Instalação de montadoras de veículos deve dinamizar economia catarinense

por Mônica Pupo 

Fábrica de motores e cabeçotes da GM é considerada uma das mais modernas da montadora no mundoLocalização estratégica, mão de obra qualificada e ampla cadeia de suprimentos estão entre os principais fatores que ajudaram a transformar Santa Catarina no mais recente polo automotivo do Brasil. Junte a isso questões logísticas – facilitadas pela existência de quatro portos – e a qualidade de vida, reconhecida como uma das melhores do País, e fica fácil entender por que gigantes como General Motors, BMW e LS Mtron escolheram o estado para abrir suas novas unidades. Concentradas no norte catarinense, onde estão importantes companhias dos segmentos metalmecânico e têxtil, as montadoras prometem movimentar a já agitada economia local. Além de gerar emprego e renda, a vinda destas empresas também deve incrementar outros setores, como comércio e serviços, exigindo novos investimentos e mais inovação tanto por parte do poder público como dos empreendedores locais.

No que diz respeito à esfera governamental, as expectativas não poderiam ser melhores. “Certamente a vinda das montadoras trará novos negócios para o estado, fortalecendo empresas fornecedoras já existentes na região, a exemplo do que aconteceu na Carolina do Sul”, afirma Paulo Bornhausen, secretário do Desenvolvimento Econômico Sustentável de Santa Catarina, referindo-se ao estado norte-americano que registrou expressivo crescimento após a instalação de uma fábrica da BMW, há aproximadamente duas décadas. “Quando a fábrica chegou lá, havia 34 empresas estrangeiras instaladas. Hoje são 108”, conta Bornhausen.

Considerada a cidade mais rica do estado – com PIB de R$ 18,4 bilhões, segundo estudo do IBGE –, Joinville é o epicentro de toda essa efervescência industrial. Localizado estrategicamente no “meio do caminho”, o município possui fácil acesso para os grandes centros, como São Paulo, Curitiba e Porto Alegre, além de contar com quatro portos nas imediações. A região oferece como principais vantagens a agilidade e eficácia na logística portuária, a presença de profissionais qualificados, o nível de qualidade de vida, os índices de sustentabilidade, sem falar no empreendedorismo característico dos catarinenses e a disposição governamental em criar um plano para atração de investimentos”, destaca Bornhausen.

Distante 25 quilômetros de Joinville, a cidade de Araquari foi a escolhida para sediar a primeira sede da BMW na América Latina. Ícone do setor automobilístico internacional, a montadora alemã oficializou a operação no dia 8 de abril. Com cerca de 1,5 milhão de metros quadrados, a fábrica consumirá pelo menos 200 milhões de euros na fase inicial de construção, o equivalente a quase R$ 520 milhões. “A parte que nos cabe já está concluída. A terraple nagem do terreno em Araquari está em andamento e já existe o projeto para a retirada das linhas de alta tensão que passam pela área”, afirmou o governador Raimundo Colombo durante reunião com a cúpula da BMW em Munique, no último mês de maio.

O objetivo da BMW é inaugurar a fábrica e lançar os primeiros veículos em 2014. Enquanto aguarda o término das obras, a empresa conta com um escritório localizado no Perini Business Park, no distrito industrial de Joinville, que funcionará como centro de treinamento equipado com minilinhas de produção idênticas às que estarão disponíveis da unidade fabril. “Garantimos que nosso padrão de excelência é o mesmo em qualquer parte do mundo”, diz Gerald Degen, presidente da fábrica brasileira da BMW.

A expectativa é empregar, no primeiro ano, pelo menos 1 mil empregados na unidade catarinense. O processo de seleção teve início em abril com a disponibilização de 38 vagas para cargos executivos e média chefia. Até 2020, o quadro pode atingir a expressiva marca de 6 mil funcionários das mais diferentes áreas de atuação, com destaque para engenheiros e mecânicos em geral. Embora alguns funcionários devam ser “importados” da unidade localizada em Baviera, na Alemanha, a intenção é focar nas contratações locais. “Há uma predisposição em buscar colaboradores da região, melhor ainda se for de Santa Catarina”, conta Gleide Souza, gerente sênior de relações governamentais da BMW.

Proximidade valorizada

A mesma política será aplicada em relação aos fornecedores, uma vez que a montadora divulgou que dará preferência às empresas catarinenses para a contratação de serviços. Não por acaso, a Ciser pretende ampliar seus negócios no estado. Com sede em Joinville, a companhia é a maior fabricante de fixadores, parafusos e porcas da América Latina. O portfólio total inclui 27 mil produtos, com alguns específicos para a indústria automotiva, atualmente produzidos apenas na unidade de Sarzedo (MG). “Já somos fornecedores de algumas montadoras, como a Fiat, e temos interesse em nos credenciar para também atender essas novas empresas que estão surgindo em Santa Catarina”, afirma Carlos Schneider, presidente da Ciser.

