*Por Acari Amorim e Fabricio Umpierres Rodrigues
Ao completar 348 anos, a ilha Florianópolis desponta para além das suas belezas naturais de belas praias, como um dos polos mais avançados de tecnologia e inovação do Brasil
Há 30 anos, quem entrava pela ponte Hercílio Luz, quando era toda liberada para o trânsito, se deparava com uma pequena cidade, uma pequena ilha, repleta de praias e atrativos naturais, com um pouco mais de 200 mil habitantes e onde a maioria da população economicamente ativa trabalhava em função do serviço público. Hoje, quem chega em Florianópolis, no dia que completa 348 anos e com 508 mil habitantes, ainda enxerga as belas praias, mas talvez não faça ideia do número de empresas inovadoras, de base tecnológicas, instaladas nesta pequena ilha.
Levantamento da ACATE ( Associação Catarinense de Tecnologia) aponta que só Florianópolis conta com mais de 3 mil empresas, mais de 15 mil profissionais e que geram mais de R$ 5 bilhões de receitas por ano, o que representa mais de 40% de toda a receita tributária da cidade. Florianópolis tem hoje 10 vezes mais empresas de base tecnológica do que São Paulo, em proporção ao número de habitantes de cada cidade. São empresas de uma, duas ou três pessoas, até mais de 2 mil colaboradores que atuam em diferentes áreas, entre elas, saúde, energia, agronegócios, finanças e gestão. Entre as grandes estão a Softplan, Nexxera, Resultados Digitais, TeltecSolutions, Involves, Neoway, entre outras.
A UNIÃO
A visibilidade que Florianópolis ganhou nos últimos anos como um polo de tecnologia e inovação – somado ao potencial turístico que sempre foi a marca da cidade –é o resultado de forte união entre diversas (e outrora concorrentes) entidades empresariais e associativas da Capital catarinense, além das universidades públicas e privadas.
Um exemplo desse novo momento entre os líderes empresariais locais aconteceu no início de 2018, quando um grupo de empresários foi a Austin (EUA) buscar ideias para trazer à capital catarinense um modelo de evento com os mesmo propósitos do South BySouthwest (SXSW), que une tecnologia, cinema e música e superlota a cidade texana, onde também estão localizadas algumas das maiores empresas de TI dos Estados Unidos.
Cerca de um ano e meio depois dessa missão, os participantes daquela missão aos EUA apresentaram o balanço da primeira edição do Floripa Conecta, uma série de 60 eventos com foco em Tecnologia, Negócios e Economia Criativa que movimentou a capital catarinense entre os dias 9 e 18 de agosto de 2019. Nos dados apresentados por entidades (ACIF, CDL, Acate, Abrasel, Sebrae, Fundação Certi, Fiesc e Prefeitura de Florianópolis), o Conecta envolveu a participação de 120 mil pessoas (o que equivale a mais de 20% da população da Capital) e movimentou em torno de R$ 100 milhões.
Deste total, R$ 30 milhões (30%) veio de turistas que estavam na cidade no período (agosto) que é considerado historicamente o pior do ano pelo setor. Em média, os visitantes gastaram R$ 1.165 em 4 dias de pernoite na cidade – a média etária do turista é de 31 anos, aponta a pesquisa desenvolvida por alunos do curso de Gestão de Turismo do Instituto Federal de Santa Catarina.
Nas contas do prefeito Gean Loureiro, foram realizados em 2019 dez vezes mais eventos do que em 2016 – isso contando desde encontros culturais e gastronômicos a outros na área de turismo e tecnologia, por exemplo. O Conecta representa, na visão dele, uma união de entidades em função da necessidade de apoio por parte do poder público.
Os próprios dirigentes das associações reconhecem que este movimento conjunto era praticamente impensável há alguns anos, pois era comum cada entidade ter sua agenda e eventos próprios – algumas vezes concorrentes entre si. “Se o governo lidera um movimento, acaba a briga. O que aconteceu foi que nos abrimos ao setor privado para trabalhar em conjunto num processo no qual era preciso apoio do poder público”, reflete Loureiro.
As entidades não querem ser executoras do todo, talvez possam ser curadoras, ter uma centralidade para auxiliar que os eventos não concorram entre si”, opina o empresário Doreni Caramori, ex-presidente da Associação Comercial e Industrial de Florianópolis. “Neste modelo de aprendizado, as entidades vão se atualizar e acredito que, daqui a cinco anos, toda a cidade vai estar envolvida com Economia Criativa. Temos talentos e competência para mudar nosso eixo econômico a partir dessas iniciativas”.
