A preocupação com a rentabilidade é da natureza das organizações. O problema é quando essa preocupação se sobrepõe às demais. A consequência é a redução do ser humano ao estado de engrenagem ou recurso para atingir esse fim. Tal estratégia, justificada pela busca da eficácia organizacional, revela-se equivocada: acarreta sofrimentos no local de trabalho. E os sofrimentos engendram resultados indesejáveis. Resultam em desperdícios econômicos e ineficácia. Tudo o que as organizações não querem.
Esse aparente paradoxo, há décadas, é objeto de estudo da psicologia industrial, da sociologia, da economia e das ciências administrativas aplicadas. É de se supor que já estivesse resolvido. Mas não está. As demandas organizacionais só crescem e os seres humanos que as habitam continuam (felizmente) seres complexos.
O problema com a adequação tem sido as desastradas (embora muitas vezes bem intencionadas) tentativas de “forçar a mão” – o que leva a manipulações e, muitas vezes, infantilização e despersonalização das pessoas.
Algumas organizações adicionam à preocupação exclusiva e inflexível com a rentabilidade e eficácia à preocupação com a adequação do ser humano a empresa. Aumentam as fontes de sofrimento. Mas não a rentabilidade, nem a eficácia ou a produtividade, parece.
Teria chegado o tempo de parar de sofrer e ser feliz no trabalho?
Por mais utópico que possa parecer, por sua motivação virtuosa, essa mudança de perspectiva tem razão e consequência econômica: pessoas felizes no trabalho podem gerar a rentabilidade e a eficácia que o sofrimento jamais foi capaz de gerar – admite-se hoje com mais ênfase.
Nesse contexto, levantar a bandeira da “felicidade no ambiente de trabalho” é deixar entrar uma lufada de ar fresco no interior da organização. É restabelecer as dimensões humanas esquecidas ou deixadas do lado de fora do ambiente de trabalho.
Por que queremos estar entre as melhores empresas para se trabalhar?
Porque os critérios para ser uma boa empresa para se trabalhar dão um norte à liderança de pessoas nas organizações. Porque alguns RHs deixam de falar sozinhos. Porque o discurso que sustenta a “melhor pra trabalhar” se tornou contemporâneo. Motivo de orgulho. Ganhou a sala da diretoria.
Então é por vaidade que queremos ser um bom lugar para trabalhar?
Ter valores compartilhados tão vigorosos a ponto de serem reconhecidos por todos na organização e nos colocar nesse ranking (das felizes), supera a vaidade como motivação. Mas um pouco de vaidade faz parte da natureza humana. Faz parte das dimensões esquecidas.
Vaidade que logo se converte em responsabilidade, afinal, ser feliz exige investimento. Se for felicidade organizacional do tipo que reintroduz as pessoas no lugar que lhes pertence no universo do trabalho – de ser humano ativo. Do tipo que tenta reabilitar o ponto de vista do sujeito, levando em conta suas necessidades e desejos. Do tipo que aceita que o trabalho realizado deve contribuir para a construção equilibrada de “ser”. Do tipo que restabelece a vida ativa no interior das organizações, levando em conta a singularidade do ser humano, abrindo espaço à expressividade, à comunicação, à participação, às diferenças culturais, de raça e gênero.
Do tipo que compreende que o espaço físico não abriga só funções materiais mas também valores sociais. Do tipo que reconhece ambiente tóxico onde o stress se torna neurose e age em favor do equilíbrio. Do tipo que entende a organização como arena de paixões e interesses, conflitos e jogos políticos. Do tipo que compreende que a organização é palco de relações instrumentais, mas também, e cada vez mais, substantivas.
Do tipo que obtém rentabilidade e eficácia com menos sofrimento possível, consciente de suas mazelas e com energia para transformá-las. Do tipo que quer a felicidade esteja entranhada em seus produtos e serviços. Do tipo onde a dimensão humana não é esquecida.
Angela Souza é diretora de Desenvolvimento Humano e Organizacional (DHO) do DOT digital group, especialista em Gestão Estratégica de Talentos.