Reduzir a desigualdade de gênero é lição de casa para investidores de risco

A indústria de Venture Capital (VC) passa por uma discussão sobre diversidade e inclusão. Para se ter ideia, fundos de pensão dos Estados Unidos com cerca de US $194 bilhões sob gestão já utilizam o LPI – Lenox Park Diversity Impact Score, índice criado para medir os esforços de diversidade e inclusão dos gestores de ativos. 

Além da pressão dos investidores institucionais, os dados têm cada vez mais mostrado como a diversidade no time de investimento e dentre fundadores no portfólio pode trazer retornos melhores. Fundos de VC que aumentaram as contratações de sócias mulheres em 10%, viram um aumento de 1,5% nos retornos gerais do fundo e 9,7% mais exits lucrativos; E em um portfólio com 300 startups e cerca de 600 fundadores, as empresas com mulheres no time fundador performaram 63% melhor que as criadas exclusivamente por homens.

Seja por pressão dos investidores ou por conclusão estatística, os VCs começam a se mover para recrutar mulheres investidoras e empreendedoras. Trabalhando no setor, pude ver novas sócias em fundos bem consolidados e também conversei com muitos gestores que buscavam atrair negócios liderados por mulheres. Esta movimentação é benéfica e necessária para o ecossistema, no entanto, preciso alertar que o problema é mais profundo e o trabalho de mais longo prazo. 

Explico o porquê.

O volume investido pela indústria de Venture Capital em 2020 somou 300 bilhões de dólares no mundo todo, uma alta de 4% em comparação com 2019. Porém, o volume total alocado em startups fundadas apenas por mulheres caiu 27% entre 2020 e 2019. A variação indica que o mercado de investimento em startups, embora tenha continuado aquecido e expandindo para fundadores homens, esfriou e encolheu para fundadoras mulheres. 

Uma série de fatores contribui para a desigualdade alarmante. Primeiro temos evidências de vieses inconscientes afetando as análises. Por exemplo, as perguntas que os investidores fazem após o pitch para fundadoras mulheres são diferentes das perguntas que fazem para os fundadores homens: para eles as perguntas são focadas em metas e potencial futuro, para elas as perguntas são focadas em riscos e performance passada. 

A linguagem em reuniões fechadas de decisão também é substancialmente diferente dependendo do gênero dos fundadores. Em análise das palavras ditas ao longo de 125 comitês de investimento de fundos de VC do governo da Suécia, país referência em igualdade de gênero, conclui-se que os tomadores de decisão reproduzem estereótipos sobre as mulheres.  O resultado mostrou o impacto dessas pré concepções na percepção dos investidores: eles tendem a acreditar que fundadoras tem qualidades opostas às consideradas importantes para obter sucesso: na amostra analisada, as empreendedoras receberam, em média, 25% do valor solicitado, enquanto os homens receberam, em média, 52% do que pediram. 

Ao avaliar empreendedoras com uma lente enviesada sobre as mulheres, investidores acabam questionando muito mais frequentemente a credibilidade, confiabilidade, experiência e conhecimento delas.

Segundo ponto: o acesso à orientação também é mais difícil para as fundadoras. A falta de mentores é vista por elas como um dos três maiores desafios que seus negócios enfrentam. Além disso, 90% dos investidores anjo no Brasil são homens, e 88% dos tomadores de decisões nos fundos também. Quando chega a hora de buscar novos investimentos, as indicações podem representar até 80% do fluxo de deals dos VCs, e as chances para mulheres empreendedoras se destacarem em meio a tantas startups batendo à porta são baixas.

Terceiro, os cuidados com familiares e tarefas domésticas durante o isolamento social recaíram principalmente nas mulheres: 63% delas afirmam que tiveram aumento dos afazeres, comparado a 56% dos homens. Por consequência, elas ficam menos disponíveis para atividades de captação de investimento, que vão além da operação de suas empresas.

Somados, os fatores geram grande hiato de investimento já no estágio inicial: apenas 14% do capital semente investido globalmente em 2019 foi alocado em startups com pelo menos uma cofundadora mulher, no caso de startups fundadas apenas por mulheres a proporção cai para 7%. As estatísticas vão piorando nos estágios seguintes e, quando chegam à Série C, as empreendedoras recebem cerca 2% do volume, quando elas têm pelo menos um co-fundador homem a proporção é de 10%. No Brasil, apenas 0,04% do volume investido em startups em 2020 foi para aquelas lideradas por mulheres. 

Temos que encarar a dura realidade: em relação à desigualdade de gênero no acesso à capital de risco não estamos melhorando. A consolidação da oferta de capital de risco em estágio inicial que tem acontecido no Brasil nos últimos anos não aconteceu para as mulheres do ecossistema. 

Sem capital inicial, negócios fundados por mulheres morrem antes de terem fôlego (e métricas) para abordar fundos já consolidados. Se quisermos ter um bom fluxo de negócios escaláveis, de alto potencial e liderados por mulheres nos próximos anos, precisamos fazer o mesmo que já foi feito (de uma maneira que parecia neutra, mas esteve enviesada todo este tempo): aumentar a oferta de capital semente para as mulheres, dando a mesma chance de testar e validar seus negócios que os homens têm. 

Nos últimos anos surgiram iniciativas, em sua maioria de investidoras, dedicadas às mulheres empreendedoras. A WeXchange foi criada em 2013 no BID Lab e é pioneira em conectar fundadoras com mentores e investidores. No Brasil, em 2019 surgiu a We Ventures, fundo multi corporate venture capital com lente de gênero, e em 2020 surgiram a WeInvest, comunidade de mulheres com poder de decisão em fundos de investimento em toda a América Latina, e a Wishe, que combina soluções de equity crowdfunding e matchmaking com investidores anjo para dar visibilidade às fundadoras. Embora sejam iniciativas positivas, a escala ainda é limitada e a indústria de Venture Capital toda precisa se mover na direção correta para atingirmos bons resultados. 

Os fundos de estágios iniciais devem alocar parte do capital em startups lideradas por mulheres e o ideal é co-investir com quem tem experiência em desenvolver talentos femininos. Os fundos que investem em Séries A, B e C devem alocar parte do orçamento de prospecção e construção de marca para apoiar iniciativas de empreendedorismo feminino> Isso vai gerar conexões com novas fundadoras que, ao deixar o negócio mais maduro, terão preferência por investidores que já conhecem. Todos os fundos devem promover ações educativas para que seus times ganhem consciência sobre os vieses inconscientes.

Os investidores de risco começam a ver o que tem a ganhar com a diversidade de gênero, mas ainda não sabe tomar ações concretas para eliminar os gargalos mais estratégicos do setor. A solução começa com admitir as próprias limitações, buscar aprender e agir rápido, assim como demandam de suas investidas. 

* Investidora e especialista em estudos de gênero, Itali Collini atua como Diretora da 500 Startups no Brasil, como Líder do Conselho da Wishe, mentora da aceleradora B2Mamy e membra do Emerging Venture Capital Fellows. Antes de se envolver com investimento de risco e mentoria para empreendedores, Itali teve 2 anos de experiência em setores financeiros de vanguarda, como consultoria ESG e investimento de impacto, e 4 anos em finanças tradicionais, com experiência em trading, análise de crédito e M&A. Além disso, ela já co-fundou 3 iniciativas sociais envolvendo pesquisa, ativismo e mercado de trabalho com foco em mulheres, negros, LGBTs e pessoas com deficiência.  

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