Como encarar os desafios do trabalho híbrido

Por Carine Roos, fundadora e CEO da Newa*

Há três anos, o trabalho remoto era uma novidade. Há dois  anos, se tornou normal. Atualmente, o modelo híbrido ou totalmente remoto são fatores decisivos para aceitar ou até deixar um emprego. O ajuste que cada empresa tem feito neste sentido vai definir, inclusive, as formas e os futuros locais de trabalho. Por ora, temos visto movimentos diversos em busca de um equilíbrio que una os benefícios das duas pontas: as conexões humanas e as facilidades de executar as tarefas onde e como quiser.

Morando em Londres para finalizar meu mestrado em Gênero na LSE – London School of Economics, tenho me dividido em treinamentos presenciais e on-line com resultados bastante satisfatórios. Por isso foi uma surpresa ler a recente notícia de que o Zoom, empresa que disseminou a ferramenta de reuniões virtuais durante a pandemia, está orientando seus funcionários a voltarem ao escritório.

Em comunicado, a empresa disse que agora está aplicando uma “abordagem híbrida estruturada”, o que significa que os funcionários que moram perto de um escritório “precisam estar no local dois dias por semana” porque é “mais eficaz” para o serviço de videoconferência. Nos últimos meses, Google, Salesforce e Amazon adotaram políticas semelhantes, encerrando o período que dava aos funcionários liberdade para trabalhar em casa.

Entretanto, as empresas têm enfrentado resistência dos seus colaboradores mesmo argumentando preocupações sobre produtividade, criatividade, cultura, planos de carreira e orientação. Segundo a Pesquisa de Sentimento das Trabalhadoras Híbridas, realizada pelo Internacional Workplace Group, fornecedor mundial de espaços para co-working, os motivos que levam as pessoas a voltarem ao escritório são outros. Em primeiro lugar, está a interação com os colegas (59%), seguido da oportunidade de colaboração pessoal com os outros (48%) e mudança de ares (41%).

Um outro grande desafio é fazer o on-board dos chamados “baby zoomers” que compreende tanto a geração Z, que nasceu entre 1995 e 2010 e está começando agora a carreira como aqueles que mudaram de emprego na pandemia. A empresa deve construir um processo bem individualizado com uma liderança atenta às necessidades de cada um de seus colaboradores a fim de não gerar estresse e ansiedade.

Quando vejo organizações em que os acordos de trabalho flexíveis não funcionaram ou levaram a uma percepção de resultados piores, tendo a inferir que elas não investiram em educação, práticas e políticas que promovam a equidade de gênero e promovam um ambiente de trabalho saudável, que conte, por exemplo, com creches, pausas programadas, programas de meditação, mentoria e outras tantas pequenas soluções.

No caso das mulheres, a esmagadora maioria (90%) deseja ter um trabalho totalmente remoto ou híbrido e o principal motivo é porque acreditam que nesta modalidade as questões de gênero são amenizadas e pode, com isso,  experimentar um grande senso de pertencimento, maior segurança psicológica e menos micro agressões, visto que interagem menos ou a distância com possíveis detratores. Além disso, 66% compartilharam que sofrem menos preconceitos.

O viés de proximidade, a tendência inconsciente de favorecer aqueles que estão fisicamente mais próximos de nós, é uma verdadeira armadilha e pode levar a perda de talentos e prejudicar ainda mais as mulheres. Quase três quartos (72%) delas afirmam que irão procurar um novo emprego se a empresa eliminar a flexibilidade do trabalho híbrido. Impressionantes 96% acreditam que o trabalho híbrido permite um estilo de vida mais saudável. As principais formas de fazer isso são:  relaxar ou dormir (61%), ir a consultas médicas ou dedicar-se ao seu bem-estar (61%) e cultivar melhores hábitos alimentares (57%).

Ainda é importante enfatizar que as mulheres dedicam 8 horas a mais do que homens nos afazeres domésticos incluindo cuidar de filhos. Segundo o IBGE, as mulheres trabalham em média 18,5 horas para girar a economia do cuidado, enquanto os homens ficam com 10,4 horas para essas atividades.

Se em uma situação de casal, ambos trabalharem em casa, há uma maior chance de uma divisão mais justa dos afazeres da casa e dos cuidados com filhos e pais idosos. Aliás, esse arranjo permite às crianças entenderem o valor do trabalho e, também, meninos e meninas crescerem em pé de igualdade, entendendo as responsabilidades individuais. Um ponto que sempre ressalto é a importância dos homens e das empresas adotarem um período mais longo da licença parental para estreitar esses lados e caminharem definitivamente para a equidade de gênero.

Uma liderança humanizada está aberta a encontrar o caminho ideal que funcione para cada colaborador, valorizando aqueles que assumem responsabilidades domésticas e de cuidado, apoiando acordos e políticas de trabalho flexível e oferecendo treinamentos para que todos possam encarar os desafios dos vários modelos existentes. E isso leva à necessidade de mais diálogo, empatia e escuta ativa.

*Carine Roos é especialista em Diversidade, Equidade e Inclusão há 10 anos. Fundadora da Newa Consultoria, uma empresa de impacto social que prepara organizações para um futuro mais inclusivo por meio de sensibilizações, workshops, treinamentos e consultoria de diversidade. À frente da Newa, Carine tem como missão preparar líderes para que a Diversidade e a Inclusão sejam uma realidade imediata nas organizações.

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