Empreendedores crescem com auxílio de mentoria empresarial

Entre tantas ideias, dúvidas, receios e possíveis muitos erros antes dos maiores acertos, a criação de uma empresa de sucesso é um mistério distinto para cada empreendedor. Mas é possível desenvolver um sonho do negócio próprio e fazê-lo se tornar realidade sem necessariamente enfrentar um bicho de sete cabeças, sugerem os especialistas.

Conforme o sócio de um fundo de investimento e mentor Endeavor Donato Ramos, o Brasil já possui uma significativa rede de projetos de apoio que podem ser acessadas por qualquer pessoa que queira se tornar um empresário com propostas inovadoras. As oportunidades estão aí.

Uma delas começa com o ano novo. Em janeiro, a Endeavor inicia mais uma turma de aceleração pelo recente programa Promessas em Santa Catarina, em parceria com o Sebrae SC. A ideia do novo programa é incentivar a cultura e prática da mentoria entre gestores experientes e empresários iniciantes que estão alavancando seu negócio. A ideia é estender a mentoria Endeavor a mais gente, empreendedores numa fase mais inicial da empresa e fomentar encontros entre empreendedores iniciantes e experientes, tudo num período de seis meses.

Mas a própria busca por uma mentoria é um assunto que deve ser encarado com seriedade pelo empreendedor. Fernando Dolabela, autor do livro “O Segredo de Luiza”, lançado pela primeira vez em 1999, conta a saga de dúvidas, decisões, relações profissionais e conselheiros de uma jovem empreendedora. Dolabela é enfático ao afirmar que a grande escola para o empreendedor é a rede de relacionamentos que ele possui, o aprendizado que constrói através de conexões. “O que caracteriza mesmo o aprendizado do empreendedor é que não se pode transferir este conhecimento, não tem como ensinar uma receita. O papel do empreendedor é criar o futuro. Ele não prevê o futuro, no futuro não há resposta”, diz o professor da Fundação Dom Cabral.

A ideia dele é que cada um deve buscar suas soluções: Uma rede de pessoas com informações que permitam que ele conheça o mercado faz muito bem. Deve conhecer o cliente, os fornecedores, concorrentes, o produto. Mas principalmente os clientes. O empreendedor tem que encontrar clientes. Quem são e o que querem essas pessoas, que deverão estar dispostas a pagar um valor que represente um retorno que remunere todos os empreendedores e permita investimento.

“É através da rede de relações que ele deve tecer substâncias para a resposta que vai criar. Há poucas probabilidades de se ensinar a empreender. Áreas de conhecimento dominado como construir uma ponte, fazer campanha de marketing, são diferentes”, afirma Dolabela.

Liberdade de orientação

No livro, Luiza é estudante, decide montar sua empresa, fica sabendo do nome do professor Pedro e vai procurá-lo. Vai cheia de perguntas, e ele só teve perguntas para dar a ela. Através dos questionamentos que ele fez começou a ter mais consciência do que ela tinha ou não em mãos e os caminhos. “Um dos grandes segredos é o autoconhecimento. Saber o que se quer, o que não se quer. O que se pode, o que não se pode. O que se sabe, o que não se sabe.”

Se não há receitas prontas, é mais um motivo para se alimentar conexões profissionais e pessoais de qualidade. “O legal é se plugar em redes de relações que contenham parceiros das áreas necessárias naquele momento. Estes ambientes são grandes centros de empreendedores. O Vale do Silício é o Vale do Silício porque ali você respira empreendedorismo, com gente disposta a criar e desenvolver”, indica, e neste sentindo iniciativas como da Endeavor são uma boa escolha. Conforme Dolabela, as mentorias de marketing, finanças e gestão são mais objetivas, concretas e palpáveis. “Mas não são exatamente da área empreendedora. São ferramentas usadas por empreendedores. Assim como o mecânico usa a chave de boca, sem marketing, sem vendas, não há empresa saudável.”

