Por Filippo Vidal, Sócio e Diretor da FutureBrand São Paulo*
O mercado automotivo brasileiro vive sua fase mais desafiadora e transformadora em décadas. Não estamos falando apenas de inovação tecnológica ou da chegada de novos players — o que está em jogo é uma reconfiguração completa da relação entre marcas e consumidores. Um estudo recente realizado pela Timelens em parceria com a Quatro Rodas revela um retrato detalhado dessa mudança e suas implicações.
O que está provocando tudo isso?
A pandemia expôs a fragilidade das cadeias produtivas e revelou o quanto o setor depende de tecnologia. Em paralelo, novas dinâmicas ganharam força. Isso inclui novos modelos de negócio que crescem rapidamente, como por exemplo ofertas por assinatura e compartilhamento; o desejo por experiências expandidas é impulsionado pela alta integração entre canais online e offline e pelo crescimento de soluções com foco em IA. Por fim, a eletrificação avança, com um expressivo número de buscas mensais por carros elétricos no Brasil.
Mas o cenário brasileiro adiciona duas camadas adicionais: a alta carga tributária e a forte expansão das montadoras chinesas, que ganham protagonismo em categorias estratégicas.
Mais de 96 milhões de conversas revelam o novo perfil do consumidor
A pesquisa da Timelens com a Quatro Rodas analisou 96,5 milhões de interações online nos últimos cinco anos. O resultado? Um salto de 29,2% das menções a carros, refletindo a vibrante transformação do setor. O que o brasileiro valoriza hoje? Em primeiro lugar, conforto (43,7k menções), seguido por segurança (42,9k) e tecnologia/conectividade (32,4k). Design (19,5k) e eficiência (10,7k) completam o ranking.
Nos últimos 5 anos, a busca pela palavra Conforto cresceu mais de 24,8% em relevância, enquanto Tecnologia, aumentou mais de 20%; e Segurança, por outro lado, caiu pouco menos de 25%, mostrando uma mudança de prioridade.
Entre todas as categorias, os SUVs lideram a transformação. De compactos a grandes, eles são vistos como sinônimo de tecnologia, design e status. A tecnologia é mais associada a SUVs (33%) do que ao mercado geral (22%). O Design é a principal troca feita pelo consumidor à medida que o SUV aumenta de porte. O perfil do comprador brasileiro desta categoria, por sua vez, possui perfil tecnológico e espírito aventureiro, com alta afinidade com temas como esportes radicais (+304%) e moda masculina (+231%).
O futuro já está sendo programado (e personalizado)
Se o presente exige adaptação, o futuro exige visão estratégica e sensibilidade humana das marcas automotivas. As tendências mapeadas pelo estudo apontam para alguns temas. O principal deles é a Inteligência Artificial, que deve ser uma aposta estratégica, mas com cuidado fundamental — paradoxalmente, precisa ser orientada para maior humanização e personalização da experiência, evitando a armadilha de tornar a relação fria e padronizada.
O storytelling e lifestyle vem logo em seguida. Esses são ativos preciosos para marcas com legado, que devem preservar sua história e autenticidade. Já para as novas companhias asiáticas que chegam ao país, é essencial construir essa narrativa desde o início, criando vínculo emocional e não apenas buscando uma relação transacional.
O Design sensorial também é uma tendência, já que o automóvel continua sendo uma extensão da vida das pessoas, e ele precisa oferecer uma experiência encantadora para os cinco sentidos, deixando de ser apenas um objeto e tornando-se um ambiente interativo e envolvente. As Jornadas Digitais também aparecem no levantamento. A concessionária como único momento de interação primordial morreu. É hora de criar jornadas integradas e always on, aproveitando o potencial da tecnologia para manter conexões constantes e relevantes ao longo de toda a experiência do cliente.
A sigla ESG no setor automotivo não é mais um diferencial — é uma obrigação. Trata-se de um segmento constantemente sob os holofotes de governos e das polêmicas, onde responsabilidade e transparência são imperativos inegociáveis.
Com os números e cenário atual do mercado automotivo, fica evidente que o jogo agora não é mais apenas sobre performance ou preço. É sobre experiência, propósito e presença emocional. Marcas que entenderem isso — e se adaptarem rápido — sairão na frente.
*Nascido e criado na Itália, Filippo construiu uma extensa carreira internacional, vivendo em países como África do Sul, China, Espanha e atualmente no Brasil. Chegou na FutureBrand São Paulo em 2018, trazendo um olhar estratégico para projetos locais e internacionais. Em 2022 foi convidado a se tornar sócio da FutureBrand, sendo responsável por aprimorar a conexão da consultoria com os outros escritórios do ecossistema global da FutureBrand e liderando o processo de internacionalização de diversas marcas nacionais e estrangeiras.



