Por Jorge Reis, CEO da Eventim*
Gente é tudo, não é? Dissemos eu e um amigo – ambos gestores -, após um agradável almoço. Também concordamos que deve haver uma gestão humanizada voltada para pessoas em grandes empresas. E como explicar esse conceito? É muito amplo e poderíamos discorrer por páginas. Para mim, é aquela que não separa o ser humano do funcionário, que busca conscientizar a todos na organização que, por trás de cada uma daqueles profissionais, há uma história de vida com passado, futuro e um fluido presente. Ajudar esses indivíduos no autoconhecimento é uma função muito especial de um gestor empático.
Mas como buscar o autoconhecimento, potenciais e suas vontades se o próprio processo de formação de um profissional tenta colocá-lo em caixinhas tecnicistas, talvez numa vã tentativa de separar o indivíduo do ser trabalhador, como se isso fosse possível. Há algum tempo atrás, fiz dissertação de mestrado no curso de administração na PUC-RIO – universidade na qual lecionei por 15 anos -, e o tema era a distância entre as necessidades de formação de um profissional de análise de sistemas, curso pelo qual havia me formado, e os currículos utilizados por algumas das principais universidades brasileiras.
Na pesquisa realizada, necessidades apontadas como muito importantes pelos próprios profissionais como liderança, negociação, fatores psicológicos, de comunicação, entre outras pertencentes ao campo das chamadas ciências “não exatas” , eram quase inexistentes no currículo das faculdades de formação de analistas de sistemas enquanto os cálculos, álgebras lineares, físicas e outras matérias tradicionais de exatas escalavam do primeiro ao quarto período com matérias de aplicabilidade profissional altamente duvidosa.
Meus amigos acadêmicos de tecnologia diziam que era necessário desenvolver o raciocínio lógico para que um profissional tivesse sucesso na sua vida profissional, como se isto por si só bastasse. Mas a realidade do trabalho nas organizações mostrava que as necessidades requeridas iam muito além disso e nos mostrava que a lógica das “exatas”, sozinha, não poderia sobreviver de forma desassociada dos fatores emocionais. Após defender a minha dissertação, decidi criar um curso somente para desenvolver este outro lado. Me aprofundei em conhecer livros e dinâmicas de RH, e passei a ser um estudioso sobre o assunto. Quando me tornei gestor, decidi que era um líder humano que eu gostaria de ser, e sabia exatamente os erros que não queria cometer.
Gestão humanizada é um processo de desenvolvimento contínuo, onde aspectos como liderança, comunicação, negociação e empatia devem ser sempre colocados no mesmo grau de importância da receita, Ebitda e lucro. Desenvolver esses outros aspectos da natureza humana e social é entender que há, em você e nas pessoas com as quais convive, estruturas ao mesmo tempo basais e sólidas e outras conjunturais e fluidas, todas juntas e forjadas por suas lembranças e eventuais traumas de infância, sua relação com sua mãe, seu pai, irmãos, parceiros,, filhos entre tantas outras que sempre estarão ali presentes, mesmo que de uma forma não consciente. Sem ser nunca invasivo, o gestor deve perceber quais são as eventuais barreiras, limitações, potenciais e vontades de cada um de seus liderados. E muitas vezes desviá-los das armadilhas de seus desejos, pois nem sempre os desejos correspondem a reais vontades.
Um gestor também não deve forçar uma mudança, mas ser uma espécie de conscientizador. Se você acredita no talento de uma pessoa para uma tarefa nova, faça-a acreditar de que é possível e tentem descobrir juntos se isto a tornará mais feliz e realizada. Errar ao tentar pode ser mais comum do que acertar. Se o liderado não sabe exatamente o que quer na carreira, tente descobrir junto dele primeiro o que ele não quer. Em muitas vezes isso já diminui o leque de alternativas e facilita a decisão. A relação indivíduo/empresa é importante, mas a relação entre os seres humanos sempre tem que prevalecer. É o que mais vale, mesmo para as empresas, por mais antagônico que, para alguns, possa parecer.
*Cofundador da Ingresso.com, empresa vendida para o grupo UOL, e com mais de 20 anos de experiência na venda de ingressos, no Brasil, Jorge Reis foi diretor da IMM, empresa referência em entretenimento ao vivo, com eventos como Cirque du Soleil, SPFW, Rio Open e outros; e atualmente é CEO da Eventim, companhia que já trouxe para o Brasil eventos como RBD e Coldplay, ao todo, vende, por ano, cerca de 250 milhões de ingressos.