A cerveja, bebida já consumida por nobres e camponeses egípcios, vive hoje no Brasil um mercado em transformação. Uma das mudanças, em curso desde a década de 1990, é a expansão da cerveja artesanal. Na última sexta-feira (4) comemorou-se o Dia Internacional da Cerveja. Segundo levantamento do Instituto da Cerveja, em 2015 eram 372 cervejarias no país, contra 46 em 2005.
“No Brasil, esse desenvolvimento começou timidamente com algumas microempresas de Porto Alegre e Santa Catarina. Em 2005, explodiu de forma mais intensa e, nos últimos anos, vimos um crescimento impressionante. Em um levantamento que fizemos, constatamos que, a cada semana, uma nova fábrica surge, fora as marcas que têm a sua própria”, explica a engenheira de alimentos Kathia Zanatta, à frente do Instituto da Cerveja.
Após estudar em instituições estrangeiras, Kathia é a primeira sommelière de cervejas do país. Esse profissional acompanha, em bares, restaurantes e cervejarias, todo o processo de aquisição e consumo do produto. O termo sommelier já é popular no mundo dos vinhos, o que mostra a aproximação do universo da cerveja com a sofisticação da bebida derivada da uva.
A Associação Brasileira da Indústria da Cerveja (CervBrasil) aponta que, de 2011 a 2014, o setor cervejeiro movimentou R$ 27 bilhões em salários, respondendo a 1,6% do Produto Interno Bruto (PIB, soma de todas as riquezas do país) .
Mudança de hábito
Com o crescimento das chamadas cervejas gourmet, criam-se novos hábitos entre os consumidores, que passam a consumir o produto menos em quantidade, e mais apreciando sabores. Na avaliação de Kathia, essa mudança no comportamento serviria para atenuar a associação entre álcool e agressividade.
“Esse novo conceito que vem renascendo até ajuda a desmanchar a visão de encher a cara e passar a apreciar a bebida. Esse é o maior tabu: cerveja não é para afogar as mágoas, ela exige momentos especiais, é para comemorar. O consumo exagerado leva a episódios de violência, e a gente, sempre que comercializa, fala do consumo responsável”, acredita Kathia.
Mercado
Professora de cursos na área, Kathia ressalta que em alguns casos a produção cervejeira tem sido uma alternativa de renda. “Nesse momento de crise do país, muitos viram como alternativa de negócio, após serem demitidos. Decidiram empreender, mudar de ramo. As mulheres representam de 25% a 30% dos alunos, e a faixa etária varia de 18 a 70 anos”, diz.
Ela reforça que a qualificação é primordial, inclusive para ampliar a rede de contatos profissionais. Costumam ser exigidas, para as vagas na área, habilidades como capacidade de inovar e bom relacionamento com o público.
O perfil dos cervejeiros varia, desde aqueles engajados no processo artesanal até os que já produzem em escala industrial. “Entre os interessados, temos de aposentados a jovens que juntam os amigos para fazer cerveja em casa. Há universitários, profissionais e muitas mulheres também. Eles vêm primeiro pela curiosidade, atraídos pelas garrafas coloridas, e começam a entrar nesse mundo”, diz Kirk Douglas, um dos donos da Casa Olec, loja de Brasília que fornece equipamentos e matéria-prima para produtores de cervejas artesanais.
Apesar da facilidade de poder produzir a cerveja até mesmo dentro de casa, o custo dos equipmaentos e insumos é alto, o que também encarece o valor do produto final. Algumas garrafas artesanais são vendidas a R$ 40. “A frase que define é: beba menos, beba melhor. Antes, a gente fazia até competição para ver quem bebia mais. É impossível fazer isso com cerveja artesanal, você percebe notas especiais. Você nota até pelos eventos nesse segmento, que não são de baderna”, diz Douglas.
Os empresários do ramo, ao contrário dos produtores caseiros, ainda enfrentam dificuldades para alavancar os negócios. Um dos quatro sócios da cerveja Diabólica, Eduardo Saldanha, começou o negócio em 2006, com um amigo proprietário de um bar. O local serviu de laboratório para testar a aceitação da bebida.
Após o bom resultado, a fabricação foi transferida de Curitiba para cidade de Treze Tílias, em Santa Catarina, a 350 quilômetros de Blumenau, reconhecida como Capital Nacional da Cerveja. “As microcervejarias não estão se sustentando. Não é por causa do processo produtivo, do rótulo. O problema é o tributo. As grandes companhias, como Brahma e Antarctica, têm como base do tributo um valor baixo, como R$ 1. As outras têm uma base comum e a diferença de tributo é enorme”, explica Saldanha.
Na avaliação dele, o custo dos tributos cria dificuldade para investir em outros segmentos da produção, como distribuição e novos espaços para consumo. “Por isso, há outra tendência: a do chopp. Com ele, você investe menos em garrafas e não passa pela pasteurização. Só que ele deve ser consumido em 7 dias e necessita de uma câmara fria, senão você não consegue mandar para muito longe. Por isso é que se vê muitos pubs”, diz.