As várias facetas do desperdício alimentar e o que esperar daqui para frente

Por Alcione Pereira, Fundadora e CEO da Connecting Food*

 

Quando se fala em desperdício de alimentos, em geral, apenas se pensa em alguma das suas muitas facetas. Mas é muito importante que todos os setores da sociedade tenham mais consciência das repercussões disso e da sua co-responsabilidade sobre elas. Também é comum apontar essa responsabilidade somente para o consumidor final e é bem verdade que ele é uma peça chave, mas não a única.

Entre os últimos dias 7 e 18 de novembro, a ONU realizou a COP27 (Conferência das Partes, em sua 27ª edição) no Egito. Pela primeira vez, os sistemas alimentares e o seu impacto no meio ambiente ganharam destaque no evento, e no dia 15 foi lançado o #123Pledge (#Compromisso123). Esse compromisso é uma iniciativa da coalizão mundial Food is Never Waste, e o nome faz alusão ao Objetivo de Desenvolvimento Sustentável nº 12.3, que quer reduzir os desperdícios em 50% até 2030.

Mas, por que será que, finalmente, esse detalhe tão importante – o desperdício de alimentos – ganhou espaço na conferência da ONU sobre as mudanças climáticas? Porque cada miligrama de comida que não cumpre a sua função, a de alimentar, colabora para acelerar as mudanças climáticas. Desde o plantio até a venda ao consumidor, cerca de um terço de toda a comida produzida no mundo inteiro vai para o lixo. Se considerássemos apenas a fome que assola as mais de 828 milhões de pessoas no mundo, isto já seria motivo suficiente para todas as empresas se engajarem na redução do desperdício. Só no Brasil, mais da metade da população enfrenta algum tipo de insegurança alimentar e cerca de 30 milhões literalmente passam fome. Esse paradoxo não pode continuar existindo.

No nosso país, há décadas que a sociedade civil brasileira se mobiliza para melhorar a condição nutricional daqueles que não têm acesso digno à comida. A partir da ação individual, surgiram muitas organizações civis que desempenham um papel louvável, mas devido à combinação de distintos fatores, como o próprio crescimento populacional, o aumento do desemprego com consequente piora do poder aquisitivo e das condições de vida em geral, a pandemia global, entre outros, apenas essas iniciativas não conseguem dar conta de mitigar a fome. Afinal, é como querer parar um vazamento de um longo cano apenas tapando a saída, sem consertar as rupturas ao longo do caminho.

Investir no chamado ESG (estratégia que considera o meio ambiente, o social e as pessoas) é uma condição para qualquer empresa que queira verdadeiramente ser mais responsável. E a palavra é mesmo “investir”, pois o retorno positivo de se dar atenção a essa estratégia é imenso. Em primeiro lugar, para o próprio negócio, pois evitam-se perdas e, consequentemente, prejuízos financeiros, além de melhorar a percepção do consumidor, trazendo resultados mais favoráveis em termos de reputação e de vendas. Depois, para as pessoas, todos os stakeholders, já que os funcionários estarão mais satisfeitos, assim como os acionistas e a comunidade em geral. E, ainda, para os que podem se beneficiar das doações de alimentos (quando as perdas forem inevitáveis) e para o meio ambiente, que deixará de receber toda a carga dessas perdas.

Por falar em meio ambiente, esta é uma das outras tantas razões para a tomada de consciência e ação urgente de todos os envolvidos: segundo o PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), cerca de 10% de todas as emissões de gases de efeito estufa são geradas pela produção de alimentos. Isso sem falar do uso intensivo e da poluição da terra e dos recursos hídricos, além da exacerbação da perda da diversidade. O simples – e nefasto – fato de serem jogadas incontáveis toneladas de comida no lixo todos os dias, traz consequências desastrosas nesse sentido.

Por isso, é imprescindível que toda a cadeia de produção esteja engajada na redução das perdas e do desperdício para a mitigação de riscos, desde o plantio até a venda ao consumidor. Para que a indústria e o varejo atuem de maneira efetiva nesta empreitada, o primeiro passo é o foco em algumas ações primordiais:

  1. Levantar dados para ter real noção do tamanho atual das perdas, sejam elas por quebra operacional, erros administrativos ou outros motivos.

  2. Sensibilizar e treinar todos os times operacionais envolvidos na gestão do negócio (portanto, absolutamente todos os colaboradores).

  3. Implementar controles para a melhoria efetiva dos processos, tendo a redução das perdas e do desperdício como foco central, mas com vistas ao desempenho do seu papel na reversão do paradoxo entre a produção de alimentos e a fome e na redução do impacto negativo sobre o meio ambiente.

Conhecendo melhor o cenário, não é possível ficar assistindo sem agir. Toda a sociedade pode ser mais atuante. Às empresas, cabe também cuidarem da sua co-responsabilidade socioambiental, além do próprio negócio.

* Engenheira de Alimentos, Mestre em Sustentabilidade pela Fundação Getúlio Vargas e MBA em Gestão Empresarial, Alcione Pereira é Fundadora da Connecting Food – uma foodtech de impacto social que trabalha na gestão inteligente de doação de alimentos excedentes. Além disso, ela é co-idealizadora do Movimento Todos à Mesa, primeira coalizão de empresas brasileiras unidas para a redução do desperdício de alimentos e combate à fome, atua como consultora técnica em projetos relacionados à cadeia de suprimentos humanitária, incluindo a redistribuição de alimentos oriundos do desperdício, para a FAO/ONU e Ministério da Cidadania.

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