticamente os mesmos existentes, com os empregados terceirizados em condições de igualdade com os funcionários próprios. Isso fará com que eles tenham identidade com a empresa, sejam estáveis e se comprometam com os objetivos operacionais e estratégicos. Sem isso, terceirizar pode se tornar um pesadelo ou apenas a precarização das relações trabalhistas.
Renato Ladeia é professor do curso de Administração do Centro Universitário da FEI (Fundação Educacional Inaciana)