Promessas com Luiz Rezende

Mesmo buscando orientações, a leitura da resposta dos mentores também deve ser aplicada. Dolabela provoca: “Imagine se o criador da Localiza tivesse tido um mentor despreparado?”, e explica: “Ele abriu no pior momento histórico para o negócio, num tempo que as pessoas iam para o trabalho de carona para economizar na gasolina. Perguntou para pessoas ao redor o que achavam da ideia, mas a resposta era que ele era louco, não lia jornal. Aí pensou: “Se todo mundo é contra, deve ser bom”. Começou comprando cinco fusquinhas usados, e transformou o mercado de aluguel de carros, antes apenas existente no mundo de luxo e empresarial. Estendeu para vendedores, turistas, gente que precisa de um carro por alguns dias. Hoje é a maior locadora do Brasil.

E se Bill Gates ou Steve Jobs tivessem um mentor, digamos, careta? Outra questão do investidor. “Bill era um adolescente que montou um computador através de leitura de revistas com a meta de competir com a IBM. O que se diria a ele? “Vai para Harvard, acabar seu curso de Direito, e depois veja o que vai fazer da vida”. São exemplos de como a mentoria deve ser muito cuidadosa, não simples e óbvia. Um empreendedor não está diante de uma opção A, B ou C. Ele está diante de uma nuvem não formada. Não é resposta pronta, ela é armadilha”.

Dinheiro na mesa

O professor reforça que há dinheiro para boas ideias de gente que disposta a enfrentar o incerto – e que consiga se estruturar minimamente para poder receber recursos. “Tem muito capitalista de risco investindo em novas empresas. Às vezes até conhece pelo Facebook, entra em contato, coloca dinheiro na proposta. Esta pessoa mantém a propriedade da empresa ao criador, mas ela assume também a gerência. Peter Hill investiu no Facebook concedendo R$ 6 milhões a meninos da universidade. Ele criou uma bolsa de estudos para alunos com menos de 20 anos com ideias para empresas. Pagou 100 mil dólares para eles saírem da universidade e fossem para o Vale do Silício se enturmar nas redes de relações. Esta é a verdadeira mentoria.”

O próprio Donato Ramos é um destes investidores. “Compreender se a pessoa está firmemente preparada para questionar suas verdades já é um teste inicial”, indica. “Como mentores, fazermos indagações. Ele será levado para fora da sua zona de conforto, e deve estar disposto para isto, ser desafiado, responder perguntas, trocar comentários. De cabeça aberta para discutir.”

Para Ramos, o ideal é que o empreendedor integrante do programa aproveite a oportunidade para usar a rede de uma forma rica e dinâmica, conversando com o maior número possível de mentores e ir fazendo contato com seus colegas. Depois de tudo, ele vai ter sua ideia melhorada, ou sair com novos caminhos em vista. “Para nós, vale muito o momento do agradecimento sincero ao final do encontro, os sorrisos, aperto de mão e a certeza que realmente pode ajudar aquela pessoa.

Como empreendedor, Ramos também mantém sua própria rede de mentores pessoais. Pessoas da sua rede de relações, com alguém que tem alguma afinidade mais próxima, ou com pessoas que trabalharam ou trabalham com ele. “Com esta rede de pessoas troco experiências. A visão de fora é muito interessante porque ela não tem seus próprios vícios de como avaliar as questões nem os vícios do setor. Isto funciona muito bem para mim.”

Ramos ingressou no conselho consultivo da Endeavor em 2008, desenvolvendo entre três e quatro mentorias periódicas e mais constantes que as dos Promessas. Acompanhou, por exemplo, a Biruta, de propaganda, e a Sedi, que organiza a situação legal das empresas. “Até então o trabalho de mentoria era mais contínuo e próximo do Empreendedor, com conversas pelo menos semanais sobre uma série de assuntos como crescimento, estratégia, gestão de pessoas, remuneração, acompanhamento da situação, das providências. Este trabalho continua, mas agora, com os Promessas, atinge-se mais empresas que possuem demanda de orientação. São mentorias mais pontuais, de uma ou duas horas sobre determinado assunto e companhias um pouco mais iniciantes, mas com grandes chances de crescer.”

As dores do crescimento

Conforme o diretor da Endeavor em Santa Catarina, Luiz Guilherme Manzano, “Quando a empresa deixa de ser pequena e torna-se grande, aparecem as dores do crescimento. O empresário estará lidando com sistemas e controles de governança mais sofisticados. Já não conhece todos os funcionários pelo nome, e o ritmo e importância das mudanças é acelerado. Há de se estar preparado para isso.”

