Por Carine Roos, fundadora e CEO da Newa*
Desde o ano passado tem acontecido um movimento de redução de investimentos em Diversidade, Equidade e Inclusão nas organizações e despolitização sobre o real sentido das políticas de inclusão em ambientes corporativos e acadêmicos, movimento esse sendo liderado por lideranças conservadoras nos Estados Unidos, mas que tem atingido globalmente multinacionais. Empresas como PwC, Google e Facebook cortaram pessoal de DEI, além de demissões como da Latondra Newton, diretora de diversidade da Disney, Karen Horne, vice-presidente sênior de diversidade, equidade e inclusão da Discovery e a saída de Vernā Myers, vice-presidente de Inclusão e Estratégia da Netflix em Junho de 2023. Portanto, antes da renúncia da primeira presidenta mulher e negra, Claudine Gay, na presidência de Harvard em Janeiro.
No dia 3 de Janeiro Elon Musk fez um post na sua rede social X, antigo Twitter, mencionando aos seus 168 milhões de seguidores que Diversidade, Equidade e Inclusão (DEI) era “apenas mais uma palavra para racismo”, acrescentando seus comentários em um retuíte do investidor bilionário americano e gerente de fundos de cobertura Bill Ackman, que postou uma longa crítica às políticas de DEI. Ainda, quando ocorreu o incidente no plugue de porta da Boeing 737 Max 9, da Alaska Air, em Janeiro, causando uma violenta perda de pressão e submetendo os passageiros e a tripulação a ventos fortes e ruídos fazendo o avião retornar para um pouso de emergência, Musk iniciou uma série de tuítes contra DEI. Ele relacionou o incidente aos esforços da companhia em diversificar a força de trabalho, e que, segundo ele, havia contribuído para o acidente. O problema é que não há nenhuma evidência de que esses esforços tivessem qualquer relação com o aumento de diversidade na companhia. Aliás, o relatório sobre o acidente aponta que na verdade faltavam 4 parafusos no plugue de porta.
A necessidade de refinar nosso olhar sobre DEI
As relações raciais são profundamente complexas. Devemos estar dispostos a considerar que, a menos que tenhamos nos dedicado a um estudo intencional e contínuo, as nossas opiniões serão necessariamente desinformadas, até mesmo ignorantes.
A professora americana que trabalha nas áreas de análise crítica do discurso e estudos de branquitude, Robin DiAngelo, aponta que o racismo está profundamente enraizado na estrutura da nossa sociedade. Para ela o racismo não se limita a um único ato ou pessoa. Nem vai e volta, isto é, um dia beneficiando pessoas brancas e outro dia beneficiando pessoas pretas. Mas sobretudo a assimetria de poder entre pessoas brancas e negras é histórica, tradicional e normalizada na ideologia. O racismo difere do preconceito racial individual e da discriminação racial na acumulação histórica e no uso contínuo do poder e autoridade institucional para apoiar o preconceito e impor sistematicamente comportamentos de discriminação com efeitos de longo alcance.
Outro argumento comum trazido por determinados grupos é de que o problema não é com a DEI, mas como as políticas têm sido implementadas que, na visão deles, são compulsórias e violam compromissos constitucionais como a liberdade de expressão e a igual proteção da lei fazendo com que várias universidades nos EUA aprovem e mantenham códigos de discurso que, em suas palavras, são considerados “draconianos” e criam um “sistema de censura”.
Aqui vale mais uma vez resgatar o verdadeiro sentido das políticas de DEI que é a promoção da justiça social por meio do desmantelamento das relações de poder que beneficiam historicamente determinados grupos em função do seu gênero, raça/etnia, classe e identidade de gênero. E para isso ser possível será necessário mexer no status quo e revisar privilégios de homens, pessoas brancas e a naturalização da cis heteronormatividade nas organizações e sociedade.
Isso significa também desafiar o que se entende por liberdade de expressão, pois este conceito apresenta limites claros: ofensas, intimidações, agressões e qualquer expressão que incite violência e ou discriminação de pessoas e grupos não são meras opiniões, podem configurar discurso de ódio e devem ser condenadas. Políticas de Diversidade, Equidade e Inclusão não possuem como intuito “forçar comportamentos”, mas criar condições para que todas as pessoas recebam apoios de que precisam para terem acesso às mesmas oportunidades com o objetivo de eliminar desigualdades historicamente acumuladas.
E para isso, a professora DiAngelo explica que vamos precisar desafiar ideologias ocidentais como o individualismo e a objetividade. Em suas palavras, o individualismo é um discurso que cria, comunica, reproduz e reforça o conceito de que cada um de nós é um indivíduo único e que a pertença a um grupo, como raça, classe ou gênero é irrelevante para as nossas oportunidades. O individualismo afirma que não existem barreiras intrínsecas ao sucesso individual e que o fracasso não é uma consequência das estruturas sociais, mas vem do caráter individual. Já a objetividade nos diz que é possível estar livre de todos os preconceitos. “Estas ideologias tornam muito difícil para as pessoas brancas explorarem os aspectos coletivos da experiência branca”, esclarece DiAngelo. Em outras palavras, ao tornar visível a definição de mundo das pessoas brancas como a norma ou padrão para o ser humano e as pessoas pretas como o desvio dessa norma, é, na verdade, trazer a responsabilidade de mudança para as pessoas brancas. “Nomear a supremacia branca muda a conversa de duas maneiras principais: torna o sistema visível e transfere o locus da mudança para os brancos, onde ele pertence. Também nos aponta na direção do trabalho ao longo da vida que é exclusivamente nosso, desafiando a nossa cumplicidade e investimento no racismo. Isto não significa que as pessoas pretas não desempenhem um papel, mas que todo o peso da responsabilidade recai sobre aqueles que controlam as instituições”, conclui a autora.
A adoção de uma nova postura de DEI pelas organizações
Esse cenário vai requerer também um compromisso concreto, e não performático das organizações (àquelas que fazem apenas trabalhos pontuais nas datas comemorativas, perseguem apenas números, prêmios), uma maior responsabilidade de incluir e melhorar a condição de vida de todas as pessoas, pensando em sua saúde emocional, melhoria financeira e no seu florescimento humano. Para isso, irá recair também em uma maior responsabilidade da liderança em ser congruente entre discurso e prática, sendo exemplo da transformação para seus times. Para esses novos tempos vamos precisar, mais do que nunca, de uma liderança compassiva que possui uma postura crítica e política onde não há espaço para comodismo, desesperança e superficialidade. Em outras palavras é hora de assumir, de uma vez por todas, a responsabilidade que lhe cabe.
*Carine Roos é mestre em Gênero pela London School of Economics and Political Science – LSE. Também é pós-graduada pelo Santa Barbara Institute for Consciousness Studies (Califórnia/EUA) em Cultivando Equilíbrio Emocional nas organizações e atua como especialista em Diversidade, Equidade e Inclusão há 10 anos. Lidera a Newa, empresa de impacto social que prepara organizações para um futuro mais inclusivo por meio de sensibilizações, workshops, treinamentos e consultoria de diversidade.