O jogo das sutilezas

Liderança é o exercício das sutilezas. E entenda-se por sutil algo tênue, quase imperceptível, a não ser aos que têm apurada capacidade de percepção. Diferente de algo científico, cujos fundamentos são comprovados e, por isso, transformam-se em teorias e axiomas. A administração é uma dessas ciências. E, se apoia as boas práticas do gerenciamento, não é capaz de captar o sutil exercício da liderança.
Assim como a liderança, as palavras também são sutis. Podem indicar uma coisa ou outra. Isso depende, muitas vezes, de uma única letra. E aí muda o sentido do entendimento. Mais do que recorrer ao dicionário, é importante reconhecer o que cada termo ou palavra diz ao nosso próprio entendimento. Veja alguns a seguir.

Discriminação e discernimento
A qualidade da liderança tem relação direta com o olhar do líder sobre seus liderados. Pode ser discriminatório, portanto feito de imagens preconcebidas. Exemplo: se o líder enxerga seus liderados como pessoas pouco inteligentes e criativas, dificilmente levará em conta suas opiniões e ideias. Então, tende a decidir tudo sozinho, enquanto seus liderados observam, indefesos e impotentes, os desdobramentos dessas decisões. É claro que esse líder vai se sobressair muito em relação a seus liderados e, embora isso possa ser bom para o seu ego, é ruim para os demais e para o negócio em que todos estão envolvidos.
Essa prática de liderança vai fortalecer ainda mais as falsas imagens do líder sobre as demais pessoas. Faz com que se sinta superior e distante. Assim, ele não conseguirá discernir quem verdadeiramente são as pessoas nem tampouco admirar seus talentos e inteligências.
Discernimento é a capacidade de compreender e aceitar as pessoas, tanto no que elas têm de bom e contributivo (e todas têm) como no que têm de negativo (e todas também têm). Tal atitude fará com que o líder aceite que elas são, sobretudo, seres humanos, capazes de sonhos e propósitos, munidos de conhecimentos e inteligências.
Substituir a discriminação pelo discernimento faz parte da sutileza na liderança, que é feita de ciência e arte. Não pense que a distinção faz pouca diferença. As práticas e os resultados da liderança serão consistentemente diversos.

Acordo e compromisso
“Ah, não havia entendido”, “não ficou claro para mim”, “não sabia que era minha responsabilidade”. Muitas são as desculpas nesse rosário sem fim. Pois acordos todos fazem, mas poucos os cumprem. E não há contrato, formal ou informal, que garanta um acordo se o compromisso não for assumido de verdade.
Fazer um acordo é diferente de honrar um compromisso. O acordo é regido por forças e circunstâncias externas. Algo parecido com o que acontece com os correligionários políticos. Mas é muito distante do compromisso, algo regido por forças e valores internos.
O líder não deve buscar acordo com os seus liderados. Além de ser algo dispendioso, costuma não funcionar. E, quando cumprido, provoca apenas sentimentos de alívio. O líder deve conquistar o compromisso emocional de seus liderados. O que, quando honrado, produz sentimentos de alegria. Questão mais de arte do que de ciência.

Implacável e rigoroso
Implacável é o líder que ordena o corte de 20% na folha de pagamentos, sem se importar com quem será degolado. Tudo o que ele quer é a redução dos custos. Por ser implacável, há quem o admire e o considere um líder de ação. E que não costuma deixar pedra sobre pedra. E se vangloria disso.
Rigoroso é o líder que não é complacente diante da negligência e de quem não honra os compromissos assumidos. Assim, à primeira vista, um líder rigoroso pode parecer implacável aos olhos de quem o vê decidindo e agindo. Mas um líder rigoroso sabe que decide e age com base nos valores, não nas emoções. A sutil diferença entre as duas palavras altera consideravelmente a qualidade da liderança.

Conserto e concerto
Muitos líderes são bons resolvedores de problemas. E, assim como bons raqueteiros, passam o dia rebatendo bolas, ou seja, problemas de toda a natureza e espécie. Para eles, a empresa é como uma oficina de reparos e compreendem seu papel como o de quem está ali apenas para consertar. Conserta aqui, conserta ali, para deixar a casa sempre cambaleante, exigindo mais e novos consertos, numa reforma sem fim.
Consertar é diferente de concertar. Uma única letra, uma nova história. Consertar é reparar, para deixar as coisas do mesmo jeito. Concertar é buscar a harmonia das partes, a participação nas decisões, a consonância dos diversos pontos de vista. Concertar é para o líder que compreende a empresa mais como uma usina de ideias do que uma oficina de reparos. A empresa é uma obra coletiva e, como obra, precisa ser construída, por todos.

Zona de conforto e campo de serenidade
A empresa atingiu relativo sucesso, o negócio gera lucros e, com isso, o líder instala-se na zona de conforto. Mas a zona de conforto é a morte do líder e o fim da empresa. Pois nesse perigoso terreno se esvai todo o propósito, o mesmo que outrora fez com que a empresa entrasse no ciclo da prosperidade. Agora, ainda que o caixa seja superavitário, a empresa começa a perder a sua alma. Sem alma, é como uma carcaça que caminha a esmo, destituída de significado e motivação.
Quando o líder se dá conta de que está na zona de conforto (o que é uma sorte, pois poucos percebem ou mesmo admitem isso), então resolve se mexer. Coloca-se em movimento e põe todos os demais em movimento. Acredita que esse movimento, muitas vezes frenético, é o jeito que encontrou para sair da zona de conforto. Com isso, introduz a pressa na vida e nos negócios, como se tudo fosse uma questão de velocidade.
O desafio não está em sair da zona de conforto, apenas, mas em substituí-la por um campo de serenidade que, para alguns, pode parecer um espaço de calma e lentidão e até de letargia, mas o caso é outro. A pressa não é uma qualidade nem a velocidade, a solução. Pois o segredo não é correr o máximo possível nem o dobro dos outros, mas caminhar com constância numa rota cuidadosamente traçada. Ainda que com senso de urgência. E isso recebe o nome de serenidade.
É a sutileza que faz a excelência na liderança. E são os líderes excelentes que constroem empresas também excelentes. Com ciência, é verdade, mas também com muita arte.

Foto da chamada de capa: Shutterstock

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