Combater o desperdício agora é lei — e um dever coletivo

Por Lucas Infante, CEO da Food To Save*

No início de outubro, o Brasil deu um passo histórico ao sancionar a Lei de Incentivo à Doação de Alimentos. Para quem, como eu, dedica sua vida ao combate ao desperdício, essa notícia representa muito mais do que uma mudança legal. É um verdadeiro marco cultural.

Durante anos, a burocracia, o medo de penalizações legais e a falta de clareza sobre o que poderia ou não ser doado afastaram empresas e instituições da prática da doação de alimentos. O resultado disso? Toneladas de comida em perfeito estado estão sendo descartadas diariamente, enquanto milhões de brasileiros enfrentam a insegurança alimentar.

A nova lei muda esse cenário ao trazer segurança jurídica para quem doa, estabelecendo que o doador só será responsabilizado em casos de dolo, ou seja, se houver intenção clara de causar dano. Essa distinção é crucial. Ela protege empresas dispostas a colaborar com o combate ao desperdício e à fome, sem temor de serem penalizadas por boas intenções.

Outro avanço importante é o reconhecimento dos alimentos fora do padrão estético, mas ainda próprios para consumo. É uma mudança de mentalidade que precisa se espalhar: a aparência de um produto não define seu valor nutricional. Ao valorizar esses alimentos, a lei contribui para reduzir o desperdício nas etapas mais invisíveis da cadeia, como a produção agrícola e o varejo.

E esse debate está longe de ser exclusivo do Brasil. No mundo todo, iniciativas como o movimento Best Before têm chamado atenção para uma questão fundamental: a diferença entre data de validade e data de consumo preferencial. Muitos alimentos seguem próprios para o consumo mesmo após a data indicada como “melhor antes”, mas são descartados por desinformação ou receio. A nova legislação brasileira, ao flexibilizar e incentivar a doação responsável, caminha na mesma direção: uma direção que privilegia o bom senso, a ciência e a solidariedade.

A criação do Selo Doador de Alimentos também merece destaque. Além de funcionar como incentivo e reconhecimento público às empresas engajadas, ajuda a criar uma cultura de responsabilidade social mais ativa, transparente e valorizada por consumidores cada vez mais atentos à origem e ao destino do que consomem.

Do ponto de vista institucional, a nova legislação abre caminhos para que iniciativas da sociedade civil, do setor privado e do poder público possam atuar de forma mais integrada, com menos barreiras legais e mais foco no impacto real.

Mas talvez o maior valor dessa nova lei seja simbólico. Ela oficializa algo que há muito defendemos: alimento é alimento, mesmo que imperfeito; e doá-lo é um ato de cidadania, não de risco. Em um país onde ainda convivemos com altos índices de fome, permitir que mais comida chegue a quem precisa é uma responsabilidade de todos: governos, empresas, instituições e indivíduos.

A luta contra o desperdício de alimentos é complexa, mas este é um avanço significativo. É tempo de acelerar, somar forças e transformar essa conquista legal em resultados concretos. E que ela inspire outras mudanças, legais, culturais e comportamentais, em direção a um sistema alimentar mais justo, inclusivo e inteligente.

 

*Formado em Administração pela PUC-Campinas e pós-graduado em Gestão de Negócios pela FGV (Fundação Getúlio Vargas), Lucas Infante atuou na administração de grandes negócios, como a Ultragaz e de uma unidade do Carrefour na Espanha. Desde jovem, tinha uma inquietação sobre o destino da comida jogada fora e o desperdício de comida no mundo. Por isso, em 2021, fundou a Food To Save com o propósito de revolucionar o desperdício de alimentos no país, além de promover o acesso a bons alimentos, de forma mais sustentável e ajudando o meio ambiente.

Foi eleito empreendedor do ano pela EY, reconhecido como um dos Top 50 Creators do LinkedIn na categoria Food Industry & Food Tech e já participou de importantes fóruns e eventos nacionais e internacionais, participando de debates sobre o desperdício de alimentos no Brasil e como a tecnologia pode colaborar para mudar essa realidade.

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