Por Thais Vasconcellos, CLO da B2Mamy*
Quando ingressei na Faculdade de Direito, em 1999, eu não tinha muito ideia do que eu faria da vida. Depois, quando comecei a trabalhar, acreditei que minha vida seria resolver problemas dos outros (e por muito tempo foi mesmo! rs). Mas foi só quando a maternidade me atravessou e que uma palavrinha chamada propósito passou a permear todas as minhas decisões que eu entendi que eu tinha conhecimentos que não só não eram senso comum, mas que poderiam impactar significativa e positivamente a vida das pessoas – especialmente das mulheres.
Desde os primórdios, os homens exercem papéis de poder em relação às mulheres, seja por conta de força física, convenções sociais, leis, religião, dinheiro – ou todas as intersecções destes. A sociedade, ao longo dos anos, vem sofrendo importantes e profundas modificações com a criação de legislações, políticas públicas e privadas e por muita luta e imposição das mulheres em busca de equidade – mas ainda estamos longe de chegar lá.
Cumpre aqui um esclarecimento: igualdade é diferente de equidade. Equidade significa tratar igualmente os iguais, mas não os diferentes. As mulheres sofrem questões que não afligem os homens (ou pelo menos raramente) e é por isso que existem legislações específicas, vejamos:
Lei Maria da Penha (11.340/2006)
A Lei Maria da Penha foi um marco legislativo à tutela de gênero no ordenamento jurídico brasileiro. Ela foi criada especialmente para repreender a violência doméstica, familiar e afetiva contra a mulher, ou seja: a) no âmbito de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar; b) no âmbito da família, entendida como a comunidade de indivíduos que são ou se consideram aparentados; c) no âmbito da relação íntima de afeto, independentemente de coabitação.
Destaca-se que de acordo com o art. 5º da Lei Maria da Penha, violência doméstica e familiar contra a mulher é “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”. Ou seja, a proteção da lei não se limita a abusos físicos.
É por conta desta lei que processos iniciados por vítimas de violência doméstica não dependem mais de representação delas para prosseguir, impedindo que muitos fossem até arquivados por falta de movimentação da vítima, ou, ainda, por desistências motivadas por ameaças ou relacionamentos abusivos.
A B2Mamy desenvolveu um e-book com informações e diretrizes para acessar em caso de violência doméstica disponível no link.
Lei Carolina Dieckmann (12.737/2012)
Na era dos crimes cibernéticos, esta Lei previu pela primeira vez como conduta criminosa as invasões a dispositivos sem a permissão do proprietário. Para quem não se recorda, em 2011, um hacker invadiu o computador da atriz e teve acesso a fotos de cunho íntimo, utilizadas para chantageá-la.
Lei do Minuto Seguinte (12.845/2013)
Em um Estado laico – pero no mucho – como o nosso, esta lei tem bastante relevância por garantir às vítimas de violência sexual o atendimento imediato pelo SUS, amparo médico, psicológico e social, exames preventivos e até mesmo o fornecimento dos medicamentos necessários para a prevenção de gravidez e doenças sexualmente transmissíveis, dentre outras medidas.
Lei Joanna Maranhão (12.650/2015)
Inspirada no caso da nadadora que a nomina, que em 2008 revelou que havia sofrido abusos sexuais quando tinha apenas nove anos de idade, motivou a mudança legislativa quanto à prescrição de crimes sexuais cometidos contra crianças e adolescentes, alterando o início do cômputo para somente após a vítima completar 18 anos, bem como ampliou o prazo para denúncia para 20 anos a partir de então.
Lei do Feminicídio (13.104/2015)
Implementou uma nova circunstância qualificadora ao crime de homicídio nos casos em que o delito for praticado contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, ou seja, em contexto de violência doméstica e de menosprezo à condição de mulher. Nesse contexto, portanto, o feminicídio passa a ter uma penalização mais rigorosa, com pena de reclusão de doze a trinta anos.
Lei Mariana Ferrer (14.245/2021)
Por fim, esta lei inspirada no caso da influenciadora digital Mariana Ferrer, que, ao denunciar ter sido vítima de estupro durante uma festa, foi revitimizada durante o julgamento pelos advogados do acusado ao se valeram de fotografias íntimas da vítima como “tese de defesa”. Nesse sentido, a Lei surgiu para coibir atos contra a dignidade de vítimas de violência sexual e das testemunhas do processo durante julgamentos, aumentando a pena para o crime de coação no curso do processo, que já existia no Código Penal. A conduta é definida como o uso de violência ou grave ameaça contra os envolvidos em processo judicial para favorecer interesse próprio ou alheio.
Direito a acompanhante (Lei 17.803/2023 – Estado de SP)
Esta lei assegura às mulheres o direito de ter um acompanhante em consultas, exames e demais procedimentos médicos, sobretudo em procedimentos com sedação. O direito assegurado pela lei vale tanto para estabelecimentos médicos públicos quanto privados. O texto ainda estabelece que a presença do acompanhante deve ser avisada pela paciente por meio de solicitação verbal ou por escrito e terá que ser registrada na recepção do local.
Aborto legalizado (artigo 128 do Código Penal)
No Brasil, o aborto é legalizado em 3 situações: 1) Se a gravidez é decorrente de estupro; 2) Se a gravidez representar risco de vida à mulher; 3) Se for caso de anencefalia fetal (não formação do cérebro do feto). Qualquer hospital que ofereça serviços de ginecologia e obstetrícia deve ter equipamento adequado e equipe treinada para realizar aborto legal – todavia, muitos hospitais se recusam a realizar o procedimento. A ONG ARTIGO 19 criou um mapa com os estabelecimentos conveniados que oferecem o procedimento.
Planejamento familiar (Lei nº 9.263/1996)
Com o intuito de diminuir os índices de gestação não planejadas e reforçar as ações de sexualidade responsável e planejamento familiar, esta lei assegura a disponibilização de diversos tipos de métodos contraceptivos (pílula hormonal combinada, mini-pílula, anticoncepcional injetável mensal e trimestral, diafragma e DIU. Todos esses métodos são ofertados gratuitamente e as informações podem ser obtidas nas unidades básicas de saúde (UBS) da sua região.
Lei Bolsa Família (Lei 14.061/2023)
Você sabia que mais de 80% das famílias beneficiárias do Bolsa Família são chefiadas por mulheres? E que o benefício deve ser cadastrado preferencialmente em nome da mulher? Que o programa ainda entende e beneficia as mães solo? Possui adicional para crianças da primeira infância e gestantes?
O Programa tem como objetivo primário o enfrentamento à pobreza, com finalidades transversais, como a igualdade de gênero e o fortalecimento do enfrentamento à violência doméstica e familiar. O cadastro pode ser feito online, mas pode ser necessária uma entrevista presencial.
A divulgação destes e de outros direitos assegurados às mulheres é de tanta importância quanto a criação deles, de nada adianta se não atender a quem precisa, não é mesmo? Vamos reverberar para que mulheres não sejam submetidas a situações de vulnerabilidade e para que estas situações sejam cada vez mais exceções. E lembre-se, você não está sozinha, tem uma comunidade inteira por aqui.
*Advogada empresarial com mais de 20 anos de experiência, Thaís Vasconcellos é também empreendedora, investidora anjo de empresas Female Founder e professora nos programas de aceleração (jurídico para startups), capacitação Womby (contratos) e Women in Innovation (CVC). Atualmente atua como CLO da B2Mamy, maior comunidade de mães do Brasil.