De olho nessa demanda, a companhia está transferindo sua principal unidade fabril de Joinville para Araquari. A mudança faz parte das estratégias de inovação da Ciser, que compreende a modernização dos processos, permitindo a produção também em terceiro turno, o que deve gerar novos empregos e aumentar a produtividade em 50%. “Nesse novo espaço, com 90 mil metros quadrados de área construída, reservaremos um local para a instalação futura da linha de produção específica para itens automotivos, a exemplo da estrutura que temos em Minas”, revela Schneider.

Outra empresa genuinamente catarinense que também pretende se homologar como fornecedora das novas montadoras é a Tuper, localizada em São Bento do Sul. Quinta maior processadora de aço do Brasil, a companhia atua em diversos ramos, incluindo o automotivo, com a fabricação de 1,3 mil itens para veículos da frota brasileira. Na linha de tubos de aço, são produzidos eixos de suspensão, amortecedores, jaquetas e colunas de direção, suporte de painéis (crossmember), barras de proteção (impactbeams), cardãs automotivos e agrícolas, serpentinas, perfis especiais, buchas e coxins. Entre os carros-chefes do portfólio estão os escapamentos e catalisadores, produzidos com sistemas de pós-tratamento de gases de exaustão para veículos comerciais segundo as normas estabelecidas pelo Ministério do Meio Ambiente.

“A vinda das montadoras para a nossa região poderá sim fortalecer nossa presença no setor. Temos ampla capacidade de atendimento e podemos atender às rígidas exigências quanto à qualidade dos produtos e prazo de entrega planejado. A proximidade da fabricação e do cliente é um fator facilitador do processo de atendimento”, reflete Frank Bollmann, presidente da Tuper. A companhia já atende a GM no Brasil e, com relação à BMW, a empresa está realizando contatos para que sejam feitas negociações de atendimento à unidade de Santa Catarina. A expectativa da Tuper se intensificou ainda mais com a chegada da General Motors ao estado. Em fevereiro deste ano a montadora inaugurou em Joinville sua mais nova fábrica, com capacidade para produção de 120 mil unidades motoras e 200 mil cabeçotes por ano, destinados às fábricas da GM de Gravataí (RS) e Rosario (Argentina). “A nova fábrica em Joinville é uma das mais modernas da GM na América do Sul e no mundo, incorporando os mais avançados processos de tecnologia automotiva e de sustentabilidade. A produção de motores e componentes em Santa Catarina tem como objetivo ajudar a alavancar o crescimento da GM em toda a região”, afirma Jaime Ardila, presidente da GM América do Sul e do Brasil.

Com investimentos de R$ 350 milhões e previsão de faturamento anual de R$ 250 milhões, a nova unidade é a primeira a implantar um conjunto de sistemas pioneiros na área de eficiência energética e proteção ao meio ambiente, com destaque para a energia fotovoltaica – gerada a partir da luz do sol –, reciclagem de água industrial por meio de osmose reversa e tratamento inédito de efluentes e esgotos por meio de jardins filtrantes. Segundo o programa Zero Aterro, todos os resíduos do processo produtivo serão reutilizados, reciclados ou coprocessados.

Para Marcos Munhoz, vice-presidente da GM do Brasil, a escolha de Joinville para a instalação do novo projeto da companhia ocorreu em função de a cidade oferecer condições favoráveis à execução e desenvolvimento da iniciativa. “Joinville possui excelente infraestrutura e mão de obra bastante qualificada, além de contar com a proximidade de cinco portos no Estado de Santa Catarina, o que favorece o desempenho do ponto de vista estratégico de nossas operações”, relata o executivo.

Dentre os fornecedores locais que já atendem a montadora, há uma multinacional em Navegantes fabricante de chicotes e uma empresa de Timbó fornecedora de peças usinadas, além dos catalisadores da Tuper. “O fornecimento de componentes que ambas empresas usam nos seus produtos seria a maior e mais atrativa oportunidade que elas podem oferecer. Daí a que as empresas, atualmente em operação no estado, se qualifiquem para serem suas fornecedoras pode levar um período de tempo bastante longo, pois terão que adaptar seus produtos aos requisitos das montadoras em questão”, ressalta Hugo Ferreira, presidente da Câmara de Desenvolvimento da Indústria Automotiva da Fiesc.

As oportunidades de negócio não estão restritas às empresas do segmento metalmecânico. Para Ferreira, a chegada das montadoras também representa benefícios para outras áreas da economia, incluindo setores ligados à produção de produtos plásticos, elastômeros, elétricos, eletrônicos e de tintas. “Além dessas, as prestadoras de serviços terão oportunidades imediatas com as atividades de instalação da fábrica da BMW e com o início da produção, como já ocorre com a fábrica da GM”, avalia o especialista, que também ocupa o posto de diretor da regional do Sindipeças em Santa Catarina.

É o que já acontece, por exemplo, com o Grupo Orbenk, de Florianópolis. Especializada na prestação de serviços de recrutamento e seleção, a empresa está entre as selecionadas para atender a BMW fornecendo mão de obra para áreas como limpeza e manutenção predial. Escolas de idiomas, principalmente de inglês e alemão, também devem notar aumento na demanda nos próximos meses.

