O desafio do novo governo será manter a estabilidade brasileira sem a retração da economia

No ano que começou, o desafio do novo governo será manter a estabilidade no País sem retração da economia

O período que se encerrou com o fim do governo Lula pode ser saudado pelo varejo nacional como uma época de estabilidade econômica conquistada a duras penas e de crescimento substancial nas vendas, especialmente nos últimos dois anos. Agora o novo governo tem em mãos a responsabilidade de dar continuidade aos bons ventos que têm impulsionado o varejo e o setor produtivo nacional. O grande desafio será dar continuidade à estabilidade econômica sem os sobressaltos mais comuns em um momento de transição.

Um claro exemplo será a manutenção da política inflacionária, sem a elevação em doses excessivas da taxa básica de juros. Líderes varejistas e especialistas no mercado financeiro apostam em uma retração, mas sem queda substancial na atividade econômica. O afrouxamento dos últimos meses do governo Lula, em função da pressão eleitoral, certamente cairá no colo da presidenta Dilma Rousseff como mais um sintoma que exigirá um remédio amargo nos primeiros e decisivos meses de governo.

De acordo com dados divulgados pela CNDL, o desempenho acima dos 10% em crescimento de vendas registrado no ano passado não deverá continuar no mesmo ritmo, embora isso não signifique uma queda nas expectativas positivas da entidade. ”Para este ano temos uma previsão de crescimento das vendas da ordem de 5%, o que a princípio pode parecer um índice modesto, mas é um ótimo indicador se comparado com a situação em que nos encontrávamos há dois anos”, enfatiza Roque Pellizzaro Junior, presidente da CNDL. Ele sustenta que o bom momento do varejo nacional será alavancado pelo tripé ”renda, emprego e crédito”, ancorado no aumento do salário mínimo acima da inflação, o que mantém o poder aquisitivo da população em alta. Pellizzaro Junior destaca também que a oferta de crédito pelos próprios lojistas também constitui um fator de impulso para o consumo, pois as restrições anunciadas pelo governo afetam basicamente os produtos com maior valor agregado.

Otimismo contido

O cenário promissor para 2011 também é partilhado, com ressalvas, pelo economista Roberto Meurer, da Universidade Federal de Santa Catarina. Segundo ele, como o consumo está ancorado principalmente na evolução da renda das famílias, que determina o limite para os gastos, existe uma boa perspectiva para o crescimento da economia brasileira, com uma expansão em níveis similares ao PIB. ”O fato de estar ocorrendo uma melhora na distribuição da renda e a inclusão de mais famílias acima do nível de pobreza geram um efeito de expansão adicional no consumo, porque o poder de compra dos segmentos de renda mais baixa é cada vez maior, o que gera um efeito imediato”, argumenta Meurer.

O professor da UFSC lembra, no entanto, que o governo não poderá perder o pulso na condução de áreas sensíveis como a busca constante pela redução do gasto público. Um descontrole pode se constituir em uma ameaça para a estabilidade, já que o déficit gerado a partir de condições fiscais avariadas tem o poder de interferir na confiança dos agentes econômicos. ”O problema com os gastos do governo é a dificuldade de revertê-los quando a economia está em crescimento. A preocupação com o gasto público decorre do seu efeito sobre a dívida pública, já que uma dívida muito alta aumenta os riscos e com isso as taxas de juros exigidas pelos compradores dos títulos públicos aumentam. Isto explica a política fiscal de geração de superávits primários adotada pelo governo brasileiro, cujo objetivo é reduzir a dívida em relação ao tamanho da economia”, ensina Meurer.

De acordo com o economista, só com dívida mais baixa é que pode ocorrer uma redução estrutural da taxa de juros, cujos efeitos não se restringem ao custo do endividamento do governo, mas também no custo do financiamento ao setor privado, fazendo com que os compradores de títulos tenham de encontrar alternativas para a aplicação de seus recursos. ”Por isso, a bandeira de austeridade fiscal do novo governo busca exatamente evitar a geração de expectativas de descontrole da dívida”, lembra.

Metas a cumprir

Parece um consenso entre o setor produtivo e a sociedade de que está mais do que correta a opção pela continuidade da política macroeconômica, baseado em metas de inflação, câmbio flutuante e superávit primário. Mas isso não significa que não exista a possibilidade de alguma mudança na prática. ”A escolha de Alexandre Tombini para a presidência do Banco Central sinaliza a continuidade da política monetária com autonomia operacional, mas o final do governo Lula, especialmente a partir da crise financeira, foi de uma política fiscal mais frouxa, que não foi revertida com a normalização da economia”, diz Meurer. Segundo ele, de nada adianta anunciar maior austeridade, na busca por um maior superávit primário, se não há clareza se isto vai acontecer de fato, já que reduzir gastos autorizados é muito mais fácil do que reduzir o nível de gastos em relação ao observado em períodos anteriores.

Em relação ao câmbio, o economista considera muito difícil sairmos do regime flutuante, mas pode ocorrer uma maior intervenção no mercado de câmbio ou controle de capitais. ”A intervenção no mercado cambial para evitar uma maior apreciação da moeda brasileira é limitada pelo efeito fiscal dessa intervenção, porque comprar moeda estrangeira significa necessidade de emitir títulos públicos para enxugar a liquidez em moeda nacional gerada pela compra de divisas. O principal aspecto que se coloca para avaliar a política macroeconômica é o que vai ocorrer com a política fiscal, se as pressões por aumentos de gastos serão atendidas ou se eles serão controlados”, define. 

