Investimentos em tecnologia e bioindústrias locais seria a base para um novo modelo de desenvolvimento socioeconômico

O Brasil é um país continental e como não bastasse é também o país com a maior biodiversidade do planeta. Embora a biodiversidade seja, muitas vezes, apenas associada à riqueza de plantas, animais e outros organismos, precisa ser compreendida de forma mais ampla: como uma fonte imensa de inovação para diversos setores como a indústria alimentícia, cosméticos, fármacos e outras.

O pesquisador Carlos Nobre sinaliza a importância de olharmos estrategicamente para a biodiversidade, uma vez que o país ocupa uma posição privilegiada no mundo. O uso dos ativos biológicos e biomiméticos para criação de uma nova bioeconomia, com investimentos em tecnologia e bioindústrias locais, seria a base para um novo modelo de desenvolvimento socioeconômico mais inclusivo para regiões de alta biodiversidade – capaz de colocar o país numa posição privilegiada firmando-se como protagonista mundial na temática.

O que talvez poucos tenham parado pra pensar é que boa parte dessa riqueza biológica nem sequer foi identificada e catalogada, e está diretamente associada à grande diversidade sociocultural que existe em nosso território. No Brasil, de acordo com a FUNAI, existem 305 povos indígenas que falam 274 línguas, além das populações tradicionais, como quilombolas, extrativistas, e outros. Por meio de suas culturas e relações intrínsecas com a floresta, esses povos realizaram ao longo das gerações um processo de seleção e melhoramento vegetal, acumulando um vasto conhecimento sobre manejo, reprodução e utilização dos ativos da biodiversidade.

Alguns desses ativos, que hoje são bastante conhecidos dentro e fora do Brasil, dependem diretamente da floresta em pé e da forma de vida e manejo realizado por esses povos. É o caso da castanha do Brasil, produto extrativista que é coletado manualmente, e o açaí, que ganhou o mundo por suas características antioxidantes, se firmando como um produto de grande relevância econômica para os estados produtores do norte e todo o país. Já o cogumelo sanoma é um produto regionalizado, que era utilizado pelos povos Yanomami, só agora chega ao mercado como um produto de sabor único, cuja produção é totalmente relacionada ao saber e ao manejo tradicional realizado pelos povos na floresta. Outros exemplos  amplamente comercializados pela indústria de cosmético e perfumaria são o óleo de copaíba e a semente de cumaru, esse responsável pelo aroma que se assemelha ao da baunilha, e também utilizado na gastronomia. Esses são alguns dos exemplos entre a gama de produtos que geram renda, valorizam a cultura e mantêm a floresta em pé.

Contudo, a realidade das cadeias de produção da maioria dos produtos da sociobiodiversidade é pouco conhecida pela sociedade e possui baixo nível de transparência – principalmente por serem cadeias extensas e com grande interferência de atravessadores. Boa parte da produção proveniente dos povos da floresta é comercializada na informalidade, com participação de diversos intermediários, que geralmente remuneram mal os produtores. Esse formato tem resultado em poucos benefícios financeiros para as comunidades, baixa agregação de valor e pouco uso de tecnologia. Muitas empresas que consomem esses ingredientes tampouco conhecem a origem da produção e os passivos socioambientais envolvidos ao longo de sua cadeia de fornecimento.

Por outro lado, a sociedade tem cobrado cada vez mais do setor empresarial maior transparência e ética em suas cadeias, o que tem estimulado o debate e a busca de soluções . Entre essas soluções estão as certificações, sistemas de garantias, uso de tecnologia e informações geoespacializadas para dar mais transparência, confiabilidade às informações e encurtar a distância entre quem consome e quem produz.

Recentemente algumas iniciativas ligadas às cadeias da sociobiodiversidade foram premiadas pela ONU, como a produção de óleo de pequi da Associação Indígena Khisêtje, do Parque Indígena do Xingu, e o trabalho com o mel feito pela ATIX – Associação Terra Indígena do Xingu, além da iniciativa Origens Brasil® que através de ferramentas tecnológicas assegura origem,  transparência das informações e relações comerciais mais éticas entre o consumidor e empresas com os povos da floresta.

Diante disso é cada vez mais urgente a necessidade de se construir uma agenda multisetorial, que envolva empresas, governo, organizações comunitárias locais, sociedade civil, universidades, centros tecnológicos e consumidores. Uma agenda estratégica e com investimentos que possam impulsionar uma nova economia que tenha a nossa (socio) biodiversidade como pilar central capaz de gerar inovação, novos negócios, renda, redução das desigualdades sociais, e capaz de promover uma economia mais descarbonizada que mantenha a floresta em pé, e totalmente conectada com as demandas do século atual.

*Patrícia Cota Gomes é Engenheira florestal e mestre em manejo de florestas tropicais. Gerente no Imaflora onde coordena a iniciativa Origens Brasil®, que visa promover novos modelos de negócios na Amazônia, fomentando a transparência e valorização no mercado de produtos de populações tradicionais e povos indígenas.

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