Coronavírus: Está na hora de usar a poupança

A crise sanitária causada pelo impacto da pandemia do Coronavírus sobre os sistemas de saúde é tão dramática que vários países vêm adotando medidas de isolamento de sua população e fechamento de estabelecimentos comerciais e industriais como forma de desaceleração da velocidade de propagação da doença. Evidências empíricas indicam que a medida é acertada já que países que levaram mais tempo para adotar essas medidas convivem com altos índices de letalidade que chegam as centenas de pessoas por dia, enquanto que aqueles que implantaram medidas duras de controle já se beneficiam com a queda do número de infecções e mortes.

Medidas excepcionais como essas são normalmente muito onerosas do ponto de vista econômico. O fechamento de estabelecimentos comerciais e o isolamento das pessoas deverá trazer brusca desaceleração da Economia mundial e, especialmente da brasileira. Em poucas semanas, começaremos a ver os efeitos do esgotamento do capital de giro das empresas e o atraso no pagamento de impostos e fornecedores. Ato contínuo, elas começarão a reduzir seu quadro de pessoal para que possam tentar sobreviver.

Do lado das famílias, além de uma grande parte dos trabalhadores não auferirem renda nesse período por estarem alocadas no setor informal da Economia, vamos começar a observar o aumento do desemprego e, principalmente, do endividamento das famílias e a degradação das condições de subsistência de milhões de pessoas. Recorda-se que segundo dados do Serasa, já tínhamos em janeiro de 2020, um pouco antes da crise, mais de 63 milhões de pessoas inadimplentes no Brasil, o que para muitos é a causa principal da baixa velocidade de recuperação de nossa Economia nos últimos anos.

A reação natural da Sociedade nesses momentos é olhar para Brasília em busca de soluções que reduzam os efeitos da crise. Infelizmente, o espaço fiscal atual é muito limitado para medidas tradicionais. Tanto a União como os demais Entes Federados apresentam situação fiscal extremamente desafiadora não só do ponto de vista da situação atual, mas principalmente sob uma abordagem prospectiva. Mesmo com a aprovação da Reforma da Previdência e a imposição do Teto dos Gastos, ainda se observa o esmagamento das despesas com investimentos, já que outras despesas obrigatórias, notadamente com pessoal e previdência, continuam a crescer. Em nível estadual a situação não é menos crítica. Vários Estados e Municípios não são capazes sequer de honrar a folha de pagamentos e muitos precisam parcelar os pagamentos para não ficar inadimplentes com seus servidores.

Se o espaço fiscal é limitado, há uma possibilidade de atuação por meio da política cambial. Atualmente, segundo dados de janeiro de 2020, o país possui aproximadamente US$ 360 bilhões em reservas internacionais. Elas representaram nos últimos anos um forte escudo de proteção contra choques externos e trouxeram uma inédita estabilidade externa ao país. Logo, não há como contestar a necessidade e a importância de se manter níveis adequados de reservas internacionais.

A esse respeito, há uma tecnicalidade que acaba tendo rebatimento sobre a política fiscal. Ao adquirir moeda estrangeira, o Banco Central acaba por injetar moeda nacional em mercado, ofertando mais moeda do que o mercado consegue absorver, dado um certo nível de taxa de juros. Para corrigir essa distorção, a instituição oferta títulos públicos do Tesouro Nacional em mercado em troca do excesso de moeda nacional, expandindo o endividamento público. Uma potencial alienação de reservas teria exatamente o efeito inverso.

Nesse contexto, diante da dimensão e da excepcionalidade da crise, indaga-se qual seria o nível das reservas internacionais que asseguraria níveis semelhantes de proteção aos atuais? US$ 350 bilhões, US$ 300 bilhões, US$ 250 bilhões, enfim, até onde poderíamos ir sem que houvesse degradação significativa de nossa proteção cambial.

A partir dessa definição técnica, porque não compensar essa potencial redução do endividamento público com políticas temporárias que financiem ações de mitigação dos efeitos da crise. Não se trata de flexibilizar a sustentabilidade fiscal, defender políticas desenvolvimentistas anacrônicas, ou advogar incentivos fiscais para setores que não precisariam deles, mas de possibilitar que o Governo Federal possa se instrumentalizar financeiramente para adotar medidas que assegurem a manutenção dos empregos e que impeçam o colapso de setores estratégicos tais como os planos de saúde, as companhias aéreas, o setor do turismo e dos restaurantes, dentre outros. Tempos excepcionais exigem medidas excepcionais e coragem dos governantes para tomar as decisões corretas.

William Baghdassarian é economista, PhD em Finanças pela University of Reading – UK e professor de Finanças do Ibmec Brasília

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