A inserção feminina no mercado de trabalho brasileiro vem sofrendo transformações. Ainda que seja inferior à presença masculina, os avanços já podem ser percebidos em algumas áreas.
Segundo o relatório “Mulheres nos Negócios”, da Grant Thornton, organização global de auditoria e consultoria, elas ocuparam 29% das funções de liderança em companhias de todo o mundo em 2019 – o número mais alto da história.
O mercado tem se adaptado aos novos tempos e o setor de tecnologia é um dos grandes exemplos dessa evolução. Atualmente, é possível encontrar mulheres como head no segmento culturalmente masculinizado. Nos últimos cinco anos, a participação feminina na área cresceu 60% – passando de 27,9 mil mulheres para 44,5 mil em 2019, segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). Mas, ainda assim, elas representam apenas 20% dos profissionais de tecnologia do país.
Estudos de instituições como o Instituto Global McKinsey, IBM e Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) atestam essa desigualdade. Desde que Marie Curie recebeu o Prêmio Nobel de Física, em 1903, apenas 17 mulheres foram reconhecidas em física, química ou medicina frente a 572 homens. Apenas 35% dos estudantes matriculados em carreiras vinculadas à STEM – Science, Technology, Engineering and Math (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática) no ensino superior são mulheres.
Essa lacuna de gênero no local de trabalho pode persistir por décadas, a menos que as empresas priorizem o avanço das mulheres em posições de liderança. Tudo isso em um cenário em que, segundo pesquisa do McKinsey, organizações com um índice superior de diversidade de gênero têm 15% mais chances de obter retornos financeiros acima da média da indústria nacional.
Mas há organizações que fazem a diferença em seus mercados e usam seus esforços e relevância para promoverem um ambiente mais diversificado e de maior sucesso, apostando em gestoras de negócios na nova era digital. É o caso da NESS – empresa de tecnologia da informação e serviços que oferece soluções em diversas verticais de negócios –, que possui três de seus cargos de heads ocupados por mulheres.
“A área de tecnologia é dinâmica e não há impeditivo para a atuação feminina. A NESS é uma organização que acredita na capacidade das pessoas e oferece oportunidades, independentemente de gênero e idade, pois o importante é o conhecimento e o que se tem a oferecer”, destaca Flávia Nogueira, Head of People & Education, que há um ano gerencia a área nas cinco verticais da empresa: Health, Law, Energy, Secutiry e Tech.
Para ela, ser mulher nunca foi uma barreira a ser transposta para se destacar na profissão. “Acredito que pelo meu perfil de liderança, minha determinação e por gostar muito de pessoas sempre tive bons relacionamentos nas organizações em que atuei. Meus liderados sempre me respeitaram até porque tenho a postura de que todos estão ali para somar e agregar valor à equipe. Ser do sexo feminino não me impediu de fazer nada”, explica a líder de Pessoas e Educação.
Flávia acredita que a cultura e o olhar da organização em não qualificar o profissional pela aparência e sim valorizá-lo pelo seu conteúdo e conhecimento faz a diferença na equidade de oportunidades. “A organização que valoriza seus colaboradores pelas competências técnicas e comportamentais também é aquela que preza pela igualdade de direitos, inclusive em relação a questões salariais. Atuo em uma empresa que tem esse olhar diferenciado para o mercado, que preza pelo dinamismo e pela transformação e que quer ter como marca social a diversidade”, ressalta.
Mas empresas como a NESS ainda são exceção. Prova disso é um relatório do Fórum Econômico Mundial, que concluiu que a igualdade de gêneros só se dará – se continuarmos na evolução pelos direitos das mulheres – em 2095. E mais: a discrepância, falando de participação econômica e oportunidades femininas, chega a 60% ou mais. Outra dado surreal é que no ranking de igualdade de salários, o Brasil é o penúltimo entre todos os países das Américas, perdendo só para o Chile (ocupamos o 124º lugar de 142 países avaliados).
Outro estudo do Instituto McKinsey sobre a participação feminina no mercado em geral como CEO mostrou que, entre 2015 e 2019, as mulheres ocuparam cerca de 21% dos cargos de C-level, enquanto no mercado de tecnologia, não chegaram nem mesmo a 5% dessas posições.
Além disso, ainda há o estigma de que tecnologia é coisa de menino. No entanto, esse preconceito não tem fundamento e é repleto de contradições. Foi Ada Lovelace que fundou a computação científica, no século 18, e durante a 2ª Guerra Mundial eram as mulheres que estavam na linha de frente da programação. Isso persistiu por muito tempo. Até 1974, no bacharelado em ciência da computação do Instituto de Matemática e Estatística (IME) da Universidade de São Paulo (USP), as mulheres representavam 70% da turma.
O cenário começou a mudar na década de 1980, quando surgiu o Desktop e o público masculino começou a se interessar por jogos e planilhas. A partir daí, foram os meninos que começaram a encher as salas de aula dos cursos e formação na área de tecnologia. “Na década de 1990, quando comecei a graduação em Processamento de Dados, poucas mulheres optavam por essa área, mas para mim nunca foi um problema”, salienta Camila Fenerich Lucri, que há dois anos é Head of IT Infrastructure & Operations na NESS, onde começou como recepcionista, há 22 anos, e hoje lidera uma equipe de 33 pessoas, sendo a maioria (31) homens.
“Nunca tive problemas de insubordinação ou qualquer outra questão com minha equipe. Sempre fui muito respeitada. E mesmo atuando na área de tecnologia e inovação, nunca identifiquei nem mesmo um cliente com um pé atrás comigo. Consegui me fazer respeitar pelo conhecimento e expertise que possuo, sendo reconhecida como uma profissional que desempenha bem o seu papel”, afirma a líder de Infraestrutura e Operações de TI.
Capacitação profissional
Mais do que se contratar mulher para cargos de liderança, na visão de Camila, é importante investir em capacitação para que as profissionais que ingressam nas empresas, inclusive de tecnologia, possam se desenvolver e almejar novas posições. “O mercado de trabalho é competitivo e cada vez mais exigente em relação à qualificação. O profissional apaixonado pelo que faz, com visão e capacidade de inovar e conseguir resultados merece ser reconhecido e valorizado. Para isso, tem de aprimorar as habilidades técnicas e ampliar as competências comportamentais”, acredita.
Na visão de Rita Milene Cunha, Head of Transformation & Process na NESS Health, há seis anos, a busca pelo conhecimento, pela qualificação e a determinação são a solução para romper as barreiras que podem aparecer para a ascensão profissional, independentemente de gênero, etnia ou classe social.
Esse pode ser o caminho para mudar de vez o cenário profissional. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), se as mudanças continuarem nesse ritmo, acredita-se que em 10 anos a participação das mulheres no mercado de trabalho brasileiro deve crescer mais do que a masculina em muitos segmentos – a ciência e tecnologia são alguns deles.
“A realidade é que hoje existem poucas mulheres na área. Se você deixar isso influenciar suas decisões, você se afasta e a realidade não muda. A mulher que entra em TI deve estar pronta para enfrentar um ambiente masculino e disposta a ser aquele 0,1% que muda a estatística”, garante Rita, para quem as escolas e instituições devem incentivar cada vez mais as meninas a se interessarem por carreiras em ciência e tecnologia, já que vivemos em uma era digital e o futuro é tecnológico em qualquer segmento. “Daqui a algum tempo, não falaremos desses desafios de inserção, mas sim de como as mulheres transformaram o mercado de tecnologia”, conclui.