07|10|2011
Em 2 de agosto deste ano o governo editou a Medida Provisória 540. Essa MP promoveu algumas alterações na área tributária, dentre elas instituiu o regime de reintegração de valores tributários para as empresas exportadoras, programa denominado REINTEGRA (arts. 1° a 4°); reduziu o IPI para a indústria automotiva (arts. 5° e 6°); permitiu, para alguns setores, como Tecnologia da Informação, a substituição da base de cálculo da Contribuição Previdenciária incidente sobre a folha de salários pela incidente sobre a receita bruta (arts. 7° a 10). Essa MP, no dia 15 de setembro, teve seus artigos 5° e 6° regulamentados pelo Decreto 7567.
Interessante observar que, enquanto o art. 5° da MP 540 estabeleceu que os fabricantes de automotivos, no País, poderiam usufruir de redução da alíquota do IPI, mediante ato do Poder Executivo, com o objetivo de estimular a competitividade, a agregação de conteúdo nacional, o investimento, a inovação tecnológica e a produção local e, para fazer jus a tal benefício deveriam ser observados os níveis de investimento, inovação tecnológica e de agregação de conteúdo nacional estabelecidos em ato do Poder Executivo, o que se viu na prática é que o Decreto em questão concedeu, sim, tais benefícios para a produção nacional mas, ao mesmo tempo, aumentou também o IPI dos importados. E isso, até onde podemos perceber, não estava previsto na MP 540! O que induz à conclusão de que a alíquota do IPI de importados promovido pelo Decreto 7567 não encontra fundamento de validade na MP 540! É esse mais um forte argumento jurídico a ser considerado.
Alguns importadores já iniciaram suas disputas no Judiciário buscando valer a aplicação do Decreto 7567 somente a partir de 14 de dezembro próximo — 90 dias após sua promulgação conforme previsto na Constituição Federal. Entretanto, há outro argumento muito mais consistente a ser juridicamente considerado: de acordo com as normas da OMC, apenas o Imposto de Importação pode ser utilizado com efeito regulatório. E sua alíquota não pode ser superior a 35%. Como a alíquota do II já era de 35%, não sobrou ao Executivo outra alternativa senão aumentar o IPI. Assim, é certo que os importadores terão argumentos consistentes para buscar no Judiciário o afastamento da nova alíquota do IPI.
Por outro lado, chama a atenção o fato de que, antes da vigência do referido Decreto, o governo acenava para as indústrias automobilísticas nacionais apenas e tão somente com a proposta de redução do IPI, tendo como contrapartida a nacionalização (ao ser regulamentada essa proposta, foi assim considerada: mínimo de 65% de conteúdo regional médio baseado numa fórmula que divide o valor CIF de autopeças importadas pela receita bruta total do fabricante, antes dos impostos, obtida com a venda de veículos produzidos no país — Dec. 7567, art. 2°, § 1°, III, “a”).
Ocorre que as empresas do setor não aceitaram essa condição. O que fez o Executivo, então, na oficialização dessa medida por ocasião da publicação do Decreto? Manteve a proposta feita extraoficialmente — redução da alíquota do IPI — mas acrescentou o aumento para os importados em idêntica proporção.
Isso comprova que o real objetivo do governo era mesmo barrar a escalada na entrada de importados. Tentou atingi-lo, inteligentemente, via redução do IPI sobre o produto nacional, o que beneficiaria a todos os consumidores, promoveria a progressiva nacionalização, geraria dezenas ou centenas de milhares de postos de trabalho, aumentaria a arrecadação nacional — em proveito de todos os níveis de governo, com efeitos imediatos principalmente para os Estados, a qual vem se estagnando por decorrência do enfraquecimento da atividade industrial. Não tendo conseguido convencer as montadoras, as quais estavam se aproveitando do baixo custo de produção de peças e componentes importados determinado pelo dólar depreciado, então aumentou o IPI dos veículos importados.
É claro que, agora, ante a esperada redução na procura do mercado interno por veículos importados, o Decreto em questão cumprirá um dos seus objetivos: incentivar a produção nacional (ou a importação de veículos prontos do Mercosul e do México, a qual está fora da nova regra). Mas isso está longe de cumprir o objetivo de nacionalização com os percentuais de agregação tecnológica nacional.
Portanto, o país não se beneficiou plenamente (empregos, salários, arrecadação, consumidores) porque tudo prosseguirá como já estava — indústria nacional enfraquecida, arrecadação propiciada pelo setor industrial em queda. E os consumidores foram prejudicados, assim, claro, como todo o setor importador que também gera empregos, arrecadação, gerando grande movimento na economia (atividades comerciais).
Os únicos beneficiados pela medida são os fabricantes nacionais de veículos. A cadeia produtiva deve ser vista como um todo. É sabido que a produção de veículos no México é muito mais barata que no Brasil. Assim, por que produzir aqui se se pode importar veículo pronto do México, por exemplo, sem qualquer elevação do IPI? Com efeito, tudo continua como antes, exceto quanto à disponibilidade de opções para o consumidor final, que não mais terá acesso a veículos bons (importados) e por preços justos.
A medida teria sido realmente benéfica se o consumidor adquirisse veículos de qualidade e por preço justo, forçando para baixo os preços de produtos fabricados no país – tendência que se vinha verificando com a introdução de veículos coreanos de muito melhor qualidade que os nacionais e por preços justos e veículos chineses básicos, porém completos, também por preços realmente atrativos – não tivesse sido agora abortada. Portanto, deveria ter feito exatamente o contrário: reduzido o IPI para todos, forçando o barateamento dos veículos nacionais, obrigando a indústria local a se ajustar às regras de nacionalização com integração de tecnologia local, razão de ser da MP 540.
A mais eficaz forma de atrair investimentos, na verdade, consiste em fornecer as condições necessárias, não via interferência governamental que se vale de política “ Robin Hood” adotada pelos sucessivos governos nos últimos 15 anos: tira dos ricos para dar esmolas aos pobres (no caso deu-se o contrário: retirou o benefício do consumidor final para transferi-lo para a indústria automotiva).
A mudança na postura da administração pública no trato com o setor privado, sem paternalismos, sem intervenções, deveriam ser valores inestimáveis a serem perseguidos. Mas isso implica em mudança de percepção de mundo, do papel de governo, que nossos administradores não têm. O governo vê-se como ente dissociado do povo. Aqueles que ali em seu nome atuam sentem-se encastelados num olimpo onipotente. Pior, muitas vezes utilizando seus poderes para criar entraves desnecessários apenas visando facilitar a negociação de vantagens. E, quanto a isso, não há o que fazer por se tratar de ausência de consciência de dever.
Adonilson Franco é advogado especializado em Direito Tributário. Sócio-titular do escritório Franco Advogados Associados. Professor no Curso de Pós-Graduação em Direito Tributário.