“A proximidade com essas companhias de amplitude global oportuniza não só novos negócios, mas também a troca de know-how, estimulando a inovação em todos os aspectos”, destaca Jalmei Duarte, secretário de Desenvolvimento Econômico Sustentável da prefeitura de Joinville. “Empresas como essas trazem não apenas estrutura de trabalho e capital, mas disseminam inovação e qualificação no mercado”, completa.

Passeio e trabalho

Como na unidade da BMW nos EUA, número de funcionários da fábrica brasileira deve se multiplicar em pouco tempo

A proliferação das montadoras e o aquecimento do setor automotivo em Santa Catarina não se limitam ao segmento de carros de passeio. No início do ano, mais precisamente em fevereiro, a fábrica de tratores LS Tractor lançou a pedra fundamental de sua primeira unidade no Brasil, localizada em Garuva, também no Norte do estado. Sob administração do grupo sul-coreano LS Mtron, o empreendimento conta com investimentos de US$ 30 milhões e deve gerar inicialmente 100 empregos diretos e 1 mil indiretos, com perspectiva de fabricação anual de 5 mil tratores com faixa de potência entre 25 e 100 cv.

A operação foi beneficiada pelo governo do estado com incentivos fiscais do programa Pró-Emprego e com isenção de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) em operações de importação de produtos comercializados no Brasil e de matéria-prima industrializada no estado. “Para nós é muito importante trazer a tecnologia da Coreia, referência para o mundo. Santa Catarina é modelo de produção agrícola. Apesar de ter 1% do território brasileiro, somos o quinto maior produtor de alimentos. Quando se abre uma indústria, se criam muitas oportunidades”, declara o governador Raimundo Colombo. De acordo com o presidente da LS MTron do Brasil, James Yoo, os planos da empresa incluem atuar inicialmente nas praças de São Paulo, Santa Catarina, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. “Pretendemos concentrar esforços em uma faixa de potência de até 100 cv porque ele representa cerca de 70% do volume de venda de tratores no Brasil”, assinala. A companhia tem um plano ousado de crescimento no mercado interno, e pretende contratar, até 2020, cerca de 400 colaboradores no estado. Com uma estratégia que prevê crescimento anual de 24% nas vendas, a LS Mtron estima conquistar 9% do mercado até 2016 e ser a líder em 2020, com 15% do mercado de tratores do Brasil.

Outra empresa que pretende se fixar em Santa Catarina, mas desta vez em Lages, na região serrana, é a chinesa Sinotruk. A fabricante de caminhões pretende concluir as obras até janeiro de 2014. As instalações ocuparão um terreno de 200 hectares cedidos pela prefeitura de Lages no local reservado ao Parque de Inovação da Serra Catarinense, localizado às margens da BR-282.

O anúncio da chegada das montadoras de veículos pesados animou os executivos da Schulz, empresa joinvilense com atuação internacional no segmento de compressores automotivos. Fabricante de peças fundidas, usinadas, pintadas e conjuntos montados específicos para o mercado de caminhões, máquinas agrícolas e equipamentos de construção, a companhia pretende firmar parcerias com estas novas empresas. “Estamos em fase de prospecção com novos clientes, com possibilidade de negócios bem encaminhados dentro do mercado automotivo de caminhões”, conta Ovandi Rosenstock, presidente da Schulz.

Novos desafios

Nem só de oportunidades e vantagens é feito esse momento de efervescência automotiva em Santa Catarina. Novos desafios surgem no compasso do crescimento econômico, como a competição mais acirrada pela mão de obra. “Pode haver uma inflação dos salários provocada pela oferta reduzida, diante de uma demanda inusitada pela mão de obra especializada”, diz Hugo Ferreira, apontando ainda uma possível especulação imobiliária na região, ocasionada pela demanda de terrenos e moradias. “A infraestrutura rodoviária também é um ponto a ser observado, pois haverá cada vez mais caminhões circulando nas estradas, podendo causar dificuldades de transporte, aponta Ovandi Rosenstock.

Para solucionar possíveis problemas com mão de obra, a BMW já firmou parceria com o Senai de Joinville para qualificar os funcionários da fábrica. “Hoje oferecemos cursos de base para o setor, como hidráulica, robótica, processo de usinagem e manutenção”, informa Sérgio Roberto Arruda, diretor regional do Senai na cidade. “Pretendemos formar uma programação com os cursos que vamos oferecer aos futuros empregados da BMW”, revela Arruda.

No que depender do poder público, o impacto da vinda das montadoras será apenas positivo. “É responsabilidade do estado e dos municípios oferecer infraestrutura apropriada para a instalação dessas empresas, através do planejamento adequado da moradia, mobilidade urbana, rede elétrica e de água e esgoto, além de segurança pública e todos os demais aspectos envolvidos no crescimento das cidades”, reflete o secretário Jalmei Duarte.

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