Reconstrução do RS: ações do governo federal tributam a retomada. O que vem depois?

Por Rafael Pandolfo, advogado, doutor em Direito Tributário e Coordenador técnico do programa Resgate-RS*

A tragédia das enchentes assolou parte relevante da capacidade econômica do Rio Grande do Sul (RS). Máquinas, prédios e estoques foram levados pela água, mas as obrigações assumidas perante fornecedores, instituições financeiras, colaboradores e fisco permaneceram.

A resposta do governo federal, até o momento, foi o oferecimento de financiamentos com juros subsidiados. Assim, além de pagar fornecedores pelo estoque perdido, reinvestir na reconstrução de ativos e assegurar o adimplemento de todos os demais compromissos relativos a um período em que sequer faturaram, os agentes econômicos atingidos pela maior tragédia climática da história gaúcha também despenderão recursos para o pagamento dos juros (pouco menores que os do mercado, é verdade) relativos aos novos empréstimos contraídos.

As obrigações tributárias, por sua vez, tiveram seus vencimentos meramente postergados, duplicando o peso fiscal nos meses em que essas exações serão recolhidas juntamente com os tributos correntes. Analogicamente, é como dar alta para um paciente internado há um mês na UTI e inscrevê-lo para participar de uma maratona no dia em que ele deixa o hospital.

A partir desse contexto, um grupo formado pela Fecomércio-RS, Fiergs, Federação de Entidades Empresariais do Rio Grande do Sul (Federasul), Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul), Sebrae-RS e OAB-RS, denominado Resgate-RS, encampou um inovador projeto de estímulo à recuperação da atividade econômica gaúcha, por meio de desonerações fiscais pontuais. Essas medidas estão dispostas em sete projetos normativos, todos interligados.

Entre os instrumentos sugeridos, no plano federal, está a desoneração, por tempo limitado, dos seguintes tributos: PIS, COFINS, IRPJ, CSLL, Contribuição Previdenciária Patronal, IPI, IOF (nas operações de crédito), II e ITR, além do Simples Nacional. A fruição do benefício fiscal abrangerá somente as obrigações tributárias diretamente relacionadas aos estabelecimentos atingidos pelos eventos climáticos, localizados nos municípios que foram declarados em situação de emergência ou calamidade pública.

O projeto apresenta as seguintes características: horizontalidade, pois abrange todos os segmentos da economia, dispensando a multiplicidade de negociações setoriais; verticalidade, porquanto comporta medidas coerentemente alinhadas nos âmbitos federal, estadual e municipal; eficiência, já que o estímulo corresponderá aos próprios tributos que deixarão de ser repassados pelas empresas atingidas, por determinado tempo; e assertividade, uma vez que a fruição do regime tributário exigirá habilitação junto à Receita Federal do Brasil, o que facilitará a fiscalização e coibirá indesejados desvios na sua aplicação. Além disso, o projeto assegura a manutenção de empregos e estimula doações realizadas pelas empresas às famílias de menor renda, destinadas à reconstrução das suas casas.

O Decreto Legislativo 36, de 2024, diploma que reconheceu a ocorrência do estado de calamidade pública no Rio Grande do Sul, autoriza a União a não computar, no atingimento das metas fiscais, as despesas com as renúncias fiscais necessárias ao enfrentamento das consequências sociais e econômicas geradas pelas enchentes, para fins de atendimento da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Após o resgate de milhares de pessoas realizado durante as enchentes, o Rio Grande do Sul precisará, agora, do resgate dos agentes econômicos e dos empregos, o que exigirá o protagonismo do governo federal. É preciso que se compreenda, nessa análise, que a desoneração fiscal empregada na reconstrução de ativos destruídos não pode ser equiparada à mera transferência de recursos para despesas correntes, pois está ligada ao restabelecimento da capacidade econômica dos agentes, da qual o próprio estado será beneficiado com o incremento na arrecadação a médio e longo prazos.

Uma lição que se aprende com as tragédias é que a antecipação dos problemas está diretamente ligada à mitigação dos respectivos danos. A calamidade pública, infelizmente ocorrida, não pode ser potencializada pela “calamidade do poder público” na implementação de medidas fiscais necessárias e aplicadas, com êxito, na recuperação dos prejuízos causados pelos furacões Katrina e Sandy (EUA) e pelo tsunami de Tohoku (Japão), por exemplo.

Os modelos dos projetos normativos que abordam as matérias federais foram entregues pelos representantes do grupo Resgate-RS, ao presidente Lula em 15 de maio, ao vice-presidente Alckmin em 17 de maio e ao ministro Paulo Pimenta – cujas sugestões foram incorporadas ao texto – em 24 de maio. Tratando-se de medidas inegavelmente urgentes e relevantes, elas já deveriam ter sido implementadas por medida provisória.

Mas não foi o que aconteceu. Como o assunto não teve qualquer evolução junto ao Executivo, a proposta foi analisada e endossada pelo deputado federal Covatti Filho, fundamentando, atualmente, o PL 2265/24 e o PLP 109/24. As empresas, que hoje penam para honrar a folha de salários, enfrentarão, em breve, o dilema tributário para o qual a saída, entregue há quase sessenta dias ao Poder Executivo, chega agora ao Congresso Nacional.

Pior do que não repassar recursos necessários à recomposição do ambiente econômico no RS é exigir, sob a forma de tributos, participação nas comprometidas receitas dos agentes que retomarem suas atividades. A aprovação das medidas fiscais que chegaram ao Congresso é o antídoto sem o qual a União, pela primeira vez na sua história, acabará tributando a própria reconstrução de um estado federado.

*Rafael Pandolfo, coordenador geral e sócio-fundador da Rafael Pandolfo Advogados Associados. Ele é Advogado Graduado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Mestre e Doutor em Direito Tributário pela PUC-SP. Coordenador do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET) de Porto Alegre e todo o RGS. Professor Conferencista do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET) em todo o Brasil. Membro da Comissão Especial de Direito Tributário do Conselho Federal da OAB. Conselheiro de Assuntos Técnicos, Tributários e Legais (CONTEC/FIERGS). Consultor da Federação do Comércio de Bens e Serviços (FECOMÉRCIO). Conselheiro Editorial da Fundação Escola Superior de Direito Tributário (FESDT). Membro do Instituto de Pesquisas Tributárias (IPT). Membro do Instituto de Estudos Tributários (IET). Membro da Fundação Escola Superior de Direito Tributário (FESDT). Autor de diversos artigos e livros. Palestrante em diversas instituições.

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