Como amenizar o impacto da tecnologia nas crianças e adolescentes

Por Heitor Cunha, fundador e CEO do CodeBit*

Sou um apaixonado por tecnologia desde meus 9 anos, quando ganhei meu primeiro PC (386 DX40), e desde então não parei mais e pude acompanhar, ainda que não me desse conta disso, uma das maiores mais rápidas evoluções da humanidade da qual se tem registro.

Engenheiro de computação há 16 anos, mestre em física e pai do Gabriel que hoje tem 10 anos, também sou sócio de duas empresas, uma de tecnologia, outra de mobilidade, ambas criadas do zero.

Atualmente as maiores empresas do mundo em valor de mercado são da área tecnológica. Boa parte delas foi criada há menos de 30 anos. Mas como uma empresa tão nova pode crescer tanto? Atuando na área há muitos anos, acompanhando esse crescimento e vendo cada vez mais empresas despontarem, me coloquei a questionar sobre como geravam renda, já que boa parte dos serviços que ofereciam a princípio eram “gratuitos” para os usuários. Me soava estranho.

Comecei então a estudar mais a fundo a questão e quanto mais o fazia, mais ficava claro um ponto muito importante que dizia que, se você não estiver pagando por um produto, você é o produto. Os algoritmos utilizam nossos comportamentos como forma de treinar suas redes e seu objetivo básico é “adivinhar e influenciar nossas ações”. E fazem isso de forma muito sutil: o que vemos, falamos, a velocidade da rolagem, o tempo que ficamos olhando para tela, enfim, tudo é mensurado e transformado em estatísticas aplicadas a modelos determinísticos e comparativos para sugerir conteúdos e aos poucos ir prevendo nossas ações, e posteriormente influenciá-las. Foi justamente essa capacidade, de prever e influenciar bilhões de pessoas, que tornou essas empresas, antes inexistentes, nas atuais mais valiosas companhias do mundo. Mas qual o impacto disso em nós? E pior, qual o impacto em nossos filhos que não possuem outro parâmetro de mundo?

A única barreira que temos entre as constantes investidas de sugestões e influência de aplicativos é nossa capacidade crítica. Essa capacidade é formada por um conjunto de fatores que vão desde valores individuais, princípios, senso, justiça, entre outros. A questão é que tais habilidades dependem de um grau de maturidade que crianças muito dificilmente terão. Entretanto, desde pequenas, as mesmas crianças são submetidas ao universo virtual e seus aplicativos e tornam-se, portanto, produtos sem a única camada que poderia lhes proteger. São extremamente e muito facilmente influenciadas pelos algoritmos, que muitas vezes disseminam mentiras, ideias estranhas ou mesmo facilitam comunicações indesejáveis. E comecei a ver isso com meu próprio filho! Talvez por estar dentro do universo tecnológico, pude ver com mais clareza os malefícios que um uso desenfreado poderia causar. Ele estava tornando-se uma ferramenta, literalmente um produto na mão das redes, jogos e vídeos, sendo mais um a alimentar os lucros exorbitantes dessas companhias. Estava tornando-se mais agressivo e muito mais impaciente, com indícios claros de um vício. Além disso, sua capacidade criativa e de memorização tornava-se cada vez menor.

Ao mesmo tempo que percebia o cenário, me deparava com a dificuldade do corte abrupto do acesso. Percebi que a melhor estratégia não seria a proibição, mas sim o controle. Ao ter o controle podemos avaliar o uso, prestar atenção em alterações de comportamento e calibrar horários, limites e rotinas. Nessa época busquei e passei a utilizar sistemas de controle parental tais como Google Family Link ou Apple Familia.

Me deparei então com duas grandes dificuldades: primeiro, os aplicativos não eram muito simples de configurar. Como atuo na área, consegui resolver, mas diversos amigos acabam não utilizando dada a complexidade dessa etapa. E em segundo lugar, cada dispositivo que meu filho utilizava tinha um controle independente: celular era um aplicativo; computador outro; videogame outro. Configurei e testei todos. Estabeleci limites, porém, como se tratavam de aplicativos separados, quando terminava o tempo limite do celular, meu filho ia para o computador ou para o videogame. E quando tudo acabava, ia para a televisão em aplicativos de streaming, que também são vários.

Passei então para a etapa que muitos pais imagino que enfrentam, que é o controle baseado nas definições verbais e reforçado por medidas físicas como “tomar o celular”, “esconder o teclado do computador”, “desligar a televisão”, mas quem tem filhos sabe: muitas vezes, a resposta ao chamarmos atenção é “estou indo”, ou até mesmo o silêncio, o que pode desgastar muito a relação.

