Para a engenheira de produção Roseméri Rosa, as empresas precisam “desenhar” processos adequados para receber novas tecnologias. “Se não, você automatiza o caos”, comenta.
Para a engenheira de produção Roseméri Rosa, especialista em processos na i3C Soluções, com sede em Joinville (SC), a transformação digital não se resume à tecnologia. O sucesso na implantação desse processo passa por três pilares: processos, pessoas e tecnologia. “Não adianta gerar dados se não há pessoas preparadas para analisar e tomar decisões”, avalia.
Ela lembra a história da portaria onde se exigia na saída do visitante a entrega de um papel assinado pelo respectivo setor. Um dia, o visitante, ao ser impedido de sair por ter esquecido a assinatura, deu meia volta e a falsificou. O porteiro não se deu conta que seria impossível o visitante ter conseguido a assinatura em tão pouco tempo. Agindo no “piloto automático”, guiado por um conjunto de regras que “sempre foram assim”, ele simplesmente depositou o papel em uma gaveta cheia, colocando a informação em lugar nenhum.
“É o clássico exemplo de informações que não se conectam, não geram valor e não cumprem o objetivo, totalmente o oposto do que alcançamos quando entramos na jornada da transformação digital”, diz a engenheira nesta entrevista, confira:
EMPREENDEDOR – O que os processos têm a ver com a jornada de transformação digital?
Roseméri Rosa – A tecnologia será inserida em um processo, vai fazer parte, vai ser uma parte. O processo precisa estar adequado para receber a nova tecnologia; ela, por si só, não faz milagre. O processo precisa estar desenhado para recebê-la. Sempre orientamos sobre a existência de dois fluxos: o de processo e o da informação. Se o segundo não está de acordo com o primeiro, você não tem resultado que gera valor. Por exemplo, você não conseguirá implantar um processo de rastreabilidade se o fluxo da informação não estiver adequado a essa necessidade e se não houver integração de sistemas. Ou seja, se você não tiver dados inseridos desde o início do processo e em condições de serem aproveitados ao longo de todas as etapas. Caso contrário, você automatiza o caos. A tecnologia recebe qualquer input, mas essa informação sozinha não vai te agregar o suficiente.
EMPREENDEDOR – E em relação às pessoas?
Roseméri Rosa – As pessoas são as agentes de mudanças e de transformação. Quando se entra em uma jornada com esse objetivo, é preciso que as pessoas estejam abertas às mudanças. É preciso atenção a isso, pois trata-se de uma barreira quando as pessoas não estão dispostas a quebrar paradigmas, ficam submersas na famosa “síndrome de Gabriela”, com a mentalidade de que “sempre foi assim”, principalmente as lideranças. Há certo tempo já ouvimos que a transformação digital mudaria o perfil dos profissionais e as profissões, ocorre que muitos ficaram paralisados no receio de que a tecnologia prejudicaria a empregabilidade, em vez de apenas substituir mão-de-obra. Não adianta gerar dados se não há pessoas preparadas para analisar e tomar decisões.
A transformação digital precisa estar no planejamento estratégico da empresa. Todos os setores, todas as lideranças, todos os níveis precisam estar com a mesma visão, de que estão em um momento de transformação digital. Trata-se de um movimento da empresa, não de uma área só. Se a iniciativa partiu de uma pessoa, já nasceu comprometida. E nos chama a atenção o quanto as áreas de TI e de RH não estão preparadas para a transformação digital, isso precisa mudar com urgência.
EMPREENDEDOR – Como você avalia o nível geral de maturidade das empresas com relação a estas transformações?
Roseméri Rosa – Muitos querem a transformação digital mas em ações isoladas. Várias empresas acham que criando uma área de inovação estão na jornada. Só que essa área apenas fomenta a transformação digital, não a promove sozinha. Outros empresários acham que ao criarem uma incubadora ou uma aceleradora, entraram na transformação digital. A Alemanha, grande propulsora da indústria 4.0, tem uma ferramenta consolidada de avaliação, são mais de 200 perguntas para entender o nível de maturidade, que comprovam o quanto a transformação digital passa por diferentes áreas e vai muito além.
EMPREENDEDOR – Que dica você deixa a quem está buscando entrar nessa jornada da transformação digital?
Roseméri Rosa – Que busquem qualificar o mindset. Há uma carência de pessoas com essa visão dos três pilares. A área de TI não conhece de processos, a área de processos não conhece de tecnologia, e a área de recursos humanos não entende de nenhum dos dois. Isso precisa mudar. A transformação digital não é um botão que se aperta, é uma jornada.