CAMINHOS DA INOVAÇÃO
Esta visão de conexão e de estímulo à tecnologia impulsionou tradicionais entidades da região a criarem seus próprios programas de inovação. Um exemplo foi o CDL Tech, um hub com o propósito de estimular novos projetos empreendedores para o setor de varejo e serviços da cidade e, ao mesmo tempo, se conectar com o crescente ecossistema de tecnologia local. O projeto envolve um espaço de coworking, o programa de educação empreendedora Startup University, além de chamadas para seleção e aceleração de startups com soluções para o mercado do varejo e áreas afins – ocupando a área em que a entidade mantinha um auditório.
“Percebemos que há um nicho de mercado aberto, que precisamos ajudar a desenvolver. Florianópolis é uma cidade criativa e dinâmica, onde houver ação nesse sentido queremos estar dentro”, afirmou Ernesto Caponi, que era o presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de Florianópolis quando o projeto foi lançado.
Outra entidade que adotou o caminho da inovação foi a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) de Santa Catarina, que lançou em setembro de 2020 o Centro de Inovação em Gastronomia (CIGA), uma parceria com a consultoria Mauá Ventures e a rede de coworkingsImpact Hub.
A iniciativa traz uma série de oportunidades às empresas do foodservice. “O Centro proporciona para todos os elementos da cadeia, desde o restaurante, distribuidor de alimentos e bebidas e até indústria, um habitat de inovação com metodologias para que os empresários sejam mais assertivos no processo de inovação”, destacou o presidente da Abrasel, Raphael Dabdab.
NA PANDEMIA
Ainda que a pandemia tenha adiado uma série de eventos presenciais, novos projetos e iniciativas lançadas ao longo do último ano mostram que a tendência de conexão entre entidades, academia e mercado avançou em 2020.
“Em Santa Catarina, estamos desenvolvendo um sistema virtuoso de desenvolvimento orientado por inovação. É necessária uma grande articulação conjunta, dos mais diversos stakeholders locais, para alinhamento de horizontes e de incentivos que permitam um trabalho coordenado, com prumo para um posicionamento global”, reforça Thiago Lobão, CEO do Catarina Capital, gestora de fundo de venture capital recém-lançada e que pretende articular recursos e projetos para fortalecer Florianópolis e Santa Catarina como polo de negócios internacional.
CIDADE INTELIGENTE
Para 2021, a perspectiva é que a Capital passe a contar com uma agenda de ações envolvendo a administração pública municipal, setor privado e entidades ligadas ao ecossistema de tecnologia para desenvolvimento de projetos e soluções de smartcities aplicadas às demandas da população local – seja em mobilidade, conectividade, atendimento à saúde, segurança e desenvolvimento econômico.
Este foi o resultado de um encontro promovido pelo Grupo de Cidades Inteligentes (GCI), iniciativa do fórum executivo World Trade Center Sul com o vice-prefeito da Capital, o empresário Topazio Neto. “Florianópolis desenvolve muita tecnologia, mas queremos utilizar esse ativo para nos auxiliar a entregar mais resultados à população, entendendo onde estão as necessidades e criar uma rede de soluções, aumentando a interlocução entre o setor produtivo e a gestão pública”, resumiu Topazio.
Ele recebeu uma “Carta Aberta” elaborada pelo GCI citando cinco premissas para o desenvolvimento de smartcities: necessidade de colaboração entre governo, mercado, academia e comunidade; conectividade e transformação de áreas públicas em espaços inteligentes; atração de talentos (e não apenas de CNPJs), uso de dados e inteligência artificial para tomada de decisão dos gestores públicos; e estímulo ao ambiente empresarial.
“Santa Catarina tem um grande potencial para se tornar um hub de inovação e soluções para cidades inteligentes. Florianópolis, por ter a maior densidade de startups do país por habitante, pode ser nosso grande case e assim inspirar outras cidades”, resume Jean Vogel, presidente do GCI.
SOBRE FLORIANÓPOLIS
População estimada (2020) – 508.826 pessoas
População no último censo (2010) – 421.240 pessoas
Densidade demográfica: 623,68 hab/km2
PIB per capita (2018) – R$ 42.719,16
Percentual das receitas oriundas de fontes externas (2015) – 37,5%
Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) [2010] – 0,847
Salário médio mensal dos trabalhadores formais (2018) – 4,8 salários mínimos
Pessoal ocupado (2018) – 315.065 pesssoas
População ocupada (2018) – 63,9%
*Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE