A remuneração, entre as muitas questões complexas e controversas da gestão, é uma das mais difíceis de lidar. Todo bom patrão quer reconhecer e recompensar com justiça os empenhos de seus empregados e, dentro do possível, ressarci-los bem. Já dizia o saudoso Peter Drucker, pai da administração empresarial, “mão-de-obra barata custa caro”. Pense um pouco e verá que o velho professor sabia das coisas.
O tema não é apenas polêmico, por seu componente matemático, mas por outros aspectos, tanto legais como morais e filosóficos, a extrapolar o universo dos números.
Os legais são os que se colocam na frente, de costume. Afinal, existe uma legislação e não há como deixar de se submeter a ela sem sair da legalidade, mesmo considerando que pouco ajuda a dar valor para quem tem.
Os morais são aqueles que recorrem a um paralelo externo, de fontes e interesses duvidosos, mas que, de alguma forma, ajudam a balizar, com mais objetividade, algo que é tão subjetivo pelos vários fatores que agrega. Também não ajudam a dar valor a quem tem.
Os filosóficos, quase sempre esquecidos, tratam do contraste entre as relações de trabalho e mercantis, na tentativa de imputar um valor monetário a aspectos tão subjetivos quanto imensuráveis dessa relação, tais como o talento, a paixão, as virtudes, o compromisso.
Todos esses aspectos nunca foram bem resolvidos, mas a era industrial lidava com eles mais facilmente, considerando quase sempre as pesquisas salariais de mercado. A coisa, embora questionável, funcionava relativamente bem, numa era em que tudo era muito igual: as empresas, seus produtos, processos, custos e preços e, nessa leva, também o trabalho e os trabalhadores.
No alvorecer da era do conhecimento, tais empresas começam a perder seus critérios. Ainda é possível avaliar conhecimentos e habilidades, mas como tratar os dons e talentos? Cargos e funções eram delineados em decorrência de tarefas cujas habilidades e conhecimentos podiam ser descritos, mas como denominar dons e talentos e equipará-los a outros, de outras dimensões e categorias? O nó estava posto.
Na era da consciência, os parcos critérios começam a perder de vez a consistência. Afinal, como avaliar e mensurar virtudes, valores, estágio de consciência?
Resposta: não se sabe! Como boa parte das empresas está encalhada na era industrial, o assunto ainda não compõe a pauta de preocupações de seus líderes, mas a hora vai chegar, inevitavelmente.
Desde já, deixo claro que não existe resposta objetiva, mas ofereço algumas informações e reflexões para que o tema importante e controverso seja tratado com o mínimo senso de justiça em apoio às melhores intenções dos bons patrões.
Desempenho tem validade
Desempenho, também conhecido como performance, traduz o rendimento de um indivíduo, equipe, máquina ou equipamento, empresa ou negócio.
É a parte mais visível e mensurável do trabalho. Muitos foram os empenhos e os avanços na era industrial na busca de algum tipo de métrica que pudesse valorar o desempenho. Administradores e engenheiros de produção debruçaram-se sobre a matéria, desenvolvendo fórmulas e sistemas que pudessem dar boas respostas. Conseguiram grandes progressos. O custo da hora/homem compunha a ficha técnica do produto ao lado do custo da hora/máquina. Junto com outros insumos, formavam o custo total sobre o qual calculava-se o preço de venda.
Para muitas empresas, o desempenho é o principal item de valoração e valorização do trabalho de um indivíduo. Remuneração = f (desempenho). A reciprocidade é direta, sem considerar outros fatores. Nesse caso, o que importa são os ovos. A galinha, que os bota, vira apenas um meio, quando o que interessa são os fins, apenas.
Ocorre, também, que os ovos têm valor, enquanto válidos. E o problema é que, por inúmeros fatores, podem perder a validade, gerando tensão nas relações de trabalho.
Competência tem valor
Seguindo tal analogia, competência tem a ver com a galinha, não necessariamente com os ovos. Mirar-se na galinha e não apenas nos ovos, faz uma grande diferença, tanto na relação de trabalho como na forma de pensar a remuneração e a recompensa.
O desempenho oscila, tanto por fatores internos como externos. Dado o seu caráter conjuntural, é sempre perturbador ser remunerado apenas ou sobretudo por esse fator. A confusão faz com que o indivíduo pense mais na remuneração do que em qualquer outra coisa. Pode funcionar nas relações meramente mercantis, mas não dará muito certo nas relações de trabalho com outros propósitos que não se concentrem só na tarefa a ser desempenhada.
Daí que a competência traz outro tipo de relação menos conjuntural e mais estrutural. O conjunto de conhecimentos e habilidades de um indivíduo não está sujeito às oscilações e faz parte do seu “ativo permanente”. É importante frisar que isso não faz parte do ativo permanente da empresa, tal como as máquinas, os equipamentos, a tecnologia, os sistemas, mas sim do ativo permanente do indivíduo, que o leva consigo para onde for.
A empresa contratante sabe lhe dar valor, pois dele necessita, mas entende também que não lhe pertence. Existe um suposto valor hipotecário que, somado ao desempenho, faz com que a remuneração se eleve quando comparada à situação anterior.
É difícil, no entanto, fazer equiparações com outros indivíduos, ainda que as organizações se socorram do velho formato das pesquisas salariais da era industrial.
Potencial não tem preço
Se o desafio de valorar a competência já é uma aventura difícil, o potencial leva ao extremo da subjetividade. Entenda por potencial o conjunto de qualidades submersas, não transformadas em capacidades de realização. Existe como possibilidade, mas ainda não se desenvolveu plenamente.
Líderes imediatistas desconsideram esse patrimônio, presos que estão ao curto prazo e ao desempenho. Líderes visionários, por sua vez, compreendem que esses indivíduos compõem o futuro do negócio e da empresa. Reconhecem, portanto, o valor dos colaboradores. Essa deveria ser a remuneração mais vultosa, somada à competência e ao desempenho.
Líderes cultivadores, por sua vez, conhecem e respeitam as potencialidades humanas. Por isso, regam, podam e cuidam do seu jardim. A relação é harmoniosa, não utilitária. Para eles, potencial não tem preço. Investem, dando valor a quem tem.
Roberto Adami Tranjan é escritor e educador da Metanoia Educação de Negócios