Por Ewerton Mokarzel, CEO e sócio da FutureBrand SP*
Virar ecossistema entrou no vocabulário corporativo e virou pauta de quase toda reunião. A sedução é real. Reunir serviços, produtos e parceiros em torno de uma plataforma central transforma a marca em destino único, aprofunda o vínculo e torna a troca por outra marca mais custosa para o usuário. Nem todo negócio deve, pode ou consegue ser um ecossistema.
A mudança começa nos fundamentos e na mentalidade. Sair da lógica de catálogo de produtos e entrar na lógica de experiências conectadas. O resto é consequência de cultura interna coesa, governança que integra e clareza do problema que a marca busca resolver na vida das pessoas.
Quem tem o cliente tem tudo
Trazer um novo cliente pode custar de 5 a 25 vezes mais do que manter quem já está com você (Harvard Business Review), e ecossistemas reduzem esse custo ao plugar cada nova solução em uma relação viva e conhecida. O Mercado Livre é um caso didático. Marketplace, pagamentos, crédito, logística e publicidade funcionam como engrenagens que se retroalimentam. O Mercado Pago, que começou como meio de pagamento do marketplace, virou banco digital e motor de retenção e monetização de compradores e vendedores.
Caminho conhecido
É estratégia para um mercado com oferta demais, atenção curta e margem comprimida. Na disputa por relevância, qualquer reaprendizado derruba conversão e ecossistemas vencem porque oferecem atalhos mentais. O iFood prova o ponto ao manter pedido, pagamento e acompanhamento no mesmo ambiente para o consumidor e, no lado do parceiro, concentrar conta digital, crédito e antecipação. Além do food, expandiu para mercado, farmácia, bebidas e pet. Mesmo login, mesmo fluxo de pagamento, mesmo rastreio.
Menos marcas mais força
Simplicidade virou vantagem competitiva, e o Global Brand Simplicity Index mostra que 64% das pessoas pagariam mais por experiências simples. Na prática, isso se traduz em portfólios enxutos e interfaces únicas que geram coerência, aumentam a lembrança e reduzem esforço e custo. A Localiza reforça essa lógica ao trazer a assinatura de carros do Meoo para o mesmo guarda-chuva de mobilidade, diminuindo o esforço de entendimento do cliente e preservando a mesma promessa, com a mesma confiança.
Presença contínua
Marcas fortes não vivem de picos. Vivem de frequência. Estar presente em diferentes necessidades do mesmo público cria contato recorrente, nutre vínculo e fortalece a lembrança de marca. Quando a utilidade é diária, a marca sai da campanha e vira rotina. No aplicativo do Banco Inter o cliente paga, investe, compra com cashback no Inter Shop, reserva viagens no Inter Travel e contrata seguros. A presença se torna constante, elevando a relevância percebida e convertendo conveniência em desejo.
Coloque os dados para trabalhar
Melhores dados, melhores experiências. Observar hábitos de compra em vários contextos aprofunda o entendimento do cliente e permite personalizar narrativa, jornada e antecipar demandas. LTV confiável eleva a qualidade da decisão e aponta onde ampliar sortimento, quando subsidiar frete e qual oferta destrava o próximo ciclo. A Netflix transforma sinal de uso em recomendação, merchandising e precificação. O plano com anúncios já alcança 94 milhões de usuários ativos mensais, a empresa elevou projeções de receita e margem em 2025, e o valor de mercado superou US$ 500 bilhões após alta de – 70% em 12 meses.
Conquistar é caro, reter é inteligente
Ecossistema não é salada de marcas. É caminho para ganhar base em mercados lotados, segurar quem já está com você, rodar a operação com menos atrito e acelerar inovação em um ambiente que aprende a cada uso. Retenção custa menos do que aquisição quando a próxima venda acontece dentro da mesma relação conhecida. Simplicidade aumenta valor percebido e recomendação quando a marca reduz etapas e fala uma língua só ao longo da jornada. Decisões ficam melhores quando LTV e comportamento entram no mesmo painel. Frequência de uso sustenta lembrança sem inflar o custo de mídia.
A vantagem competitiva nasce dessa soma e atrai mais gente ao resolver várias necessidades no mesmo lugar. Mais gente fica porque sair dói. A operação rende porque áreas compartilham dados, canais e infraestrutura. A inovação acelera porque novas soluções são testadas no ambiente em que o cliente já confia. Quando a jornada acontece dentro de casa, cada real investido trabalha duas vezes. Primeiro para converter. Depois para gerar engajamento.
*Ewerton Mokarzel é designer e executivo com mais de 25 anos de experiência em branding. CEO e sócio da FutureBrand, lidera projetos de transformação para grandes empresas no Brasil e no exterior, com passagens pela Austrália e Singapura. Reconhecido por unir estratégia e execução criativa, conquistou mais de 250 prêmios nacionais e internacionais, incluindo os mais importantes do setor, e consolidou a FutureBrand como a maior consultoria de marcas do país e uma das líderes globais. Ao longo da carreira, já trabalhou com empresas como Grupo Boticário, Santander, Nestlé, Hering, BTG Pactual, Track&Field, Localiza, Banco do Brasil, Porto Seguro, JBS, Nespresso, entre outras.



