Empresas são agentes econômicos. Existem para promover o desenvolvimento econômico, produzir riquezas, aumentar a abastança e o bem-estar do mundo, combater a miséria e as mazelas sociais. Assim deveria ser desde a era industrial, embora misérias e mazelas ainda estejam presentes.
Empresas são construtos humanos. Um arranjo moderno de agrupamento de pessoas. Existiam (e ainda existem) tribos, clãs, condados, ducados, reinados, capitanias, associações, agremiações e tantas outras formas de agrupar pessoas. Nenhuma delas, entretanto, é tão moderna como a empresa.
Entre essas duas vocações, paira um impasse: o desenvolvimento econômico versus o desenvolvimento humano. Essa dualidade não é bem resolvida por grande parte das empresas. E, enquanto perdurar, como enigma a ser decifrado na cabeça de quem lidera essa recente micro sociedade, esses agentes econômicos e humanos não conseguirão produzir a melhor riqueza de que são capazes. E para a qual, paradoxalmente, existem. Mais ainda (para não dizer pior): em algum momento da história dessas organizações não haverá desenvolvimento econômico nem desenvolvimento humano.
Um modelo falido
Há pouco mais de um século, a ciência da administração moldou a empresa da maneira como ela hoje se apresenta e a definiu como uma organização. O arranjo de traba lho foi feito com o propósito de colocar bens e serviços no mercado a partir do máximo de produtividade. A aposta é que a geração de riqueza se dá por meio de uma boa gerência da microeconomia, o que se reflete nas estatísticas macroeconômicas que medem o desempenho econômico de um país ou nação, desde que haja uma boa gestão da economia nacional.
Assim, e pelo que se acredita, a opulência econômica promoveria o desenvolvimento social, por meio da geração de emprego, renda e consumo. Essa é a crença, a bela teoria, mas o que existe de contraditório, na prática, é que o primeiro a ser descartado é o ser humano, quando há um arrefecimento econômico. O que foi feito para promover o econômico e o social acaba por resultar exatamente no contrário.
Outra crença é a de que o desenvolvimento econômico promoveria o social por meio do pagamento de impostos. O compromisso da promoção social dependeria, pois, do Estado arrecadador. Mas, da mesma forma, assim que o econômico sofre uma retração, o humano é o primeiro a ser prejudicado pela diminuição do montante arrecadado e alocação desses recursos.
Essas crenças compõem um argumento razoável e lógico, mas a prática não tem funcionado conforme o discurso. E se assemelha aos pais que delegam às escolas a educação de seus filhos. Ou seja: costuma não dar certo.
Ainda que o denominemos de social, o construto humano não pode ser delegado, por inteiro, ao Estado, sob o risco de ficar à mercê do modelo de organização mais retrógrado, ineficaz e falido da nossa época.
O ser humano em pedaços
Por conta de a empresa assumir o econômico e o Estado, o social, o projeto humano ficou à deriva, nem lá e nem cá. Escolas e religiões tentam preencher as lacunas que empresas e Estado são incapazes de solucionar. Fragmentado, o ser humano é tratado – teoricamente – por partes: o ser econômico, pela empresa; o ser social, pelo Estado; o ser aprendiz, pela escola; o ser psicológico, por algum tipo de terapia e o espiritual, pela religião. Do ponto de vista individual, imagine-se de que tremenda acrobacia se trata, enfrentar o desafio de manter todos esses pratos girando no ar, simultaneamente. Sob o ponto de vista do entendimento, um quebra-cabeça incoerente e inconsistente, que só faz aumentar a entropia e o retrocesso, tanto individual como coletivamente.
O projeto humano
A formação escolar, sem dúvida, tem um importante papel. Também o Estado e as religiões. Mas é no trabalho que o adulto consciente e com autonomia para fazer as suas próprias escolhas é capaz de realização e autorrealização. E pode construir, enquanto se constrói. Transformar-se, ao mesmo tempo em que transforma. E fazer da existência uma oportunidade de bem viver e bem-estar. Exatamente porque o trabalho está presente na maior parte de sua maturidade.
Para que o projeto humano seja assumido pelas empresas, algumas mudanças terão de acontecer, a partir do modelo mental de suas lideranças. A primeira delas é conscientizar-se de que o desenvolvimento econômico não está em conflito com o desenvolvimento humano. Ao contrário. Quanto mais o humano cresce em consciência e em competência, maior o desempenho e o desenvolvimento econômico. Quanto mais o econômico se desenvolve, maior a sua força e poder para promover o desenvolvimento humano.
A segunda mudança é conscientizar-se de que uma empresa não é apenas uma organização produtora de bens e serviços, com a finalidade de recompensar financeiramente os envolvidos. Este aspecto é uma consequência, um efeito colateral. Uma empresa é uma comunidade de trabalho em que as pessoas que a integram são capazes de aprender e evoluir como seres humanos, enquanto constroem riquezas para toda a sociedade. E são capazes de aprender e evoluir porque este é o real propósito do empreendimento.
A terceira mudança é conscientizar-se de que o ser humano não é incompleto. Ao vê-lo dessa forma, corre-se o risco de considerá-lo imperfeito, alguém que necessita de reparos e consertos para funcionar a contento. E que se funcionar conforme as expectativas, recebe recompensas financeiras e materiais para preencher a sua incompletude.
A pergunta certa
Quando a pergunta é “o que funciona?”, tão comum nas empresas que colocam o econômico antes (ou no lugar) do humano, a tendência é fazer do ser humano um fator de produção, mais descartável do que qualquer outro. Mas se a pergunta é “o que verdadeiramente importa?”, então o ser humano poderá ser visto como verdadeiramente é: um ser inacabado.
Ser inacabado é diferente de ser incompleto. Ao inacabado, nada lhe falta. É inteiro, com seus conhecimentos, habilidades, inteligências, dons e talentos. Mas ainda não está pronto. E é por meio do trabalho que vai conquistar o seu “acabamento”, seu polimento, a eliminação das rebarbas, a descoberta do seu melhor, da sua verdadeira vocação: a de ser pleno, integral, inteiro. Um todo, indissolúvel e cada vez mais amplo e sublime. Criado para criar e brilhar.
Roberto Adami Tranjan é educador da Cempre – Conhecimento & Educação Empresarial (www.cempre.net – roberto.tranjan@cempre.net)