Passei a refletir sobre o quanto havíamos evoluído em termos tecnológicos e o quanto ainda era arcaica aquela forma de lidar com a internet, ainda baseada em tirar da mão da criança o celular, esconder ou desligar dispositivos de forma abruta. Me questionei se, em pleno 2023, não havia uma forma mais simples e inteligente de fazer isso. Comecei então a pensar nos serviços que utilizamos em nossas casas. Em geral, temos energia elétrica, gás, água e internet. Fazemos um controle rigoroso de energia, evitando deixar luzes acesas sem necessidade, por exemplo, bem como um controle de consumo de água (não deixamos torneiras abertas sem necessidade), mas não fazemos praticamente nenhum controle da Internet. Quase sempre passamos a “senha do WiFi” e deixamos todos os moradores utilizarem praticamente sem restrição. Talvez não tenhamos nos dado conta, mas somos responsáveis pelo tráfego que ocorre em nossa rede. Caso alguém obtenha nosso link e dissemine informações falsas ou cometa algum crime, por exemplo, a responsabilidade sob esses atos também torna-se nossa.

Foi com base nessa reflexões que surgiu a ideia de criar um dispositivo capaz de resolver duas grandes dores: controlar o único serviço que ainda não tinha um controle ativo na minha casa, a internet, e criar um local centralizado que me permitisse de forma simples estabelecer controles e limites para os dispositivos que meu filho utilizava. Algo que gerasse um controle único, de forma que quando o tempo estabelecido terminasse ele não pudesse recorrer a outro local e tivesse então que desenvolver outras habilidades para “passar o tempo”.

Da ideia passamos à execução. Após um ano de desafios técnicos, criamos um produto capaz de realizar os objetivos que tinha, um aplicativo que funciona em conjunto com um roteador instalado logo após o modem de internet da operadora utilizado na residência. A ideia é que ele seja um “humano no meio” e toda a conexão de internet passe por ele antes de chegar no modem da operadora. Assim, ele funciona como um guardião / filtro, permitindo ou liberando o tráfego de cada dispositivo com base nas regras pré-estabelecidas. Dessa maneira, passei a conseguir definir quais dispositivos estavam conectados na minha rede e quais eu deixaria liberados ou bloqueados, podendo fazê-lo de qualquer lugar por meio do celular.

A partir do uso, evoluímos o produto para permitir a criação de pessoas, cômodos e rotinas. Cada pessoa possui um conjunto de dispositivos e é possível criar rotinas de uso por pessoa. Uso hoje quatro rotinas com meu filho:

  1. Rotina de tempo de uso: ele pode utilizar os dispositivos eletrônicos por até duas horas diárias. O sistema já faz a soma desse uso, seja em televisões, celular, ou computador e após esse período o sistema bloqueia automaticamente todos os acessos. Isso permite um uso dosado e controlado.

  2. Rotina intermitente: a internet funciona em horas impares e é bloqueada em horas pares. Com isso, estabelecemos uma quebra para não haver um uso contínuo e desenfreado. A existência de pausas é fundamental para quebrar a conexão e muitas vezes, mesmo nas horas permitidas ele não volta a utilizar, pois já está fazendo outra coisa, focado em tarefas mais criativas na maior parte das vezes.

  3. Rotina de sono: os dispositivos são bloqueados automaticamente às 22h para garantir o horário do sono.

  4. Rotinas de fins de semana: aos fins de semana eu aumento o tempo de uso para três horas diárias.

Estabelecer rotinas é benéfico não apenas pelos resultados, mas pelo ensino de limites e combinados. Nossa relação com a internet hoje é outra: meu filho voltou a desempenhar tarefas cognitivas, aumentou criatividade, memória, reduziu a ansiedade, passou a cumprir horários e diversos outros benefícios. Consegui passar mais tranquilidade e leveza nas comunicações sem me alterar e ele também absorveu isso. Foi muito positivo.

Acredito que estamos em constante evolução e ainda temos muito a melhorar, porém, espero que, assim como foi comigo, esse trabalho que estamos fazendo seja um contribuição para tantos pais e mães que se preocupam de verdade com seus filhos, mas têm dificuldade de transformar essa preocupação em atitudes práticas e estruturadas capazes de proporcionar a eles um ambiente mais saudável e propício para desenvolverem habilidades excepcionais. Enquanto eles ainda não criam barreiras próprias para se defenderem dessas investidas, é nosso dever, enquanto pais, apoiar-lhes nessa tarefa. Como disse antes, quase todos temos serviços de luz, água e internet, mas o único que não controlamos ativamente é esse último. E talvez seja o mais utilizado.

*Graduado em engenharia de computação pela Universidade de São Paulo, Heitor Cunha é mestre em processamento de imagens de ressonância magnética cerebral pela mesma instituição.Atualmente, atua como CEO da CodeBit, empresa especialista em tecnologia de código e cloud computing com foco de atuação no terceiro setor. 

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