Há quem trabalhe cerca de 40 horas semanais fazendo algo que detesta. E que olha para o relógio a cada minuto, aguardando o momento de ir embora. Que, no fim do “expediente”, experimenta um sentimento de alívio. Que faz a conta dos dias apenas para saber quanto falta para o final da semana. Que vai contando as semanas, à espera do fim do mês. Da mesma forma, avalia a passagem dos meses, na esperança de que o ano logo termine. Na expectativa por um novo ano que será apenas a réplica do anterior. E, então, avalia quanto vai demorar para a aposentadoria. E morre sem jamais abrir as asas. No confinamento da gaiola.
A gaiola é o enquadramento. O espaço delimitado em uma das caixinhas do organograma, onde uma pessoa trata de se acomodar aos limites dos departamentos, dos cargos e das funções. Um mundo reduzido e incapaz de abarcar as potencialidades humanas. Em favor das responsabilidades dos cargos ou das funções, a liberdade e a autonomia são engaioladas. Junto com elas, permanecem desativados o potencial criativo, a vontade de realizar, a coragem para ousar, o direito de sonhar. Uma vez engaiolada, a pessoa – mesmo sem ter plena consciência disso – vê reduzida sua capacidade de ser e até mesmo o desejo de vir a ser.
A gaiola é a armadilha em que muitos caem. E sabe qual é a armadilha? A de se fazer útil. Espere, não se espante! Ser útil parece ser um propósito louvável à primeira vista. O problema é que, ao enredar-se nela, você se transforma em um utilitário, semelhante a todos aqueles que usamos na cozinha ou na despensa.
O peso dos apelidos
Se você quer ser apenas útil, logo vai se parecer com um garfo, uma colher, uma faca, um martelo, um alicate, uma chave de fenda. Essas ferramentas são úteis, servem para fazer coisas específicas, mas assim que cumprem seu papel são descartadas e abandonadas.
Quem é útil tem apelidos. Um dos mais conhecidos é o de “mão de obra”, algo que sugere não pensar, não criar, não sonhar, apenas produzir e render. Outro muito comum é o de “recurso humano”, equiparado – com desvantagens – a outros, como os físicos, financeiros ou tecnológicos. Pior, ainda, é ser chamado de “folha de pagamento”, semelhante a qualquer outro item de custo que pesa sobre os resultados da empresa.
Quem é útil só tem valor de uso, que diminui com o passar do tempo ou com o surgimento de muitos e muitos utensílios similares. E os utensílios se parecem.
Quem pensa ser útil, acha que tem de sobreviver por meio de sua utilidade, portanto tudo o que consegue é exatamente… sobreviver. E quem escolhe sobreviver, não consegue pensar em outra coisa.
Quem é útil busca a manutenção e a conservação da sua utilidade.
Quem é útil logo vai perceber que os valores de fora, as normas e os procedimentos, são mais considerados do que os valores de dentro, do que as virtudes pessoais; que a produtividade se sobrepõe à criatividade; e que, no final, os resultados contam mais do que o processo, o esforço para que sejam alcançados.
E por que, então, grande parte das pessoas se deixa engaiolar? Porque faz a pergunta errada. A pergunta errada é: o que funciona? Perguntas erradas conduzem a respostas erradas. Da mesma forma que perguntas certas levam a respostas certas. E o que funciona? Um garfo, assim como um martelo ou um alicate. Coisas funcionam. Uma empresa-objeto funciona.
A pergunta certa
O que fazer para não levar uma vida de objeto? Qual é a alternativa?
Ser contributivo!
Não se trata de um jogo de palavras. Quando quer ser útil, você olha para fora e procura a porca ou o parafuso a ser apertado. Quando quer ser contributivo, você olha para dentro e procura em si o que pode ser oferecido, seus dons e talentos, suas inteligências, sua integridade, seus valores e virtudes. O que torna você a única pessoa capaz de fazer o que faz.
E isso porque você faz a pergunta certa. Deixa de se questionar sobre o que funciona, para se concentrar na questão fundamental, ou seja, o que verdadeiramente importa?
Você vai descobrir que o que importa constrói outra história. A história da vocação humana, pois vivê-la é o que verdadeiramente faz sentido.
Ser útil remete à utilidade.
Ser contributivo remete à fecundidade.
Um negócio é reflexo do seu empreendedor; uma equipe é reflexo do seu líder; o trabalho é reflexo do seu elaborador. Quem é útil, vai empreender negócios úteis, que se desgastarão e sucumbirão com o tempo. Mas quem é contributivo é fecundo, sujeito ao invés de objeto. Um empreendedor sujeito vai construir um negócio também sujeito, que vai tratar o cliente como sujeito, o colaborador como sujeito, o fornecedor como sujeito, o investidor como sujeito, a comunidade como sujeito, a sociedade como sujeito, o planeta como sujeito.
Ser contributivo é ter consciência de que somos seres inacabados e de que existe dentro de cada um de nós um devir, um vir a ser. Cada um de nós é uma promessa de evolução, somos fecundos e, se bem cultivados, vamos gerar riquezas inimagináveis. Infinitas. Descobrir o que verdadeiramente importa é saber que nós nos transformamos naquilo que cultivamos. Um processo contínuo e gratificante, capaz de oferecer generosa nutrição tanto a nós como a todos os que nos rodeiam. O ideal da criação!