Por Talita Castro, CEO do PiniOn*
À primeira vista, a análise do comportamento do consumidor pode parecer um campo dominado quase exclusivamente por métricas e estatísticas. Dados de vendas, índices de satisfação e grandes volumes de informação quantitativa (os “o quês” e os “quantos”) se tornaram a base das decisões de mercado. Embora essenciais para medir desempenho e identificar tendências, esses números frequentemente não revelam a complexidade subjacente às escolhas de consumo.
É aqui que a antropologia social – e as ciências sociais em geral – se tornam indispensáveis. Com métodos qualitativos e, sobretudo, um olhar atento ao contexto sócio-cultural, essa abordagem complementa os dados quantitativos, permitindo que as empresas entendam os “por quês” por trás das ações do consumidor. Afinal, a decisão de compra não é puramente racional; ela está profundamente imersa em significados, símbolos, rituais e valores sociais.
O impacto da antropologia no consumo
Estudos demonstram que fatores emocionais e culturais influenciam significativamente as decisões de compra. Segundo pesquisa global da McKinsey, 70% das decisões de consumo são motivadas por elementos emocionais e culturais, e não apenas por preço ou funcionalidade. Isso mostra que compreender o contexto cultural é tão crucial quanto analisar os números.
Em um ambiente saturado de dados, a capacidade de interpretação se torna uma vantagem competitiva. A antropologia, com ferramentas como observação participante e etnografia, permite que as empresas transcendam as respostas declaradas e entendam o consumidor em diferentes contextos – de uso, de compra ou de opinião.
Essa abordagem não se limita a relatos individuais; busca desvendar estruturas de significado que orientam comportamentos. Por que um produto é adotado de maneira inesperada? Que valores um símbolo de marca evoca em determinado grupo? Responder a essas perguntas permite enxergar além das aparências e identificar motivações profundas que impulsionam decisões.
Da interpretação à inovação
A perspectiva antropológica pode ser aplicada de forma pontual ou contínua, criando processos de interpretação recorrentes sobre os significados que os consumidores atribuem aos seus comportamentos. Empresas que adotam esse olhar podem ampliar a capacidade de inovação, entendendo narrativas, rituais e tensões culturais; ajustar estratégias de branding, comunicação e desenvolvimento de produtos de forma mais orgânica e relevante; e criar conexões duradouras e humanas com seus públicos.
Valorizar a interpretação, e não apenas os relatórios quantitativos, deve ser uma decisão consciente das marcas. Cabe à liderança incentivar abordagens metodológicas complementares e garantir que o olhar cultural tenha espaço na tomada de decisões. Para incorporar a antropologia e a perspectiva cultural em pesquisas e estratégias de marca e produto, as empresas podem adotar algumas práticas:
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Valorizar a complementaridade metodológica: integrar abordagens etnográficas e qualitativas às pesquisas quantitativas, reconhecendo que cada método ilumina uma parte da realidade.
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Observar em contexto: priorizar a observação dos consumidores em seus ambientes e rotinas reais de uso, em vez de depender apenas de respostas declaradas em questionários quantitativos.
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Buscar significados: utilizar a pesquisa para identificar os símbolos e as narrativas que explicam e expressam as relações entre as pessoas, marcas e contextos de consumo.
Embora contratar pesquisas etnográficas completas possa ser custoso, existem alternativas mais ágeis que aplicam o olhar antropológico. Combinando a força dos números com a profundidade cultural, é possível gerar insights completos, reduzir riscos estratégicos e desenvolver estratégias de mercado mais relevantes e humanas.
*Doutora em Antropologia pela Unicamp e cientista social, Talita Castro é especialista em arquitetura de produtos e estratégias de mercado. Com mais de uma década de trajetória no PiniOn, onde atualmente ocupa o cargo de CEO, consolidou sua expertise em posicionamento estratégico, vendas e gestão. Sua liderança é pautada pela inovação e pelo uso de dados para impulsionar negócios.