Há de se ter melhores condições para gerir o progresso, na visão do diretor. “Logo ele irá precisar de um bom parceiro – ou da área técnica ou da área de gestão. Precisará avaliar a estrutura de vendas, comercial. Aprender a delegar responsabilidades, buscar apoio ou firmar parcerias, ser líder do negócio, gerir pessoas. Entendemos que o aprendizado, no início, pode ter mais efeito, como nos anos iniciais da infância, quando a criança está formando inclusive o caráter. Nos voltamos a empresas também com potencial e um certo tempo de atuação, mas que ainda está começando a escalar, não está sentindo as dores da escalada”, diz Manzano.

No momento de selecionar empresas para o Promessas, o foco é empreendimentos que tenham um bom produto, diferencial e indícios de realizações, sem tanta atenção ao faturamento atual, por exemplo. “De forma tradicional, desenvolvemos parcerias com a Bebê Store, um grande portal de vendas, com alto crescimento e grande faturamento. No Promessas também atingimos a Amaro.com, um e-commerce de moda muito menor, mas com excelentes empreendedores. Outro exemplo é o Guia Bolso, um aplicativo de gestão financeira pessoal gratuito, que, feito por empreendedores jovens, não tem faturamento ainda, mas uma tração gigantesca no número de usuários. Se o empreendedor amadurecer, com consciência do que vai enfrentar, seu negócio também amadurece”, diz.

Mesmo assim, o foco continua nas empresas de alto crescimento. Elas representam 1,5% das empresas brasileiras, 35 mil empreendimentos, e geram 50% nos novos postos de trabalho, conforme dados do IBGE. O novo programa de mentoria da Ong internacional foi elaborado no Brasil, o País com maiores operações, time, e cases. “Estamos na quinta economia do mundo, temos um alto potencial de mercado a desenvolver.”

As mentorias são oferecidas com diversos parceiros, como Sebrae, LocalWeb, Odebrecht, o software alemão FAP ou a Apex (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimento) . Os programas de seis meses de duração são divididos em duas fases: Na primeira, um diagnóstico financeiro, operacional e de mercado feito por executivos mentores com experiência no modelo de negócio. Na segunda fase, empresas com ponto em comum recebem mentorias coletivas com gestores de grandes empresas. “Eles aprendem com os mentores e trocam experiências com seus pares. Para os mentores é muito interessante por se manter atualizados com o mercado. Além disso, o dia a dia deste grande empresário é recheado de problemas. O momento de conceder mentoria, muitos relatam, é um descanso, uma hora de diversão, quando encontra um jovem cheio de energia e querendo desenvolver um projeto. Ele sente que pode ajudar, e isso faz muito bem a todos”, diz Manzano.

Ao todo, as empresas que participam do Promessas entram em contato direto com cerca de 10 mentores e entre 15 a 20 empresas-pares, e as afinidades naturalmente se encontram, conforme o diretor regional da Endeavor. “Não podemos prometer que a empresa completará seu ciclo e seguirá com um mentor, um padrinho para o negócio. Necessariamente, ela vai ampliar seu espectro de gestão e relacionamentos, mas não podemos assegurar parcerias”, esclarece Manzano. “Tentamos ser o mais assertivo possível nos encontros, pois conhecemos as novas empresas e casos referenciais. A mentoria ainda é uma cultura nova.

Mas cada vez é mais comum os empresários entenderem o valor que um conselho ou apoio teve na sua carreira e repassar a experiência”, conta. “Por outro lado, os jovens também precisam deixar de lado certa insegurança de falar de suas ideias, problemas e abrir dados da empresa para outra pessoa, além de chegar na mentoria com questões claras e fazer render o tempo com o mentor, fazer valer o que ele falar”, diz Manzano. Além, ele resume o perfil do empreendedor do Promessas: “Ele tem que ser capaz de se transformar para evoluir, pois ao longo de sua trajetória podem mudar os consumidores, os desejos dos trabalhadores, as características do produto, e a estrutura de gestão. Precisa ser capaz de ler o que está acontecendo na empresa e se transformar. Aprender a ouvir o mentor, o cliente ou funcionários. Estar aberto”.

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