Ambiente propício

Para Claudio Felisoni, coordenador do Provar (Programa de Administração de Varejo) da Fundação Instituto de Administração, o desempenho do varejo em 2011 não será exuberante como no ano passado, mas isso não significa uma performance negativa nem um cenário menos otimista. ”Tivemos um resultado bastante expressivo no Natal de 2010, algo em torno de 13% a 15% de crescimento sobre o ano anterior, e veja que em 2009 já vínhamos de um crescimento de 10% para o Natal anterior. Isso, somado ao crescimento da massa real de salários e uma taxa de juros estável na ponta, traz boas perspectivas para este ano”, analisa. Para o coordenador do Provar, há um ambiente de grande liquidez, associada a prazos longos e índice de emprego elevado, o que aumenta o nível de otimismo no mercado.

Segundo Claudio Felisoni, o governo Lula foi conservador na política monetária, mas não na área fiscal, e embora a pressão sobre os preços tenha ficado acima do que o Banco Central esperava para 2010, a valorização do real ante o dólar segurou uma alta maior da inflação. Por isso, o câmbio não deve mudar, calcado em uma taxa de juros alta, destinada a impulsionar a atração de recursos. ”O governo tem sido leniente com a política fiscal, mas agora Dilma terá de ser mais firme com os gastos públicos, como vem sinalizando, através dos cortes do orçamento”, assegura Claudio Felisoni. Segundo ele, são medidas que devem conter a inflação, que no final das contas é o grande flagelo para o consumo, ao retirar a renda real do trabalhador e onerar quem ganha menos.

A ideia é compartilhada por Roberto Meurer, que propõe uma vigilância máxima a essas variáveis ao longo deste ano. ”Como existe limitação da capacidade produtiva, quando a demanda fica elevada a ponto de pressionar os preços, é necessário elevar os juros como medida para conter a demanda. Inevitavelmente ocorrerão desvios em relação à meta de inflação ou em relação à produção máxima possível na economia. Será difícil evitar elevações de juros ao longo de 2011, mas obviamente o Banco Central procurará tornar o custo do controle da inflação o menor possível em termos de produção perdida”, diz Meurer.

Claudio Felisoni acrescenta que nos primeiros meses o crescimento deve ser menor, mas que no balanço geral as vendas continuarão em alta e impulsionando o PIB. ”No final as vendas devem cair um pouco, junto com a inflação, que será mitigada pelo volume de importações. Para o curto prazo não vejo grandes mudanças, mas temos que começar a nos preocupar com questões como a infraestrutura e o aumento da poupança interna, que ainda é muito pequena”, define Felisoni. Dados da Fecomercio (Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo) também apontam na mesma direção do Provar. Para a entidade, o crescimento das vendas neste ano não deve ultrapassar o patamar dos 6%, sendo alguns segmentos como o de eletroeletrônicos e concessionárias de veículos alguns dos mais afetados pelos juros ainda elevados.

Bandeiras lojistas

Para os lojistas, algumas das significativas vitórias do movimento em 2010 devem continuar na pauta, monitoradas e estendidas a outros patamares de luta institucional. De acordo com Roque Pellizzaro Junior, a regulamentação dos cartões de crédito, que gerou a unificação das máquinas leitoras, além de regras objetivas e a economia de bilhões para os lojistas, deve se manter na pauta de acompanhamento junto ao Banco Central. Além disso, a Confederação deve verificar os desdobramentos da implantação do Cadastro Positivo, aprovado no segundo semestre do ano passado pelo Congresso Nacional, e a Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas. ”A Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas encontrou na Confederação uma grande ressonância, discutindo, debatendo e defendendo o ponto de vista dos empreendedores de micro e pequeno portes, em especial o aumento nas faixas do Simples Nacional e o fim da Substituição Tributária. Esta continuará sendo uma bandeira prioritária em 2011”, afirma Pellizzaro.

O presidente da CNDL também reforça que a atuação da entidade nos seminários de preparação do comércio para a Copa do Mundo de 2014 deve continuar, tendo como ênfase as estratégias para o ambiente digital que cerca o megaevento. Por outro lado, a Confederação deve permanecer alerta e unida à Frente Parlamentar do Comércio Varejista contra eventuais retrocessos, como a ventilada volta da CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira), logo após a posse do novo governo.

Ajustes tributários

Outra reforma importante para o setor produtivo e que sempre fica pendurada na agenda de propostas que não são levadas adiante é a Tributária. Em termos operacionais, define o economista Roberto Meurer, uma reforma tributária tem de ser feita em uma fase de transição que permita o ajuste dos agentes, inclusive o governo, às novas regras. ”Não existe mágica na reforma tributária. Se alguém pagar menos impostos, outro terá de pagar mais ou os gastos teriam de ser reduzidos para que o resultado das contas públicas não se altere. Por consequência, necessariamente uma reforma tributária gerará conflitos, o que explica o fato de haver uma concordância sobre a necessidade de reforma tributária e uma ausência de acordo sobre qual é essa reforma”, lembra.

Por um lado, os agentes econômicos concordam que uma mudança no sistema tributário gerará reações por parte daqueles que tenham de pagar mais impostos e o mesmo se aplica ao caso da previdência, onde aumentar a idade de aposentadoria ou de tempo de contribuição não será fácil. Ainda assim, é necessário recolocar o debate na mesa de negociações e dar o início do jogo. Assim como as demais reformas estruturais que o País necessita, o varejo anseia por uma carga tributária mais justa e menos onerosa. O ano está apenas começando, mas já promete muitas batalhas pela frente.

 

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