Por Estela Brunhara, Diretora de Consumer Behavior da FutureBrand São Paulo*
O consumo no Brasil de 2025 expõe um paradoxo curioso — típico de tempos complexos. As pessoas continuam emocionais, mas suas decisões estão cada vez mais racionais. De um lado, a inflação e o crédito caro pedem cuidado. De outro, o desejo por prazer, conexão e pertencimento não cede. Entre o bolso e a emoção, vai se desenhando uma nova forma de se relacionar com as marcas — menos encantada pelo discurso e mais guiada pela experiência real.
Durante décadas, a construção de marca se apoiou na história que se contava — no enredo capaz de provocar o sentimento certo antes mesmo da compra. Hoje, o eixo se inverteu. A emoção não vem mais antes: ela nasce da entrega. Quando o produto simplifica, o atendimento funciona e o design transmite confiança, o encantamento surge de forma autêntica. As marcas que entenderam isso descobriram que o verdadeiro valor simbólico não mora mais no que se promete, mas no que se cumpre. O que antes era storytelling, virou storydoing.
O discurso só faz sentido quando a prática o sustenta. Cada gesto concreto é uma prova viva de propósito. E o que realmente gera vínculo é essa coerência silenciosa — quase invisível, mas sentida. Apesar de um mercado de trabalho ainda aquecido, o poder de compra das famílias dá sinais de exaustão. O endividamento pesa, a inflação resiste e o ceticismo cresce. Nesse cenário, confiança não é mais um atributo desejável: é pré-requisito.
A transparência virou o caminho mais curto até ela. O consumidor não espera perfeição — espera coerência. Quando uma marca explica o porquê de uma mudança, compartilha bastidores ou reconhece seus limites, ela demonstra maturidade e humanidade ao mesmo tempo. A vulnerabilidade, quando comunicada com clareza, não é fraqueza. É o que humaniza. É o que aproxima. As pequenas marcas digitais entenderam isso rápido. Ao exporem seus bastidores, desafios e dilemas, transformam o que poderia ser ruído em narrativa de confiança. Tornam-se mais críveis justamente porque são imperfeitas — e reais.
Em meio ao excesso de estímulos, o consumidor busca menos status e mais sentido. O consumo volta a ser uma forma de expressão — um jeito de dizer quem somos e no que acreditamos. As pessoas compram marcas que traduzem seus valores e rejeitam as que soam incoerentes.
Por isso, construir relevância hoje exige operar em duas camadas ao mesmo tempo: a racional e a simbólica. A boa entrega funcional é só o começo. O significado é o que sustenta o vínculo. O valor nasce quando utilidade e identidade se encontram — quando a experiência é positiva e o que ela representa também é.
O desafio é eliminar fricções, criar fluidez e, ainda assim, provocar encantamento. A experiência fluida já é o mínimo esperado. O que diferencia é a memória que ela deixa. Marcas que entendem isso deixam de competir por atenção e passam a disputar algo muito mais difícil — e duradouro: relevância.
A emoção do futuro não se fabrica em campanhas. Ela se sente na entrega. É no cotidiano que as marcas ganham ou perdem confiança. Porque o verdadeiro poder simbólico não está mais no que se diz, mas no que se vive. Construir marca, no fim das contas, é transformar fatos em histórias que valem ser contadas. E talvez essa seja a forma mais bonita da nova emoção: aquela que nasce da verdade — e permanece porque foi vivida.
*Estela Brunhara é Diretora de Consumer Behavior da FutureBrand São Paulo, consultoria de branding do McCann Worldgroup/IPG. Socióloga de formação e curiosa por natureza, atua como pesquisadora há mais de doze anos, com um amplo repertório de metodologias e técnicas. Acredita que ter um olhar atento e ouvir as pessoas permite construir marcas mais conectadas com a sociedade e, portanto, à prova de futuro. É por esse motivo que sua motivação é ser ponte entre as pessoas e nossos projetos, trazendo suas vozes